O Professor Doutor Cândido Azevedo, orientalista e estudioso da História da Expansão Portuguesa deu uma conferência subordinada ao tema “O militar português na História do Império Oriental: do servir, da coragem e da ética da maioria, à infâmia de uns poucos”.

A sessão decorreu no auditório Rui Manhoso da Associação de Futebol de Santarém, por iniciativa do Núcleo de Santarém da Liga dos Combatentes.

Cândido Azevedo soube prender a assistência ao abordar a presença portuguesa no Oriente, socorrendo-se de inúmeras fotografias que ilustraram todos os momentos da sua explanação.

Nascido no Oriente designa-se um “arquitecto da cidadania”, estabelecendo “pontes culturais entre o Oriente e o Ocidente, há mais de 40 anos”, disse.

“Faço férias indo atrás da cultura e da história e é com esse sentido que partirei em breve para a costa de Omã que percorrerei nos próximos 12 dias, em busca de cidades que foram portuguesas”, afirmou no início da conferência. Uma “peregrinação pela diáspora oriental dos portugueses” que tem marcado a vida do investigador.

Cândido Azevedo começou por apontar que o primeiro “numeramento” geral, ou seja a primeira tentativa para apurar o número da população é feita em 1527 por D. João III, “onde já consta cerca de 1,1 milhão de habitantes”.

À época, “as forças militares permanentes, nada mais eram que um conjunto variado de tropas reais, tropas feudais, tropas de diferentes ordens e milícias municipais, sem organização permanente. Com a fixação em terras que iam descobrindo passou-se a contratar gente local fossem mouros, negros, árabes, índios brasileiros (canibais, indianos, malaios, timores ou japoneses, passando estes a fazer parte essencial das guarnições locais, fosse nas forças terrestres, fosse nas forças navais”, salienta.

De seguida, o professor percorreu os fortes de “inúmeros territórios” onde “os portugueses foram heróis”. Deu como exemplos Calicute, Korlai, Diu, Gogolá, o reino de Kota em Ceilão que foi possessão portuguesa durante 153 anos (1505 a 1658), Ternate, Alorna, Cranganor, Baçaim, uma vasta região cedida pelo sultão de Bijapur aos portugueses pelo Tratado de 1534, Ormuz situada numa pequena ilha inóspita, Chale, Malaca onde os portugueses contactam pela primeira vez com os chineses, Mascate, Ilha de Moçambique nome do sultão local Mussa Bin Mbike, traficante de escravos, Muharraq na ilha do Barém e Tiracol.

O professor abordou ainda as “dezenas e dezenas de canhões” abandonados por todo o Oriente e que “tantas histórias terão para contar”.

Alguns deles, considera o investigador, “tanto contribuíram para a valentia dos portugueses em inesquecíveis batalhas”. Deu como exemplos os de Cochim, que em 1504 foi atacada por uma poderosa armada do Samorim com 16 mil homens, defendida por Duarte Pacheco Pereira com 160 homens, alguns deles indianos, e 18 canhões. “Com a falta de munições disparou-se areia misturada com sal para cegar e agravar os ferimentos”, explicou Cândido Azevedo.

Falou ainda dos canhões de Macau e da Grande Muralha de Pequim onde em 1621 cerca de 10 canhões e 400 artilheiros combateram os Manchus, ou ainda os de São Tomé de Meliapor, Simbor (Índia), ou de Djakarta O Si Jagur (o Senhor Fertilidade), “um velho canhão português de Malaca que após a conquista pelos holandeses, foi levado para Jacarta (Batávia holandesa) e por ser português, reconhecidos como grandes reprodutores, foram-lhe atribuídas propriedades únicas: fertilidade e robustez para a criança. Então, ao fim da tarde, é um corrupio de mulheres que se sentam no canhão e logo de seguida correm para o leito do casal…”, afirmou provocando sorrisos na assistência.

Cândido Azevedo abordou ainda “outras máquinas de guerra da altura”: elefantes de guerra.

“Há muitos séculos que alguns reinos, principalmente os da Ásia, que haviam compreendido a importância do elefante, fosse na demonstração do poder, que se exerce melhor do alto do dorso de um elefante, fosse como símbolo da glorificação, fosse como máquinas de trabalho, principalmente de guerra”, explicou.

“Todos aprendemos que Aníbal, o cartaginês, usou elefantes para invadir a Europa na 1ª Guerra Púnica (264-241 a. C.) sendo, provavelmente, o primeiro contacto de europeus com estes paquidermes. Foi em Ceilão, hoje Sri-lanka, e nos reinos de Sião e Arracão, este hoje incluído na Birmânia (Myanmar) que os portugueses usaram estes animais. Porém a primeira vez que se confrontaram com uma frente de elefantes de guerra foi na conquista de Malaca, em 1511, sob o comando de Afonso de Albuquerque, onde derrotaram o exército do sultão Mahamud Shah. Na luta, o soldado Fernão de Lemos, em desespero, espicaçou com a lança o lábio inferior de um elefante, fazendo-o erguer e voltar-se, gesto logo imitado por outros, o que fez recuar a frente de elefantes, lançando o caos e derrubando o exército malaio que vinha atrás, levando os portugueses à vitória. Montados no dorso destes paquidermes muitos portugueses se distinguiram”, argumentou.

Segundo Cândido Azevedo, célebre ficou a batalha de Mulleriyawa, em 1561, onde o reino de Sitawaka derrota os portugueses: “uma das maiores derrotas que uma nação europeia alguma vez sofrera na Ásia, distinguindo-se nela, quais máquinas de guerra, dois elefantes de combate, o Airavana e o Viridudassaya, tendo este último capturado o estandarte português na posse do capitão-mor”.

Segundo o professor, no final do século XVIII, o exército da British East India Company incluía 1.500 elefantes de guerra, pois também serviam para transportar suprimentos e soldados pela selva, carregando armas e munições.

Na recta final da sua intervenção, Cândido Azevedo abordou os “heróis portugueses”: “Não vou falar dos já conhecidos, mas trazer para aqui os esquecidos. Neste Oriente também houve louváveis exemplos de integridade”, admitiu, abordando as facetas de D. Henrique de Menezes, Paulo de Lima Pereira, António da Silveira, Nuno Monteiro, Manoel de Liz, entre outros.

Mas também não esqueceu os “traidores”: “Estima-se que nos inícios do século XVII e ao serviço dos potentados do sudeste asiático, entre Bengala e Macáçar, fosse de 5 mil o total de piratas, renegados e traidores portugueses fugidos à justiça, uns porque arrastados pela cobiça, outros pela fome, outros por deserção e outros ainda por homicídio. Nos séc. XVI e XVII, no Golfo de Bengala, fora da rota dos navios da ligação Ormuz, Goa, Malaca, Macau, existiram os feringi (nome dado aos piratas e bandidos portugueses). Os chefes mais conhecidos foram Sebastião Gonçalves Tibau, Sancho Pires e Damião Bernaldes”, afirmou.

O professor concluiu a conferência mencionando os quatro portugueses, referidos como shaegui, isto é “mergulhadores submarinos das águas do mar” que, segundo o investigador coreano Pyin Hong Ki, tinham a capacidade de penetrar em qualquer navio inimigo, destruindo-os debaixo de água.

“Crê-se que estes portugueses terão integrado a armada do almirante chinês Chen Lin enviado para a Coreia pelo imperador Ming, Wang Li, em Maio de 1598, para reforçar a armada coreana sob o comando do almirante Yi. Terão participado na batalha do estreito de Noryang onde se encontrava ancorada a armada japonesa de cerca de 500 barcos, e aí actuaram como homens-rãs, o que parece ser uma das primeiras descrições históricas de utilização deste tipo de especialidade. Esta batalha teve início por volta das duas horas da manhã de 17 de Dezembro de 1598 e ao amanhecer metade dos navios japoneses haviam sido já destruídos”, concluiu Cândido Azevedo, perante um forte aplauso do público interessado que assistiu à conferência promovida pelo Núcleo de Santarém da Liga dos Combatentes.

JPN

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