“Cerca de 8,13 milhões de pessoas em Portugal tinham vacinação completa contra a Covid-19, segundo os dados divulgados pela Task Force para o Plano de Vacinação, referentes às 18 horas de sábado, dia 18 de Setembro.
No Agrupamento de Centros de Saúde da Lezíria, cuja área de influência corresponde aos concelhos de Almeirim, Alpiarça, Cartaxo, Chamusca, Coruche, Golegã, Rio Maior, Salvaterra de Magos e Santarém, mais de 85 por cento da população está vacinada, num processo que o administrador executivo, Carlos Ferreira, qualifica de “muito positivo”.
Nesta entrevista, o responsável faz um balanço deste processo, muito exigente para os profissionais de saúde, a quem agradece o “enorme esforço” e dedicação e perspectiva o futuro.

Que balanço se pode fazer do processo de vacinação contra a Covid-19 na área de influência do ACES Lezíria?
O balanço, até ao momento, considerando que estamos já numa fase final, não é positivo, é sim muito positivo, no que respeita ao objectivo que era vacinar a maior percentagem possível de população. Admitimos que, a curto prazo, tenhamos toda a população que pretende, vacinada.
Aguardamos orientações de como é que o processo irá decorrer numa fase de normalidade. Admitimos que, a partir do momento em que o número das segundas doses agendadas seja muito reduzido, passar a desenvolver o processo nos próprios centros de saúde.
A estratégia que temos montada, e que aguardamos validação, [temos reunião marcada com a ‘task force’ para os próximos dias] vai no sentido dos nossos centros de vacinação serem suspensos. Digo suspensos porque podem vir a ser necessários para qualquer motivo.
O processo de vacinação, a muito curto prazo, passará, assim, para os Centros de Saúde com uma estratégia específica. Santarém é excepção: vamos manter o Centro de Vacinação da Casa do Campino durante mais cerca de 30 dias porque temos ainda muitas segundas doses agendadas para os primeiros dias de Outubro e, se podermos retirar as pessoas do Centro de Saúde, melhor.
Admito que, por volta do dia 15 de Outubro, não haja nenhuma justificação para manter os Centros de Vacinação em funcionamento. Todos os que necessitem de vacinação deslocar-se-ão à sua unidade, ao seu Centro de Saúde. Ao contrário do que acontece agora – quem lá vai é vacinado no dia – depois isso pode não acontecer. Quem chegar ao balcão do Centro de Saúde agenda, e quando tivermos um grupo de pessoas, de 6 ou 11, conforme a vacina, é dito à pessoa para vir num dia e hora previamente estipulados para ser vacinado.
Em Santarém, especificamente, estamos a preparar as coisas para que tudo se possa concentrar em São Bento. Acresce que temos uma orientação que é o espaçamento entre esta vacina [Covid-19] e a vacina da gripe, e terá que haver uma distância temporal de pelo menos, 15 dias.
Retirando essa particularidade, a vacina da gripe irá avançar como nos outros anos, sem qualquer problema, gerida localmente pelas unidades.

Qual foi o maior desafio de todo este processo de vacinação?
Não nos podemos esquecer que este processo se fez simultaneamente com a pandemia e com tudo aquilo que era necessário fazer. Tivemos que afectar cerca de 200 recursos a todo o processo de vacinação face às equipas que eram necessárias diariamente: no caso de Santarém, por exemplo, estamos a funcionar sete dias por semana. Nos outros, a funcionar seis dias por semana… tínhamos, portanto, que ter dois ou três médicos em cada turno, no caso de Santarém. Com dois turnos, com trabalho ao domingo, com o facto de que quem está na vacinação não está no seu local normal de trabalho.
Depois, o caso da enfermagem. Em Santarém, temos uma média de 20 ou 25 enfermeiros por dia… eram quase 50 por cento dos nossos efectivos. Apesar disso, assistiu-se a um enorme esforço de todos e conseguimos aumentar o número de consultas não presenciais, e reduzimos as presenciais.

No processo de vacinação o principal constrangimento foi gerir os recursos humanos?
Foi esse claramente o principal desafio. O pessoal de enfermagem foi inexcedível neste processo. Não tenho um único problema com o pessoal de enfermagem. Fizemos uma coordenação para cada um dos centros de vacinação, excepto Santarém, a quem atribuímos três coordenações face à dimensão e todos tiveram uma capacidade de resolução dos problemas que merece relevo.

Qual foi o impacto que todo este processo teve nas consultas?
Se olharmos para a produção, verificamos que, no primeiro semestre de 2021, já fizemos 75.636 consultas, quando no período homólogo tínhamos feito 67.000. Houve, portanto, um incremento de 11% nas consultas. Agora, reconheço que estamos a fazer uma comparação com os números de 2020, que foi um período onde houve um grande decréscimo de consultas. Mas quando vamos para as consultas não presenciais, elas aumentaram 21%.
Podemos referir que o nosso SNS, com todos estes problemas, aguentou o impacto. Temos uma taxa de utilização que nos agrada: das 200.000 pessoas que estão inscritas, 61,3 % dessas já foram, no primeiro semestre, aos nossos centros de saúdes. O que é um acréscimo de 12,5 % de utilizadores este ano face ao ano transacto.
Mesmo com o processo de vacinação a consumir muitos recursos, as unidades, lentamente, vão-se tentando aproximar da normalidade e demos indicação para que, logo a partir do dia 1 de Julho, os horários dos profissionais de saúde fossem os mesmos que em 2019.

Para si, pessoalmente, como foi coordenar um processo desta natureza?
Foi complicado… Tudo se iniciou com muita dificuldade, muita necessidade de afectar pessoas e recursos. Hoje [dia 15] aqui no nosso agrupamento temos 120 casos positivos. Chegámos a ter, em Fevereiro, 3.200. Fazer diariamente 10 ou 12 mil contactos telefónicos foi complexo. Foi um processo doloroso, difícil, com muitos surtos em lares onde tivemos que enviar recursos nossos também porque os recursos dessas instituições ou eram positivos ou entraram em quarentena. Temos que recordar que, se hoje temos uma centena de casos positivos, temos 14.483 pessoas no agrupamento que estiveram positivas. E estivemos a vigiar, alem destes, mais 23.729 pessoas que tiveram contactos de risco.
Isto é um peso assustador, e uma das queixas que urge resolver, neste agrupamento, e penso que em todos, é a dificuldade que as pessoas têm de aceder telefonicamente às nossas unidades. Quando falo com as unidades e o que me dizem é que existe uma grande pressão: a carreira de telefonista acabou na administração publica há 11 anos e hoje, quem tem de atender o telefone, é quem está no atendimento. E acabam por acontecer alguns constrangimentos, com o atender o telefone, conjugado com as pessoas que estão presencialmente.
Foram mais de 23 mil as chamadas necessárias para perguntar sobre o estado de cada pessoa, com quem esteve em contacto, se está melhor ou não. Foi uma situação diária, sete dias por semana… enquanto se estão a fazer estas chamadas, não se fazem outras coisas. Se me perguntar prioridades em termos da população, temos de resolver o problema do contacto telefónico.

Para além desse aspecto, quais as situações mais complexas para resolver no ACES Lezíria?
Vamos tentar regressar a uma dita normalidade. Vamos ter que começar a fazer as chamadas vigilâncias – uma coisa que nunca parou mas que se fez em menor quantidade – nomeadamente vigilância da grávida, entre outras e, acima de tudo, manter uma coisa – que também não parou – mas que temos que estar muito atentos que é o resto da vacinação. Depois, os três rastreios da nossa responsabilidade: o do cancro da mama já está a funcionar, estamos a rastrear juntamente com a Liga, e os rastreios do útero e do cólon. Temos esses três procedimentos para incrementar de uma forma positiva. O da mama, não é tão complicado, mas os outros dois implicam médico e enfermeiro. E o desafio é como é que conseguimos ter médico e enfermeiro aqui, ter médico e enfermeiro na consulta, no atendimento complementar, na vacinação, etc. Mas os rastreios são, claramente, uma prioridade.
Temos reuniões mensais com a ministra [da Saúde] onde ela própria nos alerta para a necessidade de passarmos a normalizar os serviços e avançarmos com os rastreios.

Uma notícia recente dá nota que a região de Lisboa e Vale do Tejo perdeu este ano 154 médicos de família, e prevê-se cerca de 100 aposentações por ano nos próximos anos. Como é que o ACES Lezíria está a olhar para esta realidade?
Nós podemos fazer a análise de duas formas: uma é como estamos de médicos de medicina geral e familiar e, outra, é como é que estamos de médicos. Ora quando falamos de pessoal médico, não estamos mal. Temos conseguido compensar a falta de médicos de medicina geral e familiar com médicos indiferenciados. Os nossos 200.000 utentes, todos eles, conseguem consulta. Agora, não conseguem é ter medico de família.
Há uma situação preocupante na Chamusca, que tem um mapa de pessoal com cinco médicos. Desses cinco, saíram dois agora, há pouco tempo… Para aquela população três médicos é pouco, ainda mais quando sabemos que é um concelho com uma área geográfica enorme e muito disperso. A isto acresce o facto de tentarmos resolver e não conseguirmos. A ARS abriu concurso para 242 vagas, 10 desses para este agrupamento, e apenas conseguiu receber sete dos 10 médicos previstos. Não se conseguiu um na Chamusca e dois em Salvaterra. Por outro lado, tivemos sete saídas. Estamos numa altura em que o saldo, para nós, não é negativo, mas o saldo, efectivamente foi zero…
Claro que vai haver agora um segundo concurso, mas não sei o que vai acontecer. Estamos com muita dificuldade em conseguir médicos para os locais mais interiores.

Como é que isto se resolve?
Há duas formas: ou tem que haver uma agregação de lugares de atendimento, ou consideramos que a medicina familiar é de proximidade e estes locais mais pequenos precisam mesmo de médicos e, aí, temos que, na formação, começar a alertar os profissionais que podem perfeitamente ir para locais mais interiores. A maior parte dos médicos com mais experiência entraram por volta dos anos 80. A carreira de medicina familiar foi criada em 1982 e, dessa data até hoje, passaram 40 anos. Isto quer dizer que os médicos que entraram naquela altura estão em situação de aposentação. Cá não tem sido tão grave as saídas como noutros agrupamentos porque temos 14 USF’s (Unidades de Saúde Familiar) e isso faz com que queiram continuar. Mas onde a organização não é por USF é mais difícil.

Com o aparecimento das USF e com a sua implantação no território, os cuidados de saúde primários melhoraram? Ao nível da qualidade dos cuidados de saúde prestados há benefícios para o utente?
As Unidades de Saúde Familiares são unidades com uma grande vantagem: na ausência de um profissional, os outros garantem a substituição, garantem a resposta.
Em relação às USF’s, reconheço que dificilmente serei isento: estive no projecto inicial da sua implementação o que fez com que Santarém tivesse mais USF’s que os restantes agrupamentos do País.
Sou defensor das USF’s por duas ordens de razão: desde logo, o espírito de equipa é fundamental e, depois, como já referi, garante a substituição. Durante muitos anos tínhamos médicos que faziam muitas consultas mas, cada vez que estavam ausentes, a população ficava desguarnecida.
Agora, fazem-se as consultas necessárias – até podem ser menos – mas cada vez que um dado profissional está ausente, seja porque motivo for, a unidade é obrigada a responder à população. No ano passado criámos mais uma, em Rio Maior. Presentemente, dó dois concelhos não têm USF’s: Almeirim e Salvaterra.

E ao nível das infra-estruturas, quais as principais carências?
Temos uma realidade heterogénea. Podemos dizer que, nas grandes unidades, de uma forma geral, as instalações são boas ou muito boas. Contamos com capacidade de resposta nossa – porque nos é permitido fazer melhorias até determinados valores – e, quando são coisas mais complicadas, colocamos aos serviços centrais. Além disso, todas as autarquias se têm disponibilizado para resolver alguns dos problemas que vão surgindo naturalmente. Contamos, efectivamente, com uma excelente colaboração com as nove autarquias que integram o nosso espaço geográfico.
Onde as condições de trabalho são menos satisfatórias é no Centro de Saúde da Chamusca, já o é há muitos anos. Está localizado num antigo hospital concelhio, pertence à Misericórdia. É pouco funcional. Há muitos anos que esperamos a construção de um novo Centro de Saúde. Foi aberto concurso e não se conseguiu nenhum candidato. Tem a ver também com a situação do país. Com a crise de 2009, as empresas com dimensão para construir um equipamento desta natureza, naquele caso era 1ME, desapareceram, e as empresas que ficaram, são de grande dimensão e não estão interessadas neste tipo de obras. Foi dada autorização à camara para fazer um ajuste directo para a construção, que também não conseguiu ninguém. Foi, posteriormente, aberto um novo concurso por um valor mais elevado e aí já houve candidato e está neste momento no Tribunal de Contas. É um problema que esperamos que possa estar resolvido em dois anos. Um outro Centro de Saúde que não me agrada é o do Cartaxo. Foi feito nos anos 80, com base num programa funcional que foi determinado pela DGS em que se preocupou muito com o custo de construção. E, então, construiu gabinetes médicos de 9 metros quadrados. Com a evolução das coisas, foi necessário colocar lá equipamento e mobiliário que não cabe… estamos constantemente a gastar lá dinheiro a tentar adaptar o espaço, mas não se consegue.
Houve um compromisso da Sra. Ministra para que fosse considerado uma prioridade, no próximo ano, o Centro de Saúde do Cartaxo.

Como tem sido a integração dos cuidados de saúde primários com o hospital de Santarém?
Temos mantido uma relação de grande cordialidade e esta administração denota uma grande abertura para trabalhar em parceria. Temos um conjunto de protocolos de articulação na área do diagnóstico precoce, da saúde mental, da hipocoagulação, da saúde materna, dos cuidados paliativos. Posso afirmar que, actualmente, toda essa articulação é de excelência e que outros projectos estão em estudo recíproco, e posso realçar um que está em fase embrionária que é o projecto das pulseiras verdes e azuis.
Para já, é um projecto para o concelho de Santarém. Iniciámos agora, que faz com que todas as pessoas que vão ao hospital, ao serviço de urgência, e que são classificadas como tendo pulseira verde ou azul possam ser de imediato encaminhados para um centro de saúde. Em cada unidade ficam diariamente vagas destinadas a estes utentes. O hospital marca directamente a consulta e o utente fica agendado. De forma a retirar população das urgências. Assim, a pessoa, que não tem quadro de urgência, é mandado para casa, já com consulta marcada no centro de saúde para o dia seguinte.

O sistema de cuidados primários existente está capaz de dar resposta aos desafios que se colocam com o envelhecimento da população que se prevê continue a prazo?
Daqui a uns anos, temos que começar a pensar seriamente como é que as nossas unidades de Cuidados na Comunidade se devem reorganizar para responderem aos idosos e às suas necessidades específicas. Hoje, já quase todas dispõem de fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais, mas, muito provavelmente esse número terá de dobrar ou triplicar pelas necessidades que tem esse tipo de população.
Temos actualmente 36 técnicos superiores de diagnostico e terapêutica e somos o agrupamento da ARS que tem mais efectivos. Se me pergunta se são suficientes, não são, mas temos uma boa rede de fisioterapia em que as nossas unidades de cuidados continuados vão a casa e tentam garantir resposta para muita da população acamada.
Temos uma rede de cuidados paliativos insuficiente, mas há alicerces para que as coisas se possam desenvolver.

FILIPE MENDES

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