A figura de Salgueiro Maia povoa o imaginário nacional: por direito próprio tornou-se num protagonista incontornável da nossa história colectiva. As imagens que nos surgem de Salgueiro Maia são, geralmente, as do Capitão de Abril, as do homem que, por força de espírito e de convicção, soube elevar ao mais alto grau de excelência a função e dever de um soldado. Homem de sólidos princípios, recusou sempre ultrapassar a função em que se reconhecia. Salgueiro Maia foi o homem que, aos 29 anos, mudou o rosto a um país e deu a liberdade a um povo sem pedir nada em troca. Destacado protagonista da Revolução de Abril, membro do Movimento das Forças Armadas (MFA), Salgueiro Maia comandou a coluna militar que, saindo da Escola Prática de Cavalaria (EPC) de Santarém na madrugada de 25 de Abril de 1974, marchou sobre Lisboa e restituiu a Liberdade a um país cinzento.

Foi herói maior da decisiva vitória dos militares sobre o regime opressor da ditadura, tornando-se o símbolo da revolução. Ocupou o Terreiro do Paço e comandou o cerco ao quartel do Carmo, onde estavam as principais figuras do regime, incluindo Marcello Caetano.

A sua missão no dia 25 de Abril de 1974 foi essencial para o sucesso da revolução, tornando-o um símbolo que para sempre ficou associado a este dia. Na noite marcada, Salgueiro Maia juntou 240 homens da EPC fazendo uma intervenção que ficou célebre, dizendo: “Meus senhores, como todos sabem, há diversas modalidades de Estado. Os estados socialistas, os estados capitalistas e o estado a que chegámos. Ora, nesta noite solene, vamos acabar com o estado a que chegámos!”

Um discurso forte, vibrante, motivador, que poderia ter sido resumido a uma única frase. A tal que Salgueiro Maia também disse. “Há alturas em que é preciso desobedecer!”.

Sem nenhum desistente, a coluna de Santarém viria a cercar os ministérios, no Terreiro do Paço, avançando depois para o Largo do Carmo, onde Marcello Caetano se rendeu.

Foi na chaimite “Bula”, que o Capitão Salgueiro Maia durante as operações militares do dia 25 de Abril de 1974, deu a Portugal a Liberdade e ainda escoltou o chefe de governo cessante até ao aeroporto, a partir de onde Caetano partiu para o Brasil.

Fernando José Salgueiro Maia, aprendeu a guerra para poder construir a paz e muito devem os portugueses à sua coragem, determinação e audácia: nunca aceitou cargos políticos.

Entrou na Academia Militar, em Lisboa, no dia 6 de Outubro de 1964, com 20 anos de idade, quando já estava declarada a guerra nos três cenários coloniais: Angola (1961), Guiné (1963) e Moçambique (1964). Passa para a Escola Prática de Cavalaria (EPC), em Santarém, para continuar a sua formação. Dois anos depois, parte para o norte de Moçambique.

Mas, quando já leva nove meses na que era a sua primeira comissão de serviço, já está consciente da dura realidade. “O ambiente que se vivia em Mueda (noroeste de Moçambique) era inesquecível: a toda a hora do dia chegavam de avião feridos graves ou mortos; as amputações de membros eram diárias, as emboscadas nos itinerários de acesso e os ataques aos aquartelamentos da zona uma constante”, escreveu nas suas memórias, o homem que nasceu em Castelo de Vide na Rua de Santo Amaro, em 1 de Julho de 1944.

Filho de Francisco Maia, ferroviário, e de Francisca Silvéria Salgueiro, recebeu, a 1 de Janeiro de 1947, na Igreja de St.ª Maria da Devesa, freguesia do seu nascimento, o Baptismo, tendo sido padrinhos Ramiro Maia e Maria Bárbara Salgueiro.

Fez a instrução primária em São Torcato, Coruche, e os estudos secundários em Tomar e em Leiria. Fernando Salgueiro Maia seguiu a Carreira Militar, ingressando em Outubro de 1964 na Academia Militar, Lisboa; em 1966 apresenta-se na Escola Prática de Cavalaria, Santarém, para frequentar o tirocínio; é integrado em 1968 na 9ª Companhia de Comandos e parte para o Norte de Moçambique; é promovido em 1970 a capitão; em Julho de 1971 vai para a Guiné; regressa a Portugal em 1973 e é colocado na Escola Prática de Cavalaria, vindo a distinguir-se então na revolução de 25 de Abril de 1974, comandando uma coluna de carros de combate, que partindo de Santarém põe cerco aos ministérios do Terreiro do Paço em Lisboa e ao quartel do Carmo da GNR.

Questionado acerca da Revolução dos Cravos, frisou Salgueiro Maia: “Sabendo que a guerra era injusta e sem solução, o regime, opressivo e sem capacidade de reconversão, as Forças Armadas tinham conseguido o impossível para garantir ao poder a capacidade de diálogo que ele recusava, só restava a sublevação, mesmo sabendo dos riscos que acarretava”.

Ainda participou nas operações do 25 de Novembro de 1975, de “normalização democrática”, às ordens do então Presidente da República, Costa Gomes. Mas após isso seria marginalizado e humilhado pela hierarquia militar. Foi sucessivamente “chutado”, a partir de 1976, para funções burocráticas nos Açores, em Lisboa, no Presídio Militar de Santarém (onde substituiu um sargento-ajudante na chefia de uma secção de presos…) e em Santa Margarida. Durante oito anos não lhe seria permitido regressar à Escola Prática. “Cumpri a pena sem saber por que me condenavam”, disse numa entrevista a Assis Pacheco.

Casado com Maria Natércia da Silva Santos, no dia 23 de Agosto de 1970, na Igreja Paroquial de Minde – Alcanena, para lá da vida militar, Salgueiro Maia era um cidadão que sempre cultivou o gosto pelas Ciências Políticas e Sociais, nas quais teve parte activa.

Isso motivou-o a concluir a licenciatura nesta área, bem como em Ciências Antropológicas e Etnológicas. Atraído pela Cultura e pela História, mormente do seu país, fundou o Museu da Cavalaria, foi membro da Associação Portuguesa dos Amigos dos Castelos, apoiou o restauro do Convento de São Francisco, junto à EPC, e publicou na imprensa militar trabalhos sobre islamismo entre os povos da guiné, poder militar na história da colonização portuguesa no quadro da política internacional, entre outros.

Fernando Salgueiro Maia foi um estudioso profundo de Antropologia, Etnografia e História, colaborando no “jornal do exército” e na Revista “Castelum” da Associação dos Amigos dos Castelos, de que era membro.

No percurso profissional, recusaria fazer parte do Conselho da Revolução, para além de declinar um convite para assumir o cargo de governador civil do seu distrito de Santarém, ser adido militar — oficial com funções diplomáticas com as autoridades de um dado país — na embaixada que pretendesse ou até fazer parte da Casa Militar da Presidência da República, o gabinete de suporte ao também Comandante Supremo das Forças Armadas.

Em 1983, já no grau de major, ao qual subira dois anos antes, receberia a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade, sendo condecorado, de igual modo, com o grau de Grande-Oficial da Antiga e Muito Nobre Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito no ano da sua morte, 1992, e, quinze anos depois, com a Medalha de Ouro da cidade de Santarém. Em 2016, também seria condecorado com a Grã-Cruz do Infante D. Henrique.

A sua vida terminaria em Abril de 1992, no Hospital Militar de Belém, depois de lhe ser diagnosticado um cancro intestinal, pese embora várias cirurgias.

Deixara a sua esposa e amor da sua vida, Natércia, professora que havia conhecido pouco tempo depois de voltar de Moçambique, para além de Catarina e de Filipe, os filhos que foram adoptados pelo casal nos anos de 1985 e de 1988. A sua última patente seria a de tenente-coronel, à qual ascendeu em 1988, embora sempre fosse contra grandes promoções.

Militar de mérito, nele foi reconhecido, após a sua morte, integridade e coragem. Salgueiro Maia, pediu para ser sepultado em Castelo de Vide, terra onde nasceu, no coração do Alentejo, pediu também que lhe dessem uma campa rasa, despojada de brilhos e grandiloquências, numa prova óbvia da noção que tinha da sua finitude e da sua pequenez de mais um homem que palmilhou esta terra, desatendendo totalmente à grandiosidade que o seu povo lhe atribuía.

Grandiosidade de quem, pela honra, coragem e integridade, entregou incondicionalmente a liberdade a um povo.

No epitáfio da sua lápide jaz: “Ao Tenente-Coronel Salgueiro Maia. Conquistador do sonho inconquistado. Havia em ti o herói que não se integra”

Na memória colectiva do povo português, a esse epitáfio acrescenta-se: “Um soldado da liberdade da Pátria, honremo-lo”. A democracia pluralista com que Salgueiro Maia sonhava consolidou-se, ultrapassado o Verão quente de 1975 e com a aprovação da Constituição da República Portuguesa, em 1976, actualmente em vigor.

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