O Ministério Público pediu a condenação de 27 acusados de falsificação de documentos e burla agravada, num esquema que envolveu uma farmácia de Abrantes em que o Estado foi lesado em mais de dois milhões de euros.

Nas alegações finais do processo, que começou a ser julgado no início de maio no Tribunal de Santarém, a Procuradora do Ministério Público pediu penas mais graves para os cinco principais arguidos: o dono da Farmácia Silva, em Abrantes, que adquiriu mais tarde uma outra farmácia em Lisboa, um médico na Liga dos Combatentes acusado de passar receitas fraudulentas, um administrativo desta instituição e outra do Montepio Abrantino, acusada de ter usado palavras passe de médicos para emissão de receituário, bem como o irmão desta, proprietário de um café.

Os defensores de dois arguidos toxicodependentes declararam a sua estupefacção perante o pedido de condenação dos seus constituintes, lamentando que o Ministério Público (MP) não tenha “aprofundado” a sua apreciação e tido em conta a ausência de qualquer prova do seu envolvimento no esquema.

Também o advogado do principal arguido pediu a absolvição do farmacêutico, proprietário e director técnico das farmácias, acusado de ter concebido e executado um plano de angariação de receituário forjado, sobretudo de medicamentos com elevados valores de comparticipação pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS), tendo recebido indevidamente, entre Fevereiro de 2012 e Julho de 2017, um valor global de 2.116.392 euros.

O advogado pediu ao colectivo que não considere as declarações feitas pelo arguido perante o juiz de instrução criminal Carlos Alexandre (entretanto juntas ao processo), por, disse, ter sido um depoimento “alucinado”, “desconforme com a realidade” e que “não espelhou o que se passou na sala de audiências”.

António Velez, advogado de um dos arguidos toxicodependentes, invocou essas declarações iniciais do farmacêutico, nas quais consta a declaração de “perplexidade” do juiz Carlos Alexandre perante o depoimento prestado, para afirmar que casos como este têm que ser “punidos de forma exemplar”.

Afirmando não haver dúvidas sobre quem arquitectou o esquema que lesou o SNS, pois, “sem ele não havia mais ninguém”, o advogado questionou como pode o principal arguido gozar de apoio judiciário quando possui património, dando vários exemplos do que considerou serem “sinais exteriores de riqueza”.

Nas suas alegações, o advogado do farmacêutico justificou a “forma de estar” do arguido com o facto deste “vir de uma família com alguns pergaminhos”.

Para o advogado, “não basta a lógica ou a mera probabilidade” para condenar o arguido, questionando o tribunal sobre “onde estão os dois milhões de euros” alegadamente obtidos de forma fraudulenta, já que apenas consta do processo a transacção da farmácia em Lisboa, com o MP a pedir que os 555.000 euros desse negócio revertam para o Estado.

Além das penas pelos crimes de falsificação de documento e de burla agravada, o MP pede para o farmacêutico e para o médico uma pena acessória de proibição do exercício de funções.

Segundo a acusação, o esquema passava pelo envolvimento de pessoas residentes na zona de Abrantes que tomavam medicação de forma contínua ou eram toxicodependentes, e pediam receitas médicas, sobretudo de antipsicóticos, com elevada comparticipação.

Com o alegado envolvimento de uma funcionária do Montepio Abrantino e de um funcionário e um médico da Liga dos Combatentes, estas entidades começaram a emitir elevada quantidade de receitas, passando os envolvidos a facultar dados de familiares e de clientes da farmácia, à revelia destes.

O esquema passava ainda, alegadamente, pelo Café Portugal, cujo proprietário é irmão da funcionária do Montepio Abrantino.

O farmacêutico começou por pagar entre metade e um quarto do valor obtido a quem lhe fazia chegar as receitas, passando depois a entregar valores aleatórios, segundo a acusação consultada pela Lusa.

O próprio advogado do farmacêutico na fase inicial do processo renunciou ao mandato já depois de deduzida a acusação por ter tido conhecimento de que o seu número de beneficiário e o seu nome haviam sido usados abusivamente para rejeitas forjadas.

Além do farmacêutico, do médico, dos funcionários da Liga dos Combatentes e do Montepio Abrantino, acusados de acederem aos sistemas de receituário das instituições, do proprietário do café e das duas farmácias, foram constituídas arguidas 20 outras pessoas que entraram no esquema fornecendo nomes e números de utentes seus e de familiares para a obtenção das receitas.

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