A propósito dos 44 anos do Serviço Nacional de Saúde, que se assinalam na sexta-feira, dia 15, o Correio do Ribatejo esteve à conversa com Carlos Cortes, bastonário da ordem dos Médicos.

Nesta entrevista, o responsável máximo da OM reflecte sobre a importância do SNS para o País que, nas suas palavras, foi “a materialização de um sonho de liberdade e esperança” e fala dos desafios futuros, em particular da “grande reforma” anunciada pelo Governo para Janeiro de 2024, com a criação de 31 Unidades Locais de Saúde.

Quais são as maiores conquistas em termos de cuidados de saúde que o SNS alcançou ao longo destes 44 anos, na perspectiva da Ordem dos Médicos?

O Serviço Nacional de Saúde (SNS) é uma das grandes conquistas da democracia portuguesa e um pilar fundamental na resposta aos cuidados de saúde das populações, na promoção do bem-estar dos cidadãos, na longevidade e na redução das desigualdades.

Afirma-se, assim, como um factor de estabilidade e de coesão social sem igual. Podemos pensar que qualquer outro sistema de saúde poderia ter garantido o desenvolvimento dos cuidados de saúde devido à evolução científica, ao progresso tecnológico e médico. Mas a realidade é que foi o SNS que encurtou distâncias entre as zonas mais periféricas e desprovidas de acesso aos cuidados de saúde; foi o SNS que criou um sistema de equidade de acesso em que todos, ricos ou pobres, têm acesso aos mesmos cuidados; foi o SNS que possibilitou que todas as doenças, mais ou menos complexas, fossem tratadas permitindo uma esperança de vida além dos 80 anos, facto impensável há 40 anos. O SNS foi a materialização de um sonho de liberdade e esperança que, apesar das dificuldades, continua a ser uma chama viva da democracia.

Quais os principais desafios enfrentados pelos médicos em Portugal no contexto do SNS, especialmente em relação à qualidade dos cuidados de saúde e à disponibilidade de recursos?

O acesso universal à saúde e a qualidade dos cuidados prestados, deve ser garantido, em primeiro lugar pelo SNS, independente da localização, situação económica ou social do doente, ou da pessoa saudável, já que, actualmente, é mais importante prevenir ou impedir a doença do que tratá-la. O SNS deve estar na vanguarda da promoção de uma vida saudável e da prevenção das doenças.

Nos últimos anos, no entanto, temos assistido a uma degradação do SNS a ritmo acelerado, com efeitos nefastos para os portugueses. As dificuldades acentuam-se e reflectem-se no atraso das consultas e cirurgias, na pressão sobre os serviços de urgência e na desmotivação dos médicos.

A total ausência de uma visão estratégica do Ministério da Saúde para o sector que tutela inviabiliza qualquer reforma séria do SNS. A sociedade mudou, as condições socioeconómicas alteraram-se, a medicina evoluiu, mas o SNS tem tido uma notória incapacidade de se adaptar a estas novas exigências.

A falta de médicos tem sido uma preocupação constante. Como a Ordem dos Médicos vê essa questão e quais são as soluções propostas?

Apesar de serem os principais responsáveis pela criação e manutenção actual do nosso SNS, os médicos não têm sido respeitados nem devidamente valorizados pela tutela. É imperioso inverter esta tendência e, de uma vez por todas, investir na carreira, na formação e em condições de trabalho dignas. O Ministério da Saúde deveria ser o primeiro a dignificar as profissões da área da saúde, e em particular os médicos através de uma Carreira Médica estruturada, com progressão pelo mérito e responsabilidade, e de condições específicas para a formação contínua e acesso a programas de investigação. É incompreensível, a total ausência de reconhecimento do papel dos médicos durante aquela que foi a maior crise sanitária dos últimos 100 anos, a pandemia COVID-19.

Não é o reconhecimento em si que importa, mas a definição clara do papel do médico no sistema de saúde.

De que forma a pandemia da COVID- 19 afectou a prática médica em Portugal e quais são os impactos a longo prazo que a Ordem dos Médicos antecipa?

A pandemia de COVID-19 veio expor as fragilidades do SNS, mas também mostrou a dedicação e o compromisso dos médicos. É crucial reconhecer e valorizar o seu trabalho, que tem estado sistematicamente na linha da frente em qualquer circunstância ou dificuldade. É necessário garantir-lhes as condições adequadas de trabalho, bem como a protecção da sua própria saúde e bem-estar.

O acesso equitativo aos cuidados de saúde é um dos princípios fundamentais do SNS. Como é que a Ordem dos Médicos avalia a equidade no acesso aos serviços médicos em Portugal?

A aposta nos cuidados de saúde primários, a prevenção da doença e a promoção da saúde têm de ser prioridades máximas das reformas implementadas doravante.

Assim como a captação e fixação de médicos no SNS, essenciais para a formação adequada dos futuros especialistas. Infelizmente, de ano para ano, assistimos a um aumento exponencial de utentes sem médico de família, causando uma pressão incontrolada sobre os serviços de urgência.

O Serviço Nacional de Saúde sofre uma “grande reforma” a partir de Janeiro de 2024 com a criação de 31 Unidades Locais de Saúde (ULS), que se juntam às oito já existentes. Qual é a opinião da OM acerca deste assunto?

Em relação às ULS, a Ordem dos Médicos não foi ouvida sobre o tema e, portanto, não conhece a proposta em detalhe.

No entanto, se a proposta da DE-SNS for apenas replicar o modelo actual, que, salvo raras excepções, não funciona, vemos esta proposta com grande preocupação.

Queria recordar que aquilo que foi anunciado como a maior reforma do SNS não passa de uma proposta já conhecida, criada em 1999, e que não tem cumprido com os objectivos de mais acesso aos cuidados de saúde, de aproximação entre os cuidados hospitalares e primários e de atracção e fixação dos médicos no SNS.

Se o alargamento das ULS para todo o país, estiver baseado no actual modelo de ULS já existente em Portugal, tratar-se-á de um naufrágio anunciado.

Qual é a mensagem que a Ordem dos Médicos gostaria de transmitir à população portuguesa por ocasião dos 44 anos do Serviço Nacional de Saúde?

Embora a Ordem dos Médicos esteja apreensiva com o estado actual do SNS, o que pretendia deixar como mensagem é um sinal de esperança, de dedicação à causa da Saúde, de proximidade dos cuidados em que precisa deles, mas sobretudo de mais humanização no SNS.

Além disso, é fundamental promover a participação activa dos médicos, de todos os profissionais e da comunidade na gestão do SNS, através de mecanismos de consulta e de envolvimento da sociedade civil. Os utentes devem ter voz nas decisões que afectam a sua saúde e devem ser tratados como parceiros no processo de cuidados de saúde.

O SNS é uma conquista da democracia portuguesa que deve ser preservada e fortalecida. É necessário investir na sua melhoria contínua, ouvindo as necessidades dos profissionais de saúde e dos utentes, e promovendo uma cultura de humanização e de qualidade nos cuidados de saúde. O SNS é um património de todos os portugueses e devemos trabalhar em conjunto para o seu sucesso e sustentabilidade.

FM

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