O Instituto Politécnico de Santarém forma perto de 1000 diplomados todos os anos e está mobilizado “para o estabelecimento de parcerias que promovam uma estratégia de desenvolvimento regional especializado e inteligente”, seja no sector agro-alimentar, da saúde ou das novas tecnologias aplicadas à indústria dos produtos endógenos da região. Quem o diz é João Moutão, presidente desta instituição de ensino superior que é parte integrante da estratégia de desenvolvimento regional, através da qualificação da sua população, do desenvolvimento de investigação aplicada e à transferência desse conhecimento para o tecido produtivo, bem como na promoção do desenvolvimento social, cultural e artístico, através da participação activa na agenda local em parceria com os demais actores sociais e municípios. Em 2021, o número de candidatos no concurso nacional de acesso foi cerca de quatro vezes superior às 971 vagas disponibilizadas. O aumento de procura também se verificou ao nível dos concursos locais que foram abertos, designadamente para os cursos de Mestrados e de estudantes internacionais. “São resultados que nos deixam bastante optimistas em relação ao futuro, e que nos permitem continuar a aposta na abertura de novas ofertas formativas em áreas críticas para a região e para o país”, afirma João Moutão.
Quais são os grandes desafios que o Instituto vai enfrentar num futuro próximo?
A próxima década será marcada pela dupla transição digital e ambiental. O Politécnico de Santarém, enquanto Instituição ligada ao conhecimento e à inovação, tem o dever de se assumir como uma resposta para a região e para o País neste processo de transição, seja através do desenvolvimento de novas ofertas formativas, seja pelo desenvolvimento da investigação e do conhecimento aplicado. Para responder esta mudança de paradigma, o Politécnico de Santarém tem vários desafios pela frente. Um primeiro desafio prende-se, desde logo, com a renovação do seu corpo docente, actualmente bastante envelhecido. Necessitamos de atrair talento e massa crítica para as nossas áreas de actuação “core”. Um segundo desafio relaciona-se com a própria transição digital dentro da Instituição, nos serviços e no processo de ensino, com recurso às novas tecnologias e à consolidação e proliferação de novas ferramentas de ensino a distância. Um terceiro desafio relaciona-se com a necessidade de promover a investigação e inovação, em estreita ligação com o tecido empresarial, o sector social e a administração pública, por forma a aumentar o nosso financiamento científico e a produzir conhecimento com potencial de transferência para a sociedade. Um quarto desafio prende-se com a nossa projecção a nível internacional, através do estabelecimento de redes e de parcerias estratégicas com instituições de outros países, promovendo a criação de consórcios internacionais. Por último, e talvez o desafio mais importante que temos pela frente, a necessidade de reforçar a coesão organizacional em torno de um projecto colectivo comum, dotando a Instituição de uma estrutura organizacional mais flexível e preparada para os tempos que se avizinham. Ainda mantemos praticamente a mesma estrutura do início da década, organizada em torno de um conjunto de escolas superiores. Não quer dizer que as coisas não se façam, mas demora muito mais tempo. E o tempo, nos dias que correm, pode fazer a diferença. Dou o exemplo do calendário escolar, que é diferente em cada escola superior e que impossibilita coisas tão básicas como a partilha de unidades curriculares entre cursos de escolas diferentes. Sei que as mudanças são sempre difíceis, causam reacções e despertam resistências, mas neste momento é o que poderá fazer a diferença para o futuro.
Fala-se muito das dificuldades financeiras a que as Instituições de Ensino Superior Politécnico devem fazer face em resultado de cortes orçamentais e de novos desafios colocados pelo desenvolvimento da oferta formativa. De que forma poderá o IPSantarém ultrapassar estas dificuldades?
O subfinanciamento do ensino superior em Portugal é apontado pela própria OCDE. Em Portugal corresponde a 0,58% do PIB nacional, muito abaixo do valor verificado nos países mais desenvolvidos. Para agravar, cerca de dois terços desse financiamento vão directamente para o subsistema universitário. São problemas de natureza política que terão de ser resolvidos a esse nível. A nós, cabe-nos a tarefa de fazer o melhor que podermos com as condições que temos, até não termos condições melhores. O que fizemos para dar a volta ao subfinanciamento? Foi simples, reduzimos as despesas e aumentámos as receitas próprias. No caso das despesas, reforçámos a nossa divisão de contratação pública e renegociámos todos os contratos que tínhamos adequando-os às nossas reais necessidades. Dou como exemplo a renegociação do contrato de arrendamento dos campos desportivos da Escola Superior Agrária, utilizados por centenas de jovens praticantes da cidade de Santarém e cujos custos de manutenção dos espaços e de segurança aos fins-de-semana, eram totalmente assumidos pelo orçamento do Instituto, situação muito injusta. Com a renegociação deste contrato, conseguimos assegurar uma verba mensal que permitirá fazer face a esses custos e dar resposta à manutenção dos edifícios com mais de 100 anos e que se encontram bastante necessitados, dando uma má imagem da cidade aos muitos que nos visitam. É uma solução em que todos saem a ganhar, principalmente a população, que passa a ter uma zona para a prática desportiva e evita a construção de novos “elefantes brancos” com custos elevadíssimos para as futuras gerações. Veja-se os exemplos dos municípios de Leiria e Aveiro, no caso dos estádios do europeu, que até colocam a possibilidade de demolição desses investimentos, devido aos custos de manutenção incomportáveis. No que diz respeito às receitas, reforçámos o gabinete de projectos, aumentámos as candidaturas a financiamentos e procedemos à elaboração de prestações de serviços especializados. Nestes últimos dois anos, mais que duplicámos as receitas próprias por esta via, tornando-nos menos dependentes do orçamento de estado que, actualmente, apenas cobre cerca de 80% dos vencimentos dos nossos docentes e funcionários. Mesmo nestas condições difíceis, conseguimos aumentar o número de estudantes e abrir novas ofertas formativas todos os anos, como o caso da nova licenciatura que queremos iniciar em Outubro deste ano, na área da biologia e biotecnologia, entre muitas outras.
Considera que o Plano de Recuperação e Resiliência poderá ser uma boa oportunidade para o IPSantarém?
Considero que o PRR é uma oportunidade ímpar para o desenvolvimento do país. No caso do apoio à qualificação da população, foi aberto um aviso às Instituições de Ensino Superior para o desenvolvimento de novas formações para o público jovem (Impulso Jovens STEAM) e mais adulto (Impulso Adultos). Com base nesta candidatura, vamos poder deslocalizar cursos em vários concelhos a norte de Lisboa (Vila Franca, Mafra, Arruda dos Vinhos, Loures, Odivelas, Amadora e Sintra) e construir novas ofertas formativas na região do Alentejo, em especial nas áreas da digitalização, das novas tecnologias e da economia circular. O PRR prevê igualmente uma “Agenda de investigação e inovação para a sustentabilidade da agricultura, alimentação e agro-indústria” onde vamos também apresentar candidaturas através da Escola Superior Agrária. Vamos igualmente aproveitar alguns avisos que já se encontram anunciados, para construir novas residências de estudantes e promover a eficiência energética e hídrica dos actuais edifícios. Para além disso, acreditamos ser possível através do PRR, construir as instalações do Centro de Investigação que temos instalado provisoriamente em Rio Maior, bem como requalificar todos os laboratórios e salas de aulas que temos.
Quais foram os resultados do concurso nacional de acesso deste ano?
A procura dos cursos do IPSantarém tem aumentado de forma substancial e consistente nos últimos três anos. Em 2021 o número de candidatos no concurso nacional de acesso foi cerca de 4 vezes superior às 971 vagas disponibilizadas. O aumento de procura também se verificou ao nível dos concursos locais que foram abertos, designadamente para os cursos de Mestrados e de estudantes internacionais. São resultados que nos deixam bastante optimistas em relação ao futuro, e que nos permitem continuar a aposta na abertura de novas ofertas formativas em áreas críticas para a região e para o país.
Actualmente, quais são os cursos com maior procura e as áreas com maior empregabilidade?
Nos últimos anos temos disponibilizado cerca de 44 cursos, 12 cursos de TESP, 20 cursos de licenciatura e 12 cursos de mestrados. A procura é cada vez mais consistente em todos. A taxa de empregabilidade dos diplomados situou-se nos 97,26%, no ano de 2020. No entanto, existem muitos cursos com desemprego zero e onde não conseguimos satisfazer as necessidades de procura.
Como é que o Instituto se posiciona ao nível da internacionalização e captação de alunos internacionais?
O número de estudantes internacionais tem vindo a aumentar substancialmente. No presente ano lectivo de 2021-2022 temos 209 estudantes internacionais matriculados no 1º ano/1ª vez, um aumento de 65% face ao ano anterior, e que representa o valor mais elevado de estudantes internacionais desde sempre. Estes números poderiam ser muito superiores se existissem mais residências em Santarém e Rio Maior. No que respeita à política de estabelecimento de acordos de cooperação com Instituições de Ensino Superior Internacionais, temos privilegiado a Comunidade de Países de Língua Portuguesa, nomeadamente com Instituições do Brasil, Cabo-Verde e, mais recentemente, de Moçambique.
Quais são os projectos mais emblemáticos nos quais o IPSantarém participa?
As áreas são muito diversas. O sector agro-alimentar é uma das áreas estratégicas de investigação e posso dar o exemplo do projecto “MobFood” que integra 43 entidades que representam todo o sector agro-alimentar em Portugal. Este projecto procura responder aos desafios relacionados com a promoção de uma indústria alimentar nacional mais competitiva e apresentar novos processos, produtos e serviços em três pilares principais: “Segurança Alimentar e Sustentabilidade”, “Alimentação para a Saúde e Bem-estar” e “Alimentos Seguros e Qualidade”. A área da economia social e da inclusão social é também uma área estratégica e, para além do muito mediatizado projecto “Volto Já”, de promoção do envelhecimento activo e qualidade de vida de idosos institucionalizados, há a destacar projectos importantes como o “Front Winners: (re)skilling for mentors with immersive experiences”, que surge no seguimento da primeira edição do curso “Literacia Digital para o Mercado de Trabalho” e se foca na implementação de conteúdos educacionais que garantam a inclusão, e que é complementado com o projecto “DID.VALUE on internship and job in Society”, que visa a integração social e profissional de jovens com deficiência intelectual. A saúde e a qualidade de vida é uma outra área forte de investigação, onde posso destacar o projecto InovSafeCare, no âmbito da prevenção e controlo de infecções associadas aos cuidados de saúde (IACS), ou o projeto “New Health 2022” que se foca na promoção de estilos de vida saudáveis na Europa. São cerca de 50 projectos que temos em curso actualmente, nacionais e internacionais.
Como está o processo de construção da residência de estudantes de Rio Maior? Existem projectos para, em Santarém, construírem mais alojamentos?
Em Julho de 2021, abrimos o concurso para a construção da residência de estudantes de Rio Maior. Infelizmente todas as empresas que se candidataram apresentaram uma proposta superior ao valor de base, inviabilizando a sua adjudicação. O preço de construção tem aumentado significativamente por causa da pandemia e como existem muitas obras, as empresas de construção optam por apresentar propostas viáveis apenas nas obras onde têm maior margem de lucro. Para ultrapassar esta situação pretendemos incluir a verba adicional na candidatura que iremos fazer ao aviso do PRR para as residências universitárias, o qual está previsto abrir em breve. Vamos incluir nesta candidatura também a construção de novas residências em Santarém, aumentando a capacidade actual com mais 160 camas, aproveitando a cedência de quatro blocos habitacionais por parte da autarquia e na adaptação de algumas instalações que temos. Estes quartos apenas poderão ser disponibilizados a preços reduzidos, e serão um factor determinante de competitividade da região para atrair mais estudantes, designadamente de nível internacional.
Sentiu que a pandemia, tendo obrigado as Instituições de ensino a adaptarem-se, foi uma oportunidade perdida para fazer diferente?
Há um ano atrás, a pandemia trouxe-nos o ensino a distância e quase aboliu os congressos científicos e a mobilidade de docentes, funcionários e de estudantes, com consequente redução da investigação “não covid”. Neste cenário, as Instituições de Ensino Superior souberam reinventar-se e adaptar-se, alternando o ensino presencial com o ensino remoto e dinamizando encontros científicos em “streaming”, com limitação de presenças de pessoas. Durante este tempo, foi possível perceber que as aulas mais expositivas e teóricas não perdem nada com este formato e permitem o envolvimento de docentes e especialistas que, de outra forma, seria quase impossível. Isto fez-nos pensar que podemos sair desta crise pandémica mais enriquecidos com a participação de estudantes e professores de toda a parte do globo. Esta realidade aponta-nos para as vantagens de promover um ensino verdadeiramente a distância, que é diferente do ensino remoto, e de caminhar para um modelo de ensino híbrido (b-learning), compatibilizando a componente prática que caracteriza o ensino politécnico com a componente teórica transmitida com recurso às novas tecnologias, principalmente nos ciclos de estudos de mestrados e pós-graduação, permitindo alcançar outros “públicos” e fomentar a internacionalização. Esta mudança de paradigma irá obrigar a uma forte aposta na formação pedagógica, para preparar os professores para esta transição, dando mais prioridade às tecnologias de ensino e aos espaços virtuais, em detrimento de mais e maiores instalações.
Como avalia a forma como o Politécnico respondeu a esta crise?
Avalio de forma muito positiva e acredito que o Politécnico de Santarém sai desta crise mais forte e preparado para os desafios do futuro.
Quais são as grandes forças do IPSantarém?
Considero que o Politécnico de Santarém é uma marca distintiva da região do Ribatejo. A maior parte das pessoas não tem noção que temos das melhores escolas de formação do país nos domínios onde actuamos (agrária, educação, gestão, desporto e saúde). Talvez a falha seja nossa de não conseguirmos transmitir essa mensagem. Seja como for, a ligação com a população é constante. O Complexo Andaluz está aberto e é utilizado pelas pessoas em geral para actividades de lazer e desportivas, assim como o Campus da Escola Agrária, que todos os dias é frequentado por centenas de jovens para a prática desportiva, a par com a Escola de Rio Maior que promove programas de actividade física comunitária para o combate à diabetes e fibromialgia. São poucas as Instituições de Ensino Superior que têm a nossa diversidade de áreas de formação e um percurso de sucesso como o que temos tido. A nossa maior força é a qualidade e profissionalismo dos profissionais que aqui trabalham. Se, com isso, conseguirmos aumentar a nossa coesão institucional, seremos imbatíveis.
Um estudo do CSISP revela que cada euro de investimento público nos institutos é revertido em, pelo menos, dois euros de actividade económica. Em Santarém, o Politécnico é também um motor da economia local?
Em 2018, os gastos directos e indirectos do Politécnico de Santarém na economia local foram cerca de 41,7 milhões de euros, replicando 3,5 vezes o valor que é atribuído por via do orçamento de estado. Hoje, esse valor será muito mais elevado porque aumentámos perto de 800 estudantes nos últimos anos. Muitas autarquias do país estão a fazer investimentos de largos milhares de euros nos Institutos Politécnicos do seu território porque já identificaram este mecanismo e perceberam que esta é a melhor forma de reproduzir o seu investimento na região. É uma abordagem um pouco economicista, vale o que vale. Eu gosto também de pensar nos impactos sociais, culturais, desportivos e de coesão territorial. Desde que os jovens que aqui nascem tenham as mesmas possibilidades de estudar no ensino superior que os jovens dos grandes centros urbanos, para mim já é uma vitória da luta por uma sociedade mais justa, com igualdade de oportunidades, justificando, per si, a existência do Politécnico de Santarém. Acredito que com a mobilização de todos e com mais recursos poderemos fazer ainda mais e melhor.
Como se poderá projectar Santarém e que papel cabe ao Politécnico de Santarém nessa mesma projecção?
A fórmula do desenvolvimento territorial está bem estudada e depende da capacidade de juntar, numa mesma estratégia, o ensino superior, a administração pública, as empresas e o sector social. O potencial da região de Santarém é por demais evidente e a sua projecção futura estará linearmente relacionada com a capacidade de envolvimento entre todas as partes. Da nossa parte, compete-nos dar resposta às necessidades especificas de qualificação da população, contribuindo para a atracção e fixação de novos investimentos e empresas, dinamizando o emprego e o desenvolvimento social e cultural. O Politécnico de Santarém forma perto de 1000 diplomados todos os anos e está mobilizado para o estabelecimento de parcerias que promovam uma estratégia de desenvolvimento regional especializado e inteligente, seja no sector agro-alimentar, da saúde ou das novas tecnologias aplicadas à indústria dos produtos endógenos da região.
Como perspectiva o futuro do IPSantarém na próxima década?
O Politécnico de Santarém terá um papel cada vez mais relevante na região e no país à medida que a “sociedade do conhecimento” se impõe. Avançamos a passos largos para uma nova era tecnológica onde os chamados “empregos para a vida” já não são a realidade habitual. No futuro, teremos uma sociedade onde as competências necessárias mudarão muito rapidamente com a aceleração do ciclo de vida das tecnologias, cada vez mais curtos. Basta ver o que está a acontecer com o encerramento das centrais a carvão, para perceber o que estou a dizer. Hoje estamos a formar para profissões que ainda não conhecemos. A única certeza que temos, é a de que o ensino superior do futuro será muito mais focado na aprendizagem ao longo da vida, através da auto-aprendizagem guiada e do trabalho e investigação autónomos, exigindo um papel mais activo por parte dos estudantes na definição do seu percurso e aprendizagens. Os professores terão um papel de condutores e de facilitadores das aprendizagens em ciclos de estudos mais flexíveis e modelares, permitindo percursos de formação individualizados, em função das necessidades e interesses de cada estudante e em conciliação com a vida profissional e familiar. A outra certeza que tenho é a de que o Politécnico de Santarém irá estar à altura deste desafio e cumprir com destaque a sua missão.