Maria das Neves, de 73 anos, e Amílcar Pedro, com 76, vivem há 50 anos na Rua da Amizade junto à Zona Industrial de Santarém.

A pacatez do local alterou-se quando em Dezembro do ano passado a unidade industrial PETAQUA instalou-se bem próximo da sua casa. Desde que a empresa entrou em funcionamento as suas vidas e rotinas mudaram drasticamente.

“Não fomos informados que a fábrica ia abrir. Não há respeito pelas pessoas. Estou aqui num inferno, isto é horrível. O cheiro na hora do calor é terrível, até causa náuseas.

É um odor a carne e ossos queimados. A nossa rotina mudou muito, principalmente o facto de não podermos andar à vontade no nosso quintal. Esta madrugada [24 de Agosto] não se sentia o cheiro, mas pelas cinco da manhã tive de me levantar e ir fechar as janelas. Já estava um cheiro péssimo dentro de casa”, contou Maria das Neves ao “Correio do Ribatejo”.

“Tenho uma doença crónica respiratória, tenho muitas crises, e para além disso ainda tenho asma. O meu marido é cardíaco. É muito complicado não conseguir vir à rua nestes dias de calor. Não se pode abrir uma porta ou uma janela. Estou a agravar a minha doença e com a idade que tenho é difícil”, notou.

A moradora gostava que as autoridades que licenciaram a obra pudessem “arranjar condições de forma a que o cheiro não venha para o exterior, talvez através de alguns filtros, não faço ideia, não sou técnica, mas alguém sabe o que se poderá fazer. A entidade que foi responsável pelo licenciamento devia olhar em redor. Peço que tomem medidas”, alertou Maria das Neves.

Abaixo-assinado a decorrer desde Maio

O casal, com a ajuda dos filhos, fez queixa às diversas autoridades competentes, porém não obteve qualquer resposta. Tentam, desde finais de Maio, alertar para o facto através da recolha de assinaturas. Um abaixo-assinado que conta, nesta altura, com “cerca de 200”.

“Nós cidadãos vimos por meio desta petição pública manifestar o elevado desagrado quanto às condições ambientais que se fazem sentir na área das nossas residências, muito devido ao facto de serem libertadas no ar emissões simplesmente intoleráveis ao ser humano no que toca ao odor”, que chega a “causar náuseas e vómitos”, pode ler-se no texto que serve de suporte ao abaixo-assinado.

“O desconforto é de tal ordem que nos vemos privados de usufruir das nossas residências e logradouros, evitamos as habituais caminhadas ou convívios, simplesmente acabamos por nos fechar em casa”, acrescenta a petição que conclui: “As empresas em questão são necessárias, contudo é nossa opinião que têm de operar sem lesar os demais e neste sentido cabe-nos então apelar à DRAP-LVT que tome as devidas diligências no sentido de presenciar in loco a denúncia que apresentamos e que sejam tomadas as respectivas contra-medidas”.

Ao ‘Correio do Ribatejo’ Ruben Ramos Pedro, filho do casal septuagenário, lamenta a “tortura diária de que são alvo os moradores que não podem abrir uma janela para arejar a casa. Tiveram os meus Pais a trabalhar uma vida, proporcionaram-nos, a mim e ao meu irmão um lar, uma educação, investiram e trabalharam ali. Agora, os “velhotes” não conseguem ter qualidade de vida. Não dá para ir ao quintal, não dá para brincar com os netos no exterior! Já lhes faltam as forças para lutar nestas guerras”, afirma Ruben Pedro que garante que os maus cheiros são igualmente sentidos no planalto da cidade.

O ‘Correio do Ribatejo’ dirigiu à administração da PETAQUA um conjunto de questões no sentido de saber se a empresa tem consciência de que a sua actividade está a afectar muitos dos residentes próximos do local e até no planalto da cidade e o que poderá fazer para minorar os odores provenientes da sua laboração.

Não respondendo individualmente às cinco questões que lhe colocamos, recebemos de um porta-voz da PETAQUA uma declaração que garante que “a actividade da PETAQUA está devidamente licenciada e cumpre integralmente todos os requisitos legais. Estamos a falar de uma unidade fabril completamente nova, situada numa zona industrial adjacente a um matadouro, e onde diariamente nos empenhamos em aplicar as melhores práticas de produção, engenharia e ambientais.

Neste contexto, salientamos o nosso compromisso em identificar oportunidades de melhoria contínua que agreguem valor à nossa actividade, e estamos sempre atentos à possibilidade de implementar medidas técnicas adicionais que possam minimizar eventuais impactos decorrentes do desenvolvimento da operação industrial em causa,” afirmou ao nosso jornal fonte oficial da PETAQUA.

Aguarda-se resultado de nova vistoria

O ‘Correio do Ribatejo’ questionou a Direcção Regional de Agricultura e Pescas de Lisboa e Vale do Tejo (DRAPLVT) que se encontra a “analisar em detalhe as questões colocadas”, mas prefere aguardar o resultado de “uma vistoria conjunta à unidade PETAQUA” que terá tido lugar esta semana, já depois do fecho desta edição, afirmando ao nosso Jornal que irá “recolher a posição de entidades públicas com responsabilidade neste processo de licenciamento” e só depois responder às questões colocadas pelo ‘Correio do Ribatejo’.

Já o presidente da Câmara Municipal de Santarém disse ao nosso Jornal que o local onde se encontra instalada a empresa PETAQUA “é uma zona industrial que tem todas as condições para instalação de unidades industriais (UI)”. Garantiu ainda que a empresa “obteve todos os pareceres e autorizações das entidades competentes e cumpriu toda a tramitação legal para obtenção de licenciamento da respectiva actividade”.

Questionado sobre o que pensa fazer a autarquia para minorar os efeitos da laboração da empresa e o impacto dos cheiros dela emanados que afectam toda a cidade, mesmo a alguns quilómetros de distância, Ricardo Gonçalves afirmou que “o Município de Santarém tem acompanhado de perto esta preocupação dos munícipes” e que já “no passado ano as entidades oficiais competentes efectuaram uma vistoria, consequente de reclamações existentes à data, tendo-se visitado as instalações e observadas as diversas zonas de laboração, concluindo-se que a UI estava a laborar em conformidade”, refere, prometendo “em articulação” com as entidades oficiais competentes, “acompanhar uma nova vistoria conjunta, já agendada, por forma a verificar o cumprimento das condições de licenciamento e de funcionamento”.

Questionado sobre uma resposta a dar aos munícipes que se sentem afectados pelos constantes maus cheiros provenientes da empresa, o autarca afirmou que “exigirá o cumprimento de todas as medidas possíveis para minimizar o impacto que a actividade laboral possa ter sobre o bem-estar da população”.

Investimento de 4,2 milhões de euros

A unidade de produção industrial da PETAQUA foi inaugurada a 16 de Dezembro do ano passado, na Zona Industrial de Santarém. Um investimento de cerca de 4,2 milhões de euros, numa unidade com uma área de 6 mil metros quadrados, que “estima produzir 11 mil toneladas anuais e empregar 20 pessoas”, foi referido na inauguração que contou com as presenças do presidente e vereadores da Câmara de Santarém e também de Bernardo Ivo Cruz, secretário de Estado da Internacionalização, bem como representantes dos Grupos Montalva, Valsabor e Maporal, proprietários da PETAQUA, conforme o ‘Correio do Ribatejo’ noticiou na altura.

De referir que os produtos da PETAQUA podem ser utilizados no mercado da alimentação e rações para animais, aquacultura, fertilizantes ou biodiesel.

A sessão contou com uma visita às instalações da unidade e com o descerramento de uma placa comemorativa da inauguração da fábrica.

No Portal da PETAQUA esta apresenta-se como uma “empresa 100% portuguesa que concentra a sua actividade na área do ambiente, reciclando e valorizando resíduos de origem animal em proteínas e gordura sustentáveis que são reintroduzidos na própria cadeia, retirando, desta forma, do meio ambiente, matérias com elevado poder de contaminação, fomentando a economia circular e reduzindo os impactos ambientais”.

No mesmo Portal é explicado que “está devidamente equipada para garantir o processo de tratamento de subprodutos de origem animal. Este processo de reciclagem animal permite a separação de componentes de água, gordura e proteína, incluindo sangue, ossos e vísceras de carne e desta forma gerar subprodutos com valor comercial: farinha de vísceras, sebo e farinha de sangue. O nosso objectivo final é gerarmos produtos estáveis, de excelência, de elevado teor proteico e energia e isentos de qualquer organismo portador de doenças”, lê-se no portal da empresa.

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