Este fim-de-semana cumpre-se o ritual secular de homenagear os defuntos. Os cemitérios vão receber as flores saudosas daqueles que os visitam. Infelizmente, a maioria só visita os cemitérios nesta altura ignorando que estas “cidades dos mortos” foram arquitectadas pelos burgueses no século XIX à semelhança das “cidades dos vivos” e feitos para serem visitados.
Os cemitérios são locais de interesse e fascínio ao nível de diversas áreas do saber. Nas últimas décadas, o turismo cemiterial em Portugal aumentou bastante, sendo disso exemplo os cemitérios de Lisboa e do Porto, onde se promovem visitas guiadas temáticas e outras actividades relacionadas com a defesa deste vasto e rico património. A divisão de gestão cemiterial da Câmara Municipal de Lisboa mantem uma página nas redes sociais chamada “Cemitérios de Lisboa”, onde divulga o seu vasto património assim como as actividades que promove. Também tem publicado brochuras relacionadas com a simbologia das pedras.
Nos últimos seis anos, este é o terceiro artigo que escrevo sobre turismo cemiterial, convicta que o cemitério dos Capuchos é um ilustre desconhecido da grande maioria dos escalabitanos que se limitam a associá-lo ao culto da morte. Considerando a sua importância na preservação da nossa memória colectiva justifica-se a organização de percursos temáticos, visitas guiadas, brochuras que permitam promover o turismo cemiterial valorizando o património que integra este verdadeiro museu a céu aberto. A infinidade de temas a explorar está bem patente: o liberalismo, o republicanismo, os educadores, a monarquia, as ordens religiosas, a maçonaria, a I Guerra Mundial, o associativismo, a Guerra Colonial, o Estado Novo, o municipalismo, o Ribatejo, histórias de família e de amor.
O cemitério de Santarém permite-nos conhecer a história de amor e morte de Maria Amélia Cordeiro Lopes e Alberto Rosa Mendes, dois jovens falecidos em 1926.
Maria Amélia Cordeiro Lopes nasceu a 3 de Agosto de 1905 e era filha do capitão João Lopes (17/5/1869-20/11/1927), chefe da banda de Infantaria 16 e de Georgina Cordeiro Lopes. Ela era irmã de Maria Cordeiro Lopes Jardim, casada com o oficial do exército e advogado Joaquim Vicente de Paulo Jardim (1890-1932) e cunhada de Bernardino Henriques e do tenente Eduardo Montez. Como sofria de tuberculose, encontrava-se a descansar na Aldeia da Ribeira quando faleceu a 24 de Agosto de 1926, com 22 anos, deixando “imersos na mais profunda desolação seus desvelados pais que a tudo, inutilmente, recorreram para a salvar” (CE, 28/8/1926, p. 3).
Alberto Rosa Mendes nasceu a 19 de Agosto de 1903 e era filho de Francisco da Rosa Mendes Júnior (-13/11/1930) e de Maria Rita Clara Mendes (1862-25/3/1947), irmão do tenente José da Rosa Mendes casado com Felicidade Figueiredo de Almeida Mendes, de Faustino da Rosa Mendes (22/2/1899-27/4/1935) casado com Maria Dulce Antunes da Silva Anachoreta Mendes e de Eduardo da Rosa Mendes (22/12/1906-24/7/1983). Ao tomar conhecimento da morte da sua noiva Amélia, o jovem de 24 anos, disparou um tiro de pistola que não o matou de imediato. Este veio a falecer num carro que o transportava para o hospital de Santarém, junto do entroncamento de Vale de Estacas, na madrugada de 25 de Agosto. A cidade cobriu-se de luto perante a “dupla fatalidade que produziu a mais viva consternação (…) logo que foi conhecida a triste notícia” (Idem).
O funeral de Amélia decorreu no dia 25 de Agosto, da capela de Nossa Senhora da Piedade para o cemitério dos Capuchos, sendo dirigido pelo tenente Felizardo da Conceição. Alberto foi sepultado no dia seguinte, saído o corpo da morgue para o mesmo cemitério, sendo o funeral dirigido pelo tenente Eduardo Montez e Paulo Jardim. Amélia e Alberto foram sepultados em covais juntos, ficando assim unidos na morte os que não puderam unir-se em vida” (Idem). Os covais foram cobertos com duas colunas partidas uma em linha recta, simbolizando o suicídio de Alberto e outra em linha irregular simbolizando a morte por doença na juventude. As colunas decepadas encontram-se presas por uma corrente, acentuando o dramatismo da vida interrompida inesperadamente na juventude.
Os cemitérios encerram as inúmeras histórias daqueles que dormem o sono dos justos voltados para o rio Tejo, enquanto aguardam que os vivos valorizem a nossa memória colectiva.
Memórias da Cidade – Teresa Lopes Moreira
1 comment
Excelente !
Comments are closed.