O circo é o ambiente em que toda família se reúne e, de entre todos os artistas, o palhaço nunca passa desapercebido. Enquanto as demais disciplinas circenses são recheadas de adrenalina e mistério, os palhaços fazem a plateia perder o fôlego de rir: são a leveza e a interacção entre artista e público.

Em criança, António Júlio via os palhaços no circo e pensava com os seus botões que, se lá estivesse dentro, conseguia fazer melhor. “Quando ia ao circo a minha loucura eram os palhaços”, confessa.

Mas o seu talento em potência só acabou por despontar muitos anos mais tarde, no início da década de 70, quando, juntamente com Carlos Oliveira (o conhecido Chona, falecido em 2021) formou em Santarém a dupla Pantufa e Farófia. “Eu era o Pantufa”. Era e é. António Júlio, conhecido na cidade (e não só) como o “palhaço Pantufa”, gostaria de ter tido possibilidade de dedicar- se em exclusivo à arte de “dar alegria às crianças”. Mas sem uma outra profissão não conseguiria sobreviver, por isso, foi empregado de escritório e vendedor. Palhaço, só nos tempos livres.

Hoje, mais desafogado de tempo, reúne a paciência (que sempre teve) para dedicar aos mais pequenos. Mesmo sem a caracterização que o transforma no “pobre Pantufa”, as crianças reconhecem-no quando passeia pelas ruas de Santarém. Chamam-no, pedem-lhe beijinhos e autógrafos. Um reconhecimento que, garante, “é melhor do que qualquer ordenado chorudo”.

“Um actor amador ganha quando recebe o aplauso do seu público, um palhaço amador sente-se realizado quando sente a alegria e a ternura das crianças”, sublinha.

A sua dedicação à arte da representação vem de há muito. Iniciou-se com 14 anos (em 1956) no Grupo de Teatro Amador da Juventude Operária Católica (JOC), em Santarém, com o drama “O Ser Humano”.

Entre 1956 e 1966, participou em diversas peças de Teatro, das quais se destacam: O Vizinho de Cima; Os Vizinhos do Rés do Chão; Aqui há Fantasmas; Doidos com Juízo e Os Supersticiosos – Récitas da Escola Industrial e Comercial de Santarém; Autos de Natal (vários), entre outras.

Nessa década profícua e de grande intensidade de palco, participa igualmente em inúmeros Actos de Variedades, como Actor e como apresentador em várias localidades do País e, ainda durante a permanência na JOC, ajudou a animar várias festas de beneficência.

Foi apresentador de espectáculos, encenador, carpinteiro de cena, autor, aderecista e fez teatro Radiofónico com contos tradicionais para crianças e adultos.

Um autêntico homem dos sete ofícios, que se manteve sempre em constante movimento.

Recentemente, no Dia da Cidade, 19 de Março, António Júlio recebeu a Medalha de Mérito do Município de Santarém na área da Cultura: actor e animador sem paralelo, homenageado pela TVI, havia sido, previamente, também condecorado como “Scalabitano Ilustre”, em 1994, fazendo por isso parte do Protocolo Municipal.

Na vida como na arte de representar, António Júlio está sempre ao lado dos que mais necessitam e, nesse sentido, durante vários anos, foi o Pai Natal que animava as ruas da cidade e distribuía prendas, para além de participar numa série de iniciativas que pretendem dar ânimo ou, pelo menos, distrair crianças hospitalizadas, com um pequeno gesto e com a sua capacidade invulgar de “fazer rir”.

O fato que veste, onde predominam o azul celeste e a berrante cor de laranja, são já imagens de marca. As pinturas faciais e a peruca fazem o resto. Pantufa assume-se como um “palhaço pobre” e diz que não podia ser de outra forma.

Não se trata de preconceitos ideológicos, mas garante que não conseguia vestir a pele do chamado palhaço rico. “O Pantufa foi sempre o tipo de palhaço que eu queria. O palhaço rico é mais normal.

Eu gosto de ser mais anormal. Gosto de andar com coisas velhas, roto, todo escavacado. É um sonho de miúdo que foi crescendo”.

E que continua a crescer e a aperfeiçoar-se todos os dias, por muito que se dominem as técnicas ou esteja apurado o espírito de improvisação. Porque fazer rir é muito fácil – “Basta dizer um palavrão”.

Mas divertir sem recorrer a esses subterfúgios não é para todos: “Temos que fazer sair cá para fora o que a gente sente, mas com muito cuidado na linguagem”. Até porque do outro lado estão crianças.

Natural da Gouxaria, Alcanena, onde nasceu a 25 de Março de 1942, do seu vasto currículo consta um primeiro prémio no Festival Mundial de Arte, Música, Dança e Teatro em Nova Iorque em 1980, uma distinção que muito o orgulha.

Mesmo em tempos de Guerra, nunca perdeu a serenidade que o caracteriza e a compaixão que transmite no seu olhar de infinito azul: em 1961, foi mobilizado para a então Província Ultramarina da Guiné, actual Guiné Bissau, onde organizou e actuou em 14 espectáculos de Teatro com Variedades para os militares e população civil.

No Teatro de Bissau, fez parte do espectáculo declamando poesia, na estreia do conjunto musical de um dos irmãos Conchas: devido a esta actividade realizada durante a Guerra, recebeu um louvor dado pelo Comandante do Batalhão, tendo-lhe sido concedida a medalha comemorativa das campanhas da Guiné, com legenda /1963/64/65 (OS n° 6 de 10/2/66 do CTIG):

“Louvado pelo Exmo. Comandante do Batalhão de Caçadores n° 619, pela grande dedicação e entusiasmo que pôs sempre nos serviços que tem desempenhado nesta Unidade. Salienta-se o trabalho eficiente que levou a efeito na preparação de grupos de variedades actuando também como excelente figurante, grupos esses que realizaram vários espectáculos e que proporcionaram sem dúvida a toda a tropa momentos de muito agrado e mereceram palavras de elogio e apreço. O 1° Cabo Santos, é, pois, digno de maior admiração e estima de todo o pessoal do Batalhão e como tal é com justiça que mando publicar este louvor que muito merece”, pode ler-se no documento.

Em 1966, termina o Serviço Militar com primeira classe de comportamento e, dois anos mais tarde, em 1968 fez parte do Grupo de Teatro “Ribalta”, do Grupo de Futebol dos Empregados de Comércio (Caixeiros) onde permaneceu cerca de um ano.

Em 1969, foi co-fundador da Secção de Teatro do Círculo Cultural Scalabitano, que em 1973 passou a denominar-se de Veto Teatro Oficina, onde permanece até hoje.

Já actuou em vários países, entre os quais se contam Guiné Bissau, Espanha, França, Inglaterra, República Checa, Finlândia, Brasil e Estados Unidos da América, tendo participado em vários programas de televisão, entre outros destacam-se, TV Palco, A Festa é Nossa, Jogos de Verão (1989), Série “Os Solteiros”, Apanhados, Anedotas.

Artista multifacetado, acarinhado por todos, António Júlio já há muito atingiu o merecido lugar de ícone da cidade de Santarém e conquistou várias gerações e um lugar especial no coração das crianças.

“Por detrás da máscara de palhaço, está um ser humano que tem momentos de tristeza, que tem problemas, que tem doenças, que tem dores, porém, algo mágico acontece quando colocamos o nariz de palhaço e incorporamos o personagem. Esquecemos as dores, e lá vamos nós transformar vidas e distribuir sorrisos”, descreve.

António Júlio revê-se na frase de Henry Miller, que diz que “um palhaço é um poeta em acção”, tanto que, na sua perspectiva, o palhaço não interpreta, ele simplesmente é.

“Ele não é um personagem, ele é o próprio actor, expondo-se, mostrando como ele é, genuinamente. Cada palhaço tem o seu universo”, conclui.

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