O Convento de São Francisco, em Santarém, acolheu na sexta-feira, dia 18 de Junho, pelas 18h00, o lançamento do livro “Santarém: Arte, História e Património”.
A obra, com coordenação geral de Maria Emília Vaz Pacheco, e que conta com o contributo de mais de 20 autores, foi solicitada pelo Município de Santarém, com o objectivo de dar a conhecer o património artístico, arquitectónico e natural da cidade. Publicada pela editora Caleidoscópio, o livro apresenta na capa um pormenor de uma vista inédita de Santarém, que merece reprodução integral e um estudo no corpo do livro. A este propósito, o Correio do Ribatejo, esteve à conversa com Maria Emília Vaz Pacheco que nos faz o enquadramento desta obra que resultou de um “trabalho árduo, mas aliciante, inesgotável e gerador de uma imensa responsabilidade perante a consciência da enorme riqueza do património artístico, histórico-cultural, religioso e natural que o Concelho detém”
.

De que trata a sua mais recente obra?
O livro «Santarém – Arte, História e Património», com apresentação no dia 18 pelo Professor Doutor Vítor Serrão, também ele um dos Autores, e cuja capa apresenta um pormenor de ‘Uma Vista Inédita de Santarém’, integralmente reproduzida no interior da obra e acompanhada por um estudo, é uma edição que resulta de parceria entre a Editora Caleidoscópio e a Câmara Municipal de Santarém, tendo tido o apoio institucional do Museu Diocesano de Santarém.
É uma publicação de 500 páginas, nascida de um desafio conjunto lançado ao Senhor Presidente da Câmara Municipal de Santarém pelo Editor Doutor Jorge Ferreira, pelo Professor Doutor Vítor Serrão, que também acompanharia depois a preparação da edição, e por mim própria, assim se almejando contribuir para colmatar algumas lacunas existentes ao nível de estudos abrangentes sobre o Concelho de Santarém, aproveitando-se também a oportunidade da existência de uma linha editorial, específica, da Caleidoscópio – editora prestigiada e com a qual há muito colaboram Académicos e Autores do maior reconhecimento a nível nacional e internacional – direccionada para investigações de carácter científico incidentes sobre os territórios concelhios.
De louvar a atitude do Dr. Ricardo Gonçalves, não só por ter aceitado esse desafio embrionário, mas também pela confiança com que acompanhou o desenvolvimento do projecto, iniciado no último trimestre de 2018. De salientar ainda a sua anuência à proposta, da minha iniciativa – dado eu ser Consultora do Museu Diocesano de Santarém e acreditar na oportunidade de ser dada visibilidade ao vasto património religioso aí salvaguardado e associado à Diocese de Santarém –, para que se envolvesse o Museu Diocesano enquanto base para centralização no desenvolvimento de contactos. Ao Director dessa instituição religiosa, Reverendo Padre Joaquim Ganhão, cumpre agradecer por ter acolhido a proposta.
Com Coordenação Geral de Maria Emília Vaz Pacheco e de Eva Raquel Neves, tendo pois a primeira assumido a responsabilidade de Coordenadora Principal e também de Coordenadora Editorial conjuntamente com o Editor Jorge Ferreira, é uma obra de abordagem multidisciplinar, cujos textos são de 24 Autores convidados, Especialistas e Estudiosos de mérito reconhecido nas respectivas áreas: Alberto Guerreiro; Alexandre Nobre Pais; Ana Duarte Rodrigues; Carla Queirós; Carla Varela Fernandes; Carlos Batata; Eva Raquel Neves; Francisco Queiroz; Hélder Carita; Ignacio García-Pereda; Joana Antunes; João Vieira Caldas; José Manuel Fernandes; Ludgero Mendes; Luís Mata; Maria de Jesus Fernandes; Maria Emília Vaz Pacheco; Mário Tropa; Miguel Metelo de Seixas; Olímpio Martins; Sandra Costa Saldanha; Teresa da Fonseca Rosa; Vítor Serrão.
De relevante importância para a História de Santarém e do nosso País, a tão ambicionada publicação do Documento Histórico atribuído a finais do Século XVII, “Uma Vista Inédita de Santarém”, só foi possível graças à generosidade na autorização de publicação por parte de Coleccionadores, Livreiros Antiquários e Leiloeiros privados, com enquadramento nas relações de amizade existentes com o Editor. Santarém ficar-lhes-á para sempre grata.
O design gráfico, extraordinariamente apelativo, é de Fernanda Cavalheiro. As imagens inseridas foram registadas não só pelo Fotógrafo Profissional Miguel Cardoso, mas também pelos Fotógrafos Amadores António Monteiro, cujo apoio e disponibilidade foram constantes, Carlos Marecos Duarte e Carlos Quintino, e ainda por João Ventura e por Joaquim Baeta, sendo também de realçar o precioso contributo dos Autores que, preferindo as suas imagens, as cederam, por as considerarem de leitura mais adequada aos seus discursos.
Fundamentais na cedência de imagens foram igualmente os Coleccionadores Dr. Joaquim Martinho da Silva, Dr. Pedro Canavarro e Eng. Luís Filipe Veiga.
Viabilizando a edição, será de registar o envolvimento de diversas instituições e entidades, públicas, privadas e religiosas, de âmbito nacional e regional, mencionadas numa vasta lista de “Agradecimentos” que consta no final da publicação.
Trabalho árduo, mas aliciante, inesgotável e gerador de uma imensa responsabilidade perante a consciência da enorme riqueza do património artístico, histórico-cultural, religioso e natural que o Concelho detém.

Como está estruturado este trabalho?
Para além da “Nota de Abertura” do Presidente da Câmara Municipal de Santarém, da “Apresentação” assinada pelo Director do Museu Diocesano de Santarém, Padre Joaquim Ganhão, e pela Conservadora Eva Neves, da “Introdução” e de um estudo sobre “Uma Vista Inédita de Santarém”, estes dois últimos textos da minha autoria, e de uma “Nota do Editor”, o livro está dividido em seis partes:
A 1ª. Parte respeita à Contextualização Histórica, abordando a Arqueologia e a História de Concelho de Santarém;
A 2ª. Parte, incidente sobre o domínio da Arquitectura, integra a arquitectura religiosa, senhorial, erudita, vernácula ou popular, e a arquitectura do ferro.
O Património Móvel e Integrado constitui a 3ª. Parte, abarcando um vasto conjunto de capítulos reportados à Arte da Pintura durante a Idade Moderna (Séculos XV- XVIII), Azulejaria, Talha e Retabulística, Escultura Religiosa e outros objectos devocionais, Tumulária, Heráldica e Património Cemiterial.
A 4ª. Parte inclui a Arte na Contemporaneidade, abrangendo quer a Pintura Contemporânea produzida por pintores de âmbito regional e nacional, em torno do “motivo” Santarém, quer as iniciativas artísticas da Contemporaneidade aí manifestadas, convocando-se instituições culturais e eventos artísticos.
O Património Paisagístico, nas vertentes da paisagem cultivada ou intervencionada pelo homem, e da paisagem natural, representa a 5ª. parte do livro, envolvendo aspectos como o território vinícola característico do Concelho, nas suas diferentes referências de carácter geográfico, climático e histórico, e ainda o solo, qualidades e castas de vinhos, os temas dos olivais, cereais e economia florestal do Concelho. Outras matérias versadas são a paisagem tejana, os jardins, públicos e privados, e ainda a paisagem natural, o património geológico e cultural do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros.
A 6ª. Parte versa o Património Imaterial e Outros Contextos Patrimoniais, com reporte aos temas da memória do Ensino dos Jesuítas e o Colégio de Nossa Senhora da Conceição de Santarém, e um estudo sobre lendas, tradições e costumes existentes no Concelho.
O livro inclui ainda Notas Curriculares dos Autores e um útil Índice Remissivo, o que em muito contribui para valorizar a obra.

De onde vem a sua paixão pela historiografia?
Na formação de qualquer pessoa há sempre que atender a circunstâncias diversas – o homem é ele e a sua circunstância, lembra José Ortega y Gasset –, e foi na fase adiantada da adolescência e do início da juventude, afinal tempo de estruturação da identidade, quando questionava ideias e condutas sociais tradicionalmente impostas, e buscava então o meu próprio território de segurança, que tive a sorte de ter tido uma Professora que me cativou para o gosto da História e das Humanidades, e a cuja orientação pedagógica e reflexões filosóficas em grande parte devo o meu percurso de vida: Mariana Ginestal Machado. Mais tarde, no domínio da História e na Especialidade de História da Arte, outros Professores com quem cedo me identifiquei consolidaram esses princípios de recompensa intelectual, incentivando a produção e publicação de carácter científico. Permito-me distinguir Álvaro Simões, José-Augusto França e Vítor Serrão, com quem aprendi que “métier” na área da História e da Cultura não é adereço, antes significa muito trabalho, em permanente actualização teórico-metodológica, seriedade, debate entre pares, flexibilidade, inter e transdisciplinaridade, respeito por fontes, obras e estudos.

Qual é, no seu entender, o papel do historiador na actualidade?
Sendo a História uma Disciplina em permanente construção, testemunho da consciência de um tempo e também conhecimento crítico acerca do passado, tal como qualquer outra Ciência, assenta mais na interrogação do que na preocupação em defender soluções com carácter definitivo e que o tempo poderá desactualizar. O Historiador, no sentido em que é investigador e produtor de conhecimento, é Cientista Social, dele se exigindo o respeito pelo princípio da responsabilidade (Hans Jonas), a par de humildade intelectual, tanto na abordagem crítica das fontes, como no questionamento da obra ou do objecto histórico em presença. Daí que as suas ferramentas de trabalho devam estar constantemente em actualização, suscitando-lhe olhares renovados – os quais devem chegar ao cidadão interessado de forma edificante e acessível – preterindo sentimentos de arrogância e treinando a consciência crítica que sustenta a interrogação e o saber reflectido.
Exactamente porque vivemos tempos conturbados e porque assistimos ao avanço desinformado dos extremismos, e ainda que sofrendo o impacto de tentativas de apagamento político e ideológico da Memória, o Historiador de hoje deverá ser referência de conhecimento informado e actualizado, de tolerância e de coerência de pensamento, para além de evidência no respeito pelo ‘Outro’ e pela propriedade intelectual. Mas esse desiderato não poderá ser alcançado sem a valorização séria e responsável dos diferentes níveis de Ensino, paralelamente com a construção de uma sociedade mais justa, igualitária e respeitadora dos valores do Humanismo.

O património do concelho merece, na sua opinião, um olhar mais cuidado por parte dos detentores do poder público?
Considerando a sua vastidão, singularidade e diversificação, é obrigação de todos os cidadãos, e não só dos poderes públicos, promover a defesa da autenticidade na salvaguarda e na reabilitação do Património, a par da sustentabilidade no Turismo, que se deseja regrado e, como tal, também factor gerador de riqueza e de qualidade de vida e de sentimento de partilha identitária colectiva.

Faz falta um museu em santarém?
Para além do Museu Diocesano de Santarém e da Casa-Museu Passos Canavarro, o Museu Municipal de Santarém – nos seus quatro núcleos, S. João de Alporão (agora na primeira fase de recuperação), Núcleo do Tempo/Torre das Cabaças, Casa-Museu Anselmo Braamcamp Freire e Reserva Municipal -, embora mutilado na sua unidade pela venda da Casa do Relojoeiro, existe e é evidente prestígio para Santarém a sua continuidade. Basta verificar solicitações interessadas em aceder aos espaços, pelo que se espera a sua rápida e condigna revitalização, como Santarém bem merece. Ainda muito recentemente o Senhor Presidente da Câmara mostrou, através da aquisição do importante espólio de Herculano, que tem sensibilidade para a área do Património e da Cultura em geral. O projecto de um Museu vocacionado para a memória do 25 de Abril e de Salgueiro Maia também faz todo o sentido para Santarém.

Concorda com a frase de Emília Viotti da Costa: “um povo sem memória é um povo sem história. E um povo sem história está fadado a cometer, no presente e no futuro, os mesmos erros do passado”?
A História não se pode apagar, a Memória assume-se e interioriza-se como conhecimento adquirido para compreender o presente que se vive e poder prevenir o futuro. É através desse legado humanista, que é a Memória, que se poderá evitar a destruição da Humanidade e dos bens culturais, tal como prevenir purgas, livricídios e retomas do bibliocausto nazi.

Maria Emília Vaz Pacheco é doutorada em História, na especialidade de História da Arte (FLUL), mestre em História da Arte (FCSH/NOVA) e licenciada em História (FLUL). É também consultora do Museu Diocesano de Santarém.
Professora de História, História da Arte, História e Cultura Portuguesa e Património, foi coordenadora de diversos cursos na área do Turismo, na Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa – Núcleo de Santarém – e no Ensino Superior Privado, onde participou na organização de alguns encontros científicos.
Tem orientado acções de formação para Guias e para responsáveis camarários na área da Cultura e Património e colaborou com a Universidade do Minho, por convite para orientar Seminário no domínio do Auto-Retrato Contemporâneo em Portugal.
Tem participado em encontros científicos, congressos e colóquios.
Foi presidente da Direcção da Associação de Estudo e Defesa do Património Histórico-Cultural de Santarém, 1994-2007, e coordenadora nacional do Projecto Europeu A Escola Adopta um Monumento, 1994-1998.
É autora de diversos artigos e publicações, assim como de diversos catálogos de pintura, de monografias de pintores locais, de roteiros turísticos e de cerca de uma centena de títulos diversos, publicados na imprensa regional sobre História, História da Arte, Património, Turismo, História Local e Cultura.
Recebeu a distinção de Louvor Público, atribuída pela Associação Portuguesa dos Municípios com Centro Histórico, no âmbito das Comemorações do Dia Nacional dos Centros Históricos Portugueses, 2013.

Leia também...

“No Reino Unido consegui em três anos o que não consegui em Portugal em 20”

João Hipólito é enfermeiro há quase três décadas, duas delas foram passadas…

O amargo Verão dos nossos amigos de quatro patas

Com a chegada do Verão, os corações humanos aquecem com a promessa…

O Homem antes do Herói: “uma pessoa alegre, bem-disposta, franca e com um enorme sentido de humor”

Natércia recorda Fernando Salgueiro Maia.

“É suposto querermos voltar para Portugal para vivermos assim?”

Nídia Pereira, 27 anos, natural de Alpiarça, é designer gráfica há seis…