Em tempos de pandemia, os palcos fecharam as cortinas e os artistas tiveram que encontrar alternativas para manterem a chama da produção artística acesa. Foi o caso de Frederico Corado, encenador profissional e detentor dum largo curriculum no teatro nacional que tem aproveitado os sucessivos confinamentos para escrever e preparar projectos para o futuro. “Há meios alternativos, há possibilidades que se abrem e uma das maiores dificuldades é compreender esses meios e como os usar da melhor maneira”, diz, nesta entrevista ao Correio do Ribatejo. Fascinado “desde o berço” pelo cinema e pelo teatro, Frederico Corado é realizador, encenador, autor, tradutor, cenógrafo e programador. Em 2012 fundou no Cartaxo a Área de Serviço, através da qual tem vindo a desenvolver trabalho cultural e artístico regular.  Realizou mais de duas dezenas de filmes, premiados em vários festivais nacionais e internacionais e encenou dezenas de espectáculos em várias salas do país. ​​Colaborou com Filipe La Féria, Graça Lobo, Maria do Céu Guerra, António Feio, João Pereira Bastos, Francisco Nicholson, entre outros, e fundou no Cartaxo a Área de Serviço – Associação Cultural. Actualmente, é também encenador e director artístico do Grupo de Teatro da Sociedade Recreativa Operária de Santarém.

Que impactos está a ter a pandemia no seu trabalho?

Esta pandemia veio ter um impacto muito forte no meu trabalho sobretudo na sua face mais visível e no lado remunerado do meu trabalho. É claro que parar de trabalhar não paro, continuo a escrever, a preparar projectos para o futuro, etc. Mas tendo em conta que estava com um espectáculo em cena no Casino Lisboa com produção da UAU (“A Peça Que Dá Para o Torto”) que parou em Março do ano passado e que tinha vários projectos em andamento na Área de Serviço aqui no Cartaxo que ficaram todos parados, é um impacto dramático (nos dois sentidos da palavra).

Quais são as maiores dificuldades?

Em primeiro lugar as óbvias de quem está parado há praticamente um ano, depois, no que diz respeito ao trabalho as maiores dificuldades são as de adaptação ao confinamento de quem está habituado a estar sempre em movimento e a criar para o público. Há meios alternativos, há possibilidades que se abrem e uma das maiores dificuldades é compreender esses meios e como os usar da melhor maneira. E depois é começar a pensar em como vai ser o futuro, como vai ser ensaiar com distanciamento social, com máscaras ou como vai ser fazer teatro para um público que preenche uma plateia de forma intermitente e que nunca poderemos ver rir, apenas ouvir por trás das máscaras o que quando se faz comédias é complicado. 

Que projectos foram adiados?

Como disse, “A Peça Que Dá Para o Torto” que estava em cena no Casino Lisboa foi um desses projectos. Tinha estreado há pouco tempo, tivemos de parar e temos estado a fazer todos os esforços para voltar, o que irá acontecer em breve.

Com a Área de Serviço no Cartaxo tínhamos vários projectos entre eles uma versão do “Lugre” de Bernardo Santareno, incluído nas comemorações do seu centenário e uma versão da peça “6 Personagens à Procura de um Autor” de Luigi Pirandello, que chegámos a trabalhar num workshop durante o Verão no Centro Cultural do Cartaxo. Também está em suspenso uma versão da “Sapateira Prodigiosa” de Federico Garcia Lorca que em princípio irá estrear este Verão. 

De que forma tem tentado manter o contacto com o público?

A Área de Serviço mantém o seu contacto com o público através das redes sociais com o facebook e o instagram. Eu, pessoalmente também tenho uma presença nas redes sociais onde vou tentando manter o contacto não com o público, mas com amigos e com quem me segue e vai metendo conversa. Por outro lado, tenho estado a ajudar a Vânia Calado, que criou um projecto chamado Lá Pela Terra que começou num blog e passou agora para um canal de YouTube e aí sim temos uma grande interacção com o público e tem dado um grande prazer.

Por outro lado, tenho tentado disponibilizar um bocado do meu trabalho mais antigo, por exemplo, em Maio, Junho e Julho disponibilizei no YouTube através do canal da Área de Serviço as curtas-metragens “Telefona-me!” e “Monólogo do Rei Vitorioso” e o documentário “Pessoalmente, Maria do Céu Guerra” sobre a actriz.

Sente falta do palco?

Sinto muita falta de trabalhar no teatro, sim. Sinto falta do convívio, da discussão e da troca de ideias, da repetição, da descoberta diária de coisas novas dentro do que é igual todos os dias.

Tenho continuado a criar fora dos palcos, por exemplo, estou a fazer um filme com cerca de 30 pessoas durante este confinamento a quem pedi para que todos os dias me enviassem planos do seu dia a dia. São sobretudo pessoas que fazem parte da Área de Serviço e do Grupo de Teatro Os Cómicos da Sociedade Recreativa Operária de Santarém (com quem também tenho estado a trabalhar) e mais algumas pessoas que convidei para este projecto, mas tudo residentes aqui na zona. Também estou a escrever um livro sobre Revista à Portuguesa e como disse a colaborar com a Vânia no Lá Pela Terra, mas sim, sinto falta de trabalhar no teatro.

Como antevê o pós-pandemia? Os espectáculos on-line vieram para ficar?

Creio que sim. É um meio muito interessante, é uma coisa diferente que permite fazer projectos diferentes. Não acho que vá tirar público ao teatro, assim como não tirou a rádio, o cinema ou a televisão. São coisas distintas, que trazem formas diferentes de trabalhar o meio. Aliás, neste momento, tenho estado a trabalhar num espectáculo produzido entre a Área de Serviço e o teatro de Pontével, o Kaspiadas em que temos precisamente estado a explorar trabalhar um espectáculo on-line (que irá acontecer ainda este mês) e que tem provado que é, de facto, um meio diferente, com exigências diferentes, técnicas diferentes e creio que o público tem espaço para as duas coisas e conseguirá separar uma coisa da outra.

E quanto aos apoios? Existem ou são uma miragem?

Existem sim. São atribuídos todos os anos. Desde sempre que a questão dos apoios é uma luta. Nunca serão suficientes porque somos muitos a precisar de apoio. Neste momento são muito insuficientes, o nosso lugar é lutar para que sejam mais e o lugar de quem os atribui é lutar para que aumentem essa verba. Para mim, a grande questão dos apoios é que sejam atribuídos de forma mais democrática e justa que é algo que acho que neste momento não acontece, aliás creio que não acontece há muito tempo. O teatro popular não é apoiado, o teatro comercial não é apoiado, o teatro com público não é apoiado, o teatro amador não é apoiado, neste momento há uma política de apoio e, na minha opinião, essa política devia ser profundamente revista. O teatro que tem público, por exemplo, devia ser apoiado, como o é noutros países, sendo que parte desse apoio seria devolvido conforme as receitas feitas pelo espectáculo. Nenhuma companhia em Portugal é rica e ninguém tem fundos para criar espectáculos e são necessários. E nenhum espectáculo, nenhuma companhia aos olhos do estado, deve ser melhor ou pior do que outra e essa diferença hoje é, infelizmente, muito marcada. Assim como com o teatro amador (o teatro amador por onde passam todos os futuros profissionais, local de formação essencial) que devia ser apoiado de alguma forma. Mas esta é uma conversa que dá pano para mangas…  

Seria importante a criação, por exemplo, do estatuto de artista que reconhecesse esta categoria profissional e exigisse a devida protecção social?

Não é importante, é essencial. O regresso da carteira profissional, por exemplo, é essencial.

Para além de apoio pecuniário, que outras medidas seriam necessárias para relançar a produção artística?

Como disse, a revisão total dos apoios e da forma como são atribuídos é para mim um ponto fundamental. Não só o valor, mas a forma como se faz. Neste momento além do valor dos apoios é necessário ultrapassar esta fase e é necessário também que a própria área de repense e se una e esta altura tem sido muito boa para isso, estruturas como a acção cooperativista têm ajudado muito na união da classe.

Mas, fundamentalmente, acredito que temos todos que repensar em conjunto as prioridades da produção: o que estamos a fazer, para quem, quem estamos a formar, para que futuro? Não há praticamente apoios para associações, para colectividades, para pequenos projectos, para o interior do país, para grupos de teatros amador e grande parte de quem mais tarde se vem a formar como actor, encenador, figurinista, cenógrafo, técnico, etc, passa por estes espaços, e passa a custo de uns teimosos e de uns carolas que cada vez têm menos resistência. É importante apostar nestes espaços de formação alternativa, de formação por experiência, por tentativa e erro, é uma aprendizagem essencial. 

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