Decorria calmamente a primeira semana deste mês que nos levará até ao Outono, com temperaturas que se esperam mais suaves e com os primeiros pingos de chuva que irão dar de beber às terras secas, quando o centenário elevador da Glória, em Lisboa, saltou para os écrans das televisões de quase todo o mundo.
Uma das suas cabines, depois de uma descida vertiginosa, esmagou-se contra a fachada de um prédio, deixando um largo rasto de mortos e feridos.
Durante largas horas, Portugal teve os olhos colocados naquele pedaço de calçada e todos pudemos observar, em directo, a forma eficiente e organizada como as forças de socorro e segurança meteram as mãos e o seu saber ao serviço do socorro aos feridos e, depois, à recolha dos corpos dos infelizes que ali perderam a vida.
Se nós portugueses fossemos um povo normal, estaria aqui a escrever que os órgãos de informação, nomeadamente as estações de televisão, teriam feito um excelente trabalho, no que respeita à informação que era imperioso dar ao país, sobre este infausto acontecimento.
Mas nós não somos um povo normal. É que na hora do aperto somos todos por um, acudimos, fazemos, entramos na dor alheia, somos solidários, mas assim que arrefecemos, metemos logo a faca nos dentes e iniciamos de imediato a caça para descobrir as causas e ou os culpados. Isto é tão verdade, que mais cedo do que tarde, os repórteres de serviço logo começaram a tentar encontrar se alguém por ali tinha ideia porque é que o acidente tinha acontecido e, mais importante, porque tinha acontecido.
Terreno mais do que fértil para os dois ou três minutos de glória, que os mais afoitos sempre aproveitam e os mais espertos, os que têm uma agenda, nunca desprezam.
Dizia uma senhora, maior de idade, que vivia no local, que já tinha reparado que a manutenção dos elevadores era muito deficiente.
Acrescentava um musculado cidadão, acabado de sair do seu local de trabalho, porque as nódoas da sua camisola não mentiam que não merecia a pena chamar a Judiciária nem era preciso procurar. A culpa tinha sido a falta das revisões obrigatórias.
Poderia continuar a dar exemplos do que disse o representante do sindicato dos trabalhadores da Carris, a ordem dos engenheiros e até, para dar mais credibilidade ao depoimento, apenas uma voz, sem aparecer o seu dono, que afirmava que a culpa era da administração da empresa. Com o prato ainda quente, dizia outro, que este acontecimento era um rude golpe no turismo e que nos arriscávamos a ficar sem eles, por este motivo.
Nunca vi em tão curto espaço de tempo, tanto especialista em elevadores, tanto palpite sem nexo e já agora tanta palermice dita por quem ali estava, a mando das televisões, porque depois de três ou quatro horas “no ar” já não sabiam o que haviam de dizer senão repetir e repetir o que já tinham afirmado muitas vezes.
O objectivo, para ganhar o óscar do ano da informação, era ver quem seria o primeiro a servir em bandeja de prata a cabeça do responsável por este acontecimento.
Infelizmente, a Europa, para não ir mais longe, tem diariamente acontecimentos que são mais graves em consequências do que este e não vemos o frenesim que observámos por cá, em todos os canais, sem excepção.
Bem sei que a luta nas redacções é feroz e todos querem colocar-se em bicos de pés para ver se o chefe repara.
Mas será que vale a pena pagar pouco, mas ter estes resultados tão medíocres?
Francisco Morgado