No dia em que o Mundo se despediu dos Jogos Olímpicos de Paris 2024, Portugal perdeu uma figura de proa do Desporto e, em particular, do Olimpismo. José Manuel Constantino, presidente do Comité Olímpico de Portugal (COP), faleceu domingo, em Lisboa, aos 74 anos, vítima de doença prolongada.
Nascido em Santarém a 21 de Maio de 1950, José Manuel Constantino licenciou-se em Educação Física na Universidade Técnica de Lisboa e exerceu actividade como professor do ensino básico entre 1973 e 1982. Foi ainda professor convidado em várias universidades portuguesas, incluindo a universidade de Évora (2006), a Universidade Lusófona (1994-2002) e a Universidade do Porto (1991-1995).
Foi, em 1993, membro fundador da revista “Horizonte – Revista de Educação Física e Desporto”, à data um projeto singular em Portugal. É responsável pela autoria de 12 livros, co-autor de outros 17 e coordenador editorial de 14 publicações, tendo proferido ao longo da sua carreira 221 conferências, comunicações e discursos sobre desporto, em Portugal e no estrangeiro.
Desde 2013 que exercia as funções de Presidente do Comité Olímpico de Portugal, tendo anteriormente assumido a presidência de outras importantes instituições do desporto nacional, nomeadamente a Confederação do Desporto de Portugal (2000-2002), o Instituto do Desporto de Portugal (2002-2005), o Conselho Nacional Antidopagem (2002-2005), o Conselho Nacional contra a Violência no Desporto (2002-2005) e a Comissão de Coordenação Nacional do Ano Europeu de Educação pelo Desporto (2003-2004).
Enquanto Presidente do COP, José Manuel Constantino liderou as duas melhores representações de sempre de Portugal, a última das quais nos Jogos Olímpicos em Paris.
O pensador do desporto que inspirou gerações de atletas
José Manuel Constantino ofereceu pensamento e espírito combativo na presidência do Comité Olímpico de Portugal (COP), inspirando gerações de atletas a fortalecerem o nível desportivo do país.
Homem inspirador para todos os que com ele privaram, com profundo sentido de missão – ‘esperou’ pelo fim da mais bem-sucedida participação de sempre em Jogos Olímpicos para ‘partir’ -, e um brilhantismo intelectual inegável, batalhou contra a doença sem nunca se render, recusando-se a parar mesmo nos momentos mais difíceis (e foram vários).
Nos sucessivos internamentos, manteve-se sempre atento, participativo, na defesa do desporto, a sua grande paixão.
Eleito como sucessor de Vicente Moura em março de 2013, então com 62 anos, o antigo líder do Instituto de Desporto de Portugal, que viria a anteceder o Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ), e da Confederação de Desporto de Portugal (CDP) estava prestes a finalizar o terceiro e último mandato no organismo, no qual alcançou o auge de quatro décadas como dirigente e testemunhou as melhores Missões nacionais em Jogos.
Primeiro licenciado em Educação Física (1975) a liderar o COP, Constantino era um dos grandes pensadores do desporto no país, editando mesmo livros e artigos sobre o tema, intercalados com experiências na docência básica e universitária e em funções directivas.
O seu primeiro projecto de âmbito nacional chegou em 2000, ao assumir a presidência da CDP, após uma passagem como assessor pela Federação Portuguesa de Halterofilismo (1986-1990), que precedeu a estreia como secretário técnico do Algés e Dafundo (1985).
A transição para a chefia do IDP dois anos depois pontuou uma carreira em permanente ascensão, que passou pela administração pública e pela esfera autárquica a caminho da missão charneira, a de governar os destinos da entidade máxima do desporto português.
Preocupado em valorizar socialmente o sector como um desígnio nacional e intensificar a capacidade organizativa das federações, Constantino fez do COP um ponto de equilíbrio entre sucessivos Governos e um movimento desportivo com progressivas melhorias de competitividade, conservando uma franqueza desarmante nessas relações institucionais.
Com sensibilidade no trato humano, lançou as bases para a emancipação de uma nova fornada de atletas, com os quais estabeleceu uma relação de proximidade, tal como foi visível na recepção da Missão nacional a Paris2024 no Palácio de Belém, em 08 de Julho.
Vários deles quiseram tirar fotos ao seu lado, sendo até mais solicitado do que o próprio Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, numa altura em que lutava contra a doença que o vitimou, mas sem nunca desistir perante vários momentos de adversidade.
Apesar de sucessivos internamentos, manteve-se atento e participativo na defesa da sua paixão de sempre, com a qual tentou ‘acertar’ contas com o passado e até com o futuro nos derradeiros meses à frente do COP, ao pedir mais apoio financeiro e atenção para o sector, por entre críticas à ausência de cultura desportiva do Governo e da sociedade civil.
Como defendeu quando recebeu o título de Doutor ‘Honoris Causa’ pela Universidade de Lisboa, o desporto enfrenta “um futuro com elevado grau de complexidade”, pontificando desafios como a demografia e “o défice de dados, informação e investigação actualizada”.
“Os problemas de literacia motora e desportiva, expressos na situação nacional, expõem uma necessidade de construir uma matriz conceptual para o desporto em Portugal. Um desporto [que possa ser] entendido como um bem público, cujos enormes benefícios se estendem bem para além do indivíduo que pratica”, disse então, em Novembro de 2023.
Nascido em Santarém em 21 de Maio de 1950, José Manuel Constantino fez coincidir o sonho de uma vida com os melhores anos do desporto olímpico luso, vertidos na conquista de nove medalhas desde o Rio2016, primeiro de três Jogos vividos na presidência do COP.
Os inéditos quatro pódios alcançados em Tóquio2020 – numa edição realizada em 2021, devido à pandemia de covid-19 -, seriam repetidos em Paris2024, mas com ‘cores’ mais importantes, rumo à mais proveitosa das 26 participações nacionais no principal evento multidesportivo planetário, horas antes da morte de um dos seus reputados pensadores.
Elevar a fasquia do desporto nacional
José Manuel Constantino foi homenageado pelo Correio do Ribatejo em 2022, aquando da celebração dos 131 anos desta publicação. Na altura, José Manuel Constantino acabava de ser reeleito para um terceiro mandato na presidência do Comité Olímpico de Portugal (COP) e assumia como principal desafio o de superar, em Paris2024, o melhor desempenho olímpico luso até então, em Tóquio2020, o que veio a acontecer.
“Há que reconhecer que o desporto tem uma importância social que vai muito para além do seu efeito de natureza estritamente desportiva. Do ponto de vista económico, da saúde publica, da educação, da integração, há um conjunto de valores que o desporto comporta e que estão para além daquilo que ele custa. A sua valorização é absolutamente essencial no âmbito da agenda política para que lhe possam ser dadas as devidas atenções, meios e apoios para que a capacidade de resposta do sistema desportivo, que assenta nos clubes, associações, entre outros organismos, possa ser mais sólida, mais consistente, e possamos ter ganhos de competitividade sempre que ombreamos com outras nações de forma a que possamos ser um país mais competitivo”, assumiu ao Correio do Ribatejo.
Questionado sobre o panorama do desporto de alta competição no País, José Manuel Constantino reconheceu um longo caminho já percorrido, mas, disse, falta fazer muito mais: “temos hoje um plano completamente diferente daquele que tínhamos relativamente há 10 ou 20 anos atrás, em que os sinais que o sistema desportivo apresenta, ao nível dos atletas, das participações desportivas no contexto desportivo internacional, evoluiu de forma significativa. Mas temos outro plano de análise que é a avaliação de Portugal no contexto das outras nações, quer no espaço europeu quer em termos internacionais. Aí, pese embora a circunstância de termos evoluído, não conseguimos superar as distâncias que temos dos países com indicadores de desenvolvimento desportivo mais significativo. Nesse quadro, estamos significativamente atrasados”, analisou.
“Aquilo que percorremos foi importante, permitiu que evoluíssemos, mas a nossa evolução não foi no sentido de podermos atenuar as disparidades que temos para a generalidade dos países europeus”, acrescentou ainda ao Correio do Ribatejo.
José Manuel Constantino foi eleito pela primeira vez presidente do COP em 26 de Março de 2013, sucedendo a Vicente Moura, ao conquistar 92 votos face aos 67 do rival Marques da Silva, e reeleito em 23 de Fevereiro de 2017, com 144, num acto em que era o único candidato. Assumiu o cargo novamente em Março de 2022.
Mas o vínculo de José Manuel Constantino ao mundo do desporto, tinha começado há muito: “a minha ligação ao desporto, do ponto de vista formal, começou quando iniciei a minha actividade no futebol dos Leões de Santarém, nos infantis, creio que com 14 anos”, recordou, então.
“Fiz prática desportiva no liceu: pratiquei andebol, voleibol, basquetebol, entre outras modalidades e, depois, tive uma ligação mais formal, já do ponto de vista da minha actividade profissional, quando concluí o meu curso de educação física no INEF (Instituto Nacional de Educação Física). Particularmente no Sport Algés e Dafundo, onde fui secretário técnico da direcção e, depois, na Federação Portuguesa de Halterofilismo, onde fui assessor da direcção”, rememorou.
José Manuel Constantino deixou Santarém para ir tirar o curso superior de Educação Física em Lisboa, mas nunca esqueceu as suas raízes: “somos o lugar que nascemos, os pais que tivemos, os professores que nos ensinaram, as ruas que calcorreámos, as ilusões e desilusões que tivemos”, afirmou.
“Eu saí com 17 anos de Santarém, e guardo desse tempo memórias muito gratificantes, que não esqueço, e que fazem parte da minha identidade. Foi em Santarém que nasci e cresci, foi lá que criei as primeiras amizades e fiz a minha preparação, quer na escola primária, quer no Liceu. Tenho ainda alguns familiares, e a minha terra é Santarém. Guardo desse facto uma memória que não quero esquecer até ao final dos meus dias”, declarou.
Dos tempos de juventude passada em Santarém, José Manuel Constantino confessou ter guardado “muita nostalgia”: “jogávamos em campo pelado, com sapatos que os escalões superiores já não usavam… a bola pesava nem sei quantos quilos. Quando chovia, era praticamente impossível competir. Tempos muito diferentes daqueles que hoje, felizmente, os jovens têm para praticar desporto”, rememorou, acrescentando: “olho para esses tempos com nostalgia, mas, ao mesmo tempo, com sentimento de companheirismo que esses momentos proporcionavam, de rivalidade com a Académica de Santarém, que era onde jogavam a generalidade dos meus colegas do Liceu. Eu e o Juvenal Brites eramos excepção a esse princípio. Recordo a minha presença no campo dos Leões de Santarém para assistir aos jogos. Vivia ali perto. São momentos que nos marcam”.
Um percurso singular
Licenciado em Educação Física pelo Instituto Superior de Educação Física, José Manuel Constantino exerceu actividade docente entre 1973 e 2002. Foi professor do ensino básico (1973-1986) e docente universitário (1994-2002), nomeadamente professor auxiliar convidado da cadeira de Organização e Desenvolvimento do Desporto do Curso Superior de Educação Física e Desporto, da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (1994-1996), professor convidado da disciplina de Desporto, Recreação e Tempos Livres, na Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física da Universidade do Porto (1991-1995), professor associado convidado da cadeira de Organização e Desenvolvimento do Desporto do Curso Superior de Educação Física e Desporto da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (1997-2002), professor convidado do Curso de Dirigentes Desportivos, da Universidade Autónoma de Lisboa (1999-2000) e professor convidado do curso Autarquias e Desporto – estratégias de sucesso, do Instituto Superior da Maia (2002).
Fez parte da Comissão Instaladora dos institutos superiores de Educação Física, do Porto e de Lisboa (1974-1975). Foi membro da Assembleia Estatuária da Faculdade de Motricidade Humana (Lisboa, 2009) e é membro do Conselho de Representantes da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (desde 2010).
Na administração pública exerceu os cargos de membro do Conselho de Fundadores da Fundação do Desporto (2001), de presidente do Instituto do Desporto de Portugal (2002-2005), de presidente do Conselho Nacional Antidopagem (2002-2005), de presidente do Conselho Nacional Contra a Violência no Desporto (2002-2005), de presidente da Comissão de Coordenação Nacional do Ano Europeu de Educação pelo Desporto (2003-2004) e de presidente da Confederação do Desporto de Portugal (2000-2002).
Na esfera das autarquias, foi director do Departamento dos Assuntos Sociais e Culturais da Câmara Municipal de Oeiras (1996-2002), membro do Conselho Superior de Desporto (2002-2005) e presidente do Conselho de Administração da Oeiras Viva, E.E.M. (2006-2013).
Foi membro fundador da Sociedade Portuguesa de Educação Física e da Sociedade Portuguesa de Ciências do Desporto; membro da Academia Olímpica de Portugal, da Federação Internacional de Desporto para Todos, da Sociedade Norte Americana Sport Management e membro consultivo da Fundação Marquês do Pombal.
Foi presidente da Assembleia-geral do Centro de Performance Humana (1995-2001), vice-presidente do Conselho Consultivo da Fundação do Desporto (até 2000), membro do Conselho Consultivo do Lugar Comum – Clube Português de Artes e Ideias (até 2002) e membro do Conselho Editorial do Jornal Record (até 2000).
Autor de 12 livros e co-autor de 17, foi o coordenador editorial de 14 publicações e membro fundador da revista Horizonte – Revista de Educação Física e Desporto (1993). Proferiu 221 conferências, comunicações e discursos sobre Desporto, no país e no estrangeiro.
Foi atleta federado de Futebol nos Leões de Santarém (1962-1967), secretário técnico da Direcção do Sport Algés e Dafundo (1985) e assessor da Direcção da Federação Portuguesa de Halterofilismo (1986-1990).
A Universidade do Porto concedeu o título de Doutor Honoris Causa a José Manuel Constantino numa cerimónia realizada na Faculdade de Desporto, a 26 de Setembro de 2016. A proposta partiu da FADEUP, quando celebrava o 40.º aniversário da sua integração na Universidade do Porto, e teve como fundamento o contributo prestado pelo presidente do Comité Olímpico no desenvolvimento do desporto em Portugal, a partir de 2013.
José Manuel Constantino foi condecorado pelo Presidente da República com a Grã-Cruz da Ordem da Instrução Pública pelos feitos conquistados nos Jogos Olímpicos de Tóquio e foi-lhe atribuída, ainda este ano, a Medalha de Ouro da Cidade de Santarém.