Tem acompanhado a evolução do Festival Nacional de Gastronomia ao longo dos anos, ainda como presidente de outras regiões. Qual é a sua leitura da evolução que o Festival tem vindo a registar?
Os tempos mudaram. Hoje, temos um consumidor diferente. A Gastronomia, como produto, estava a dar os primeiros passos quando se iniciou o festival, há 39 anos. Hoje, com o surgimento de uma nova geração de chefs, são várias as iniciativas que se realizam um pouco por todo o país. E este ‘fenómeno’ começou a ser global. Mas o Festival Nacional de Gastronomia (FNG) continua a ser uma marca de Santarém. E o FNG, que tem na sua essência, a defesa da gastronomia mais tradicional e típica que se promove em Portugal, que é o grande Festival Nacional, e o único com essa designação e esse desidrato teve de evoluir sem perder as suas raízes. Portanto, houve essa preocupação por parte da Câmara Municipal e da empresa Viver Santarém que eu, não só subscrevo como elogio, no sentido de dar aqui alguma contemporaneidade sem esquecer aquilo que é o essencial, o típico e o tradicional.
Tem dito repetidamente que os eventos são essenciais para estimular o Turismo. Na sua opinião, o Festival tem a capacidade de alavancar o sector em Santarém?
Não tenho dúvidas. Este evento é uma marca perfeitamente cimentada, já a caminho dos 40 anos. Trata-se, de facto, de uma das marcas mais fortes em Portugal ao nível dos eventos. Claramente é uma iniciativa que atrai e fixa turistas e tem um factor de proximidade muito grande, atendendo à proximidade da área metropolitana de Lisboa. E não só turistas, mas também centenas de visitantes. Muitos acabam por, independentemente de irem ao festival ou não, ir a restaurantes em Santarém, irem procurar os enoturismos, os produtos endógenos, ou o comércio tradicional. É sempre um evento que acaba por capitalizar do ponto de vista da atractividade do concelho.
Pessoalmente, é adepto de uma cozinha mais tradicional ou aprecia as novas tendências da cozinha de autor? Há espaço para isso tudo dentro do FNG?
Eu confesso que, nessa matéria, sou um conservador. Ou seja: dou muito valor às questões identitárias, mais genuínas, presentes na cozinha mais tradicional. Mas isso não quer dizer que não haja hoje excelente cozinha de autor e excelentes chefs que, de facto, têm cimentado a sua intervenção nessa área. Em termos da Entidade de Turismo, aí, obviamente, há espaço para todo o tipo de iniciativas, para promover ambas as cozinhas. O turista, hoje, é um consumidor mais jovem e com poder de compra que procura novas experiências. É para esse mercado novo que temos também de trabalhar.
Do seu ponto de vista, o FNG tem mais capacidade para atrair publico desde que introduziu esta componente?
Isso é evidente. Quanto mais segmentos de oferta houver, mais público teremos. O público hoje é multifacetado, com um tipo de visitante e turista que ainda quer o prato mais tradicional e de acordo com aquilo que é mais genuíno da nossa gastronomia típica, e há público que quer novas formas de consumo e experimentar novos conceitos e experiências gastronómicas. E um evento destes tem esta capacidade de trabalhar para estes diversos públicos, para além de ter a capacidade de fazer surgir novos valores da gastronomia.
Iniciou-se o processo de certificação de restaurantes na região. Como está o processo e como é que esses selos de qualidade pesam na decisão de um turista escolher visitar uma dada região?
A certificação é hoje muito importante. Aliás, essa certificação não está a acontecer apenas na restauração. Estamos a trabalhar no alojamento, dando início à certificação do turismo em espaço rural. Portanto, tudo o que é certificado, tudo o que é qualificado, tem uma maior capacidade de atracção. Nos restaurantes, em particular, o facto de eles trabalharem produtos mais típicos, mais tradicionais, nas suas ementas é algo valorizado.
Também ao nível promocional estamos a intensificar o nosso trabalho: os guias de restaurantes certificados têm uma forte divulgação nas livrarias, no digital. Muitas pessoas gostam de um bom guia e que acabam por procurar a restauração baseando-se, precisamente, nesse guia. O turista, hoje, o que procura é cada vez mais locais com características identitárias fortes. Ou seja: actualmente, com a disponibilidade de informação que existe, e facilidade no seu acesso, faz com que se assista a um fenómeno de ‘spam intelectual’. Ou seja: recebe tanta informação digital que nem sequer a vê. Por isso, se a informação tiver o peso dessa certificação e dessa qualidade será aquela que vai ter mais relevo e cada vez mais importância no futuro.
Em concreto, que projectos é que a ERTAR está a desenvolver neste momento para potenciar o turismo na região?
São inúmeras, deste a questão da certificação do turismo em espaço rural, que vai ter início neste momento, até à questão da identidade, em que estamos a avançar de uma forma muito forte com a questão da candidatura do montado a património imaterial da humanidade, que vai acabar por abranger todo o Ribatejo. Vai ser um trabalho imenso nessa área. Depois, estamos a estruturar as rotas do imaterial, do barroco, entre outras, e todas elas estão também na Lezíria. São rotas de três a cinco dias. Em Turismo, o mais importante é o turista, que hoje quer qualidade e excelência. O turista é hoje mais culto e exigente e também mais informado em relação aos destinos que escolhe visitar, pelo que esses mesmos destinos têm que se preparar e ser excelentes para conseguirem estar ao nível das expectativas.
O perfil do turista mudou e, por isso, temos de adaptar, qualificar e trabalhar a oferta no sentido de responder a isto. Estamos a perspectivar para o futuro também em termos de rotas de touring cultural e paisagístico que também passam pela lezíria. Lançámos recentemente os caminhos de Santiago no Alentejo e Ribatejo, o guia de enoturismo, a rede de autocaravanismo, projectos na área do walking, com os seus percursos que vamos lançar este mês. No cycling, com o centro de BTT em Coruche e na Chamusca mas também uma rede que percorre todo o território.
Ou seja: há aqui um conjunto de polos muito relevantes e interessantes que começamos a trabalhar para além de outros transversais, como a certificação, o Ribatejo 4.0, as Redes de Oferta, com ênfase no turismo equestre.
Na questão do turismo literário, lançado recentemente, cuja expressão máxima é José Saramago mas que terá a criação de centros de autor e de interpretação. Isto envolve praticamente todos os concelhos da Lezíria. Toda uma panóplia de intervenções que estamos a fazer, também a edição de novo material promocional que está a ser produzido, como o novo site que estará concluído até ao final do ano, assim como folhetos e mapas concelhios.
São mais de 30 actividades diversas nessas áreas que estão a ser realizadas. Estamos a avançar com o plano de estratégico até 2027 com forte participação da Lezíria.
Tem referido que esta região é repleta de potencialidades a nível do turismo. Quais as carências identificadas e o que precisa de ser trabalhado?
Uma das carências era, claramente, a falta de produto turístico, e isso está a ser colmatado com esta estruturação. O recurso estava aí, mas era importante transformá-lo em produto turístico.
Depois, claramente – como digo sempre aos meus alunos – uma região para ser dinâmica tem que ser atractiva, tem que criar produto, tem que levar a que os turistas tenham vontade de ir àquela região. Depois, se os turistas forem, aparecem os investidores. Há uma lacuna, de facto, em termos de alojamento mas essa realidade começa agora a ser transformada. Começam a aparecer investimentos nesta área. Há muitos projectos que estão estruturados. Também as unidades que existem têm procurado qualificar-se e ter, de facto, uma melhoria, mas só há turismo com alojamento. E a questão de podermos crescer mais em qualidade e com mais unidades de topo será fundamental para as dinâmicas turísticas deste território.