Estava eu a lembrar (no anterior Ponto final) a importância de preservar a componente tradicional da nossa gastronomia, a tal, que absorvemos nas histórias que nos são contadas em cada garfada, sobretudo pelos mais velhos, à boca de um forno a lenha, ou numa qualquer roda de amigos…
Na verdade, sou daqueles – e somos muitos – que sempre entendeu a gastronomia como um acto cultural, o que vai muito além da necessidade fisiológica de comer para sobreviver.
Nos corredores do “Festival dos festivais” há ainda felizes sobreviventes dessa cozinha que é tacho, conversa e tradição. Prazeres onde efectivamente me perco e que vou buscar aos saberes e sabores de um ‘Lampião’ de Évora que há mais de 20 anos acompanhamos em Santarém, ao ‘Flôr’ de Gouveia, ao ‘Estelas’ de Peniche, ao ‘Académico’ de Bragança, ao ‘Torres’ de Vila Verde… Ilustres representantes dessa comida que é ao mesmo tempo companhia e contentamento, e que nos sacia a fome que sempre surge de nos encontrarmos com os outros e com nós próprios quando provamos o que Portugal tem de mais genuíno, essa sabedoria que corre de boca em boca e que teima em resistir à ‘alta costura’ culinária dos grandes chefs, que são grandes mesmo, não discuto.
Vivem-se tempos preocupantes no que à alimentação diz respeito. Há meia dúzia de dias assinalou-se o ‘Dia Mundial do Insecto Comestível’. Isso mesmo. Não é piada, é mesmo verdade e vem sublinhar os alertas sobre a necessidade de alimentar todas as bocas de uma barriga planetária que aumenta a cada segundo que passa.
Recorde-se que o consumo humano de insectos comestíveis foi recomendado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), em particular devido ao facto de ser uma fonte de proteína com uma produção ecologicamente mais sustentável. A premissa pegou e, pelos vistos, já chegou à cantina da Universidade de Coimbra, onde ainda não se comem insectos (que eu saiba) mas já não se come carne de vaca.
Portanto, caros amigos, não se admirem que daqui a uns anos seja um luxo termos pela frente uma inigualável ‘Posta Mirandesa’, substituída por uns arrepiantes gafanhotos que, dizem-nos, podem muito bem ser a farinha do nosso pão, num futuro mais breve do que se pensa.
A Associação de Produtores de Insectos assegura mesmo que “uma barra de cereais ou uma bolacha aditivada com insectos” poderá servir de alimento aos humanos nos próximos tempos.
E o que é que tudo isto tem a ver com o ‘Festival dos festivais’? Por agora nada, mas quando se fala de comidas está cada vez mais difícil prever o futuro…
João Paulo Narciso