Celestino Graça, cuja obra, pela sua relevância e grandeza, ainda hoje é referencial em toda a região, faleceu, aos 61 anos de idade, no dia 24 de Outubro de 1975. Cumprem-se este ano cinquenta anos!

Nascido a 9 de Janeiro de 1914, na aldeia do Graínho, concelho de Santarém, Celestino Pedro Louro da Silva Graça concluiu o curso de Regente Agrícola com apenas dezoito anos de idade, dando, assim, início a uma actividade profissional relacionada com o mundo rural, que, de facto, constituía o seu grande universo. 

Celestino Graça exerceu funções técnicas em Sintra, nas Caldas da Rainha e em Santarém, integrando a X Brigada Técnica Agrícola, onde assumiu grande relevância na formação técnica de tractoristas e de podadores de olival, para além, essencialmente, da introdução da cultura do cânhamo em Portugal, de que foi um dos maiores especialistas, tendo publicado diversos trabalhos científicos sobre este tema, nomeadamente, o livro intitulado “A Cultura do Cânhamo”, nº 1 da colecção agrícola “A Terra e o Homem”, dirigida por Henrique de Barros, publicado em 1945 pela Livraria Sá da Costa..

Celestino Graça integrou em 1954 a Comissão da Feira do Ribatejo, como Secretário-geral, passando a assumir a maior proeminência na projecção deste evento regional – onde, igualmente, pontificavam as figuras ilustres do Vereador Caetano Marques dos Santos e do Dr. Luís Hilário Barreiros Nunes, Intendente da Pecuária de Santarém, entre outros. Apenas dez anos volvidos sobre a edição inicial foi reconhecida a sua importância com a elevação a Feira Nacional de Agricultura. A organização de qualificadas jornadas técnicas, a exposição da mais moderna maquinaria agro-pecuária, a exposição e concursos de efectivos pecuários, a par da animação cultural e artística deste certame, que em cada ano se via mais consagrado além-fronteiras – o que teve expressão na representação oficial de diversos países, com stands próprios – catapultou este evento para uma projecção internacional.  

No ano de 1964, mais concretamente no dia 7 de Junho, procedeu-se à inauguração da Praça de Toiros de Santarém, o maior e mais moderno tauródromo nacional, que passou a ser palco privilegiado dos mais mediáticos eventos taurinos no nosso país, pedindo meças à carismática Praça de Toiros do Campo Pequeno.

Aqui se apresentaram as mais mediáticas figuras do toureio a nível nacional, tanto a pé como a cavalo, o que levou a que muitos considerassem a praça de toiros de Santarém como a “Praça das Consagrações”, porém Celestino Graça nunca deixou de olhar para o futuro e privilegiou também a presença de jovens figuras do toureio, que despertavam o interesse dos aficionados, pelo que o tauródromo escalabitano passou a ser designado também, e com inteira propriedade, como a “Praça das Revelações”. Com o seu dinamismo na construção da praça, para o que conseguiu agregar muitas e preciosas colaborações, e com a gestão da praça durante seis temporadas, foi possível angariar consideráveis montantes financeiros para apoiar a acção solidária da Santa Casa de Misericórdia de Santarém.

Celestino Graça, que estimulou a criação de ranchos folclóricos nos diversos concelhos ribatejanos, criou ele próprio alguns agrupamentos, entre os quais o Rancho Folclórico dos Pescadores do Tejo, nas aldeias avieiras das Faias e dos Cucos, na freguesia de Benfica do Ribatejo, concelho de Almeirim, o Rancho Folclórico do Bairro de Santarém, do Graínho e Fontainhas, e os Grupos Infantil de Dança Regional e Académico de Danças Ribatejanas, na cidade de Santarém, fundando, ainda, no âmbito da Feira do Ribatejo, em 1959, o Festival Internacional de Folclore de Santarém, que contribuiu decisivamente para a projecção do folclore ribatejano no estrangeiro e estimulou a criação de grupos folclóricos em todo o país, com o objectivo de se apresentarem nos festivais da Feira.

Celestino Graça, por força do seu contacto muito assíduo com as populações rurais, aprendeu a respeitar a mundivisão desta gente popular e compreendeu que as diferenças que desvendava ao nível das suas características comportamentais e dos seus padrões culturais decorriam espontaneamente da sua realidade familiar, dos respectivos contextos sócio-profissionais e ainda das especificidades naturais das distintas regiões etnográficas.

Beneficiando dos seus conhecimentos técnicos ao nível da agricultura ribatejana, subdividida nas regiões do Bairro, do Campo e da Charneca, Celestino Graça compreendeu a importância dos factores ligados ao regime fundiário – latifúndio e monocultura versus minifúndio e policultura – e as relações de trabalho praticadas na região, nomeadamente os camponeses que trabalhavam à jorna, os camponeses que estavam justos às casas agrícolas e os ranchos de fora que sazonalmente procuravam trabalho no Ribatejo.

Estes aspectos revelaram-se determinantes para a caracterização do “modus vivendi” da população de cada uma destas sub-regiões e permitiram a Celestino Graça, mercê da sua perspicácia, encontrar um nexo de causalidade entre a forma distintiva de trajar num e noutro lado, bem assim como o dinamismo e voluntariedade das danças da Lezíria e o repouso e harmonia do baile do Bairro.

Esta nova interpretação do folclore ribatejano e o grau de exigência que Celestino Graça requeria à sua própria acção, e que recomendava aos fundadores de outros ranchos folclóricos na região, levou o conceituado etnógrafo Augusto do Souto Barreiros (1922 / 2012), um dos mais esclarecidos folcloristas ribatejanos, a considerar que houve um tempo anterior a Celestino Graça e o tempo de Celestino Graça. Eloquente!

E não temos quaisquer dúvidas em relação à justeza desta afirmação ainda hoje tão actual, posto que não obstante a evolução técnica ocorrida no folclore nacional, sobretudo a partir de 1977, com a constituição da Federação do Folclore Português, os pressupostos de Celestino Graça mantêm-se adequados ao grau de exigência para com os ranchos e grupos que buscam um satisfatório nível de representatividade etnográfica e folclórica, pelo que se nos afigura legítimo considerarmos que ainda vivemos o tempo de Celestino Graça.

Esta constatação constitui a melhor homenagem que poderemos prestar à memória deste notável ribatejano no dia em que se assinala o 50.º aniversário sobre a data do seu infausto falecimento, contudo, alegra-nos a convicção de que, conforme consignou o Príncipe dos nossos Poetas, Celestino Graça integra o reduzido grupo d’“aqueles que por obras valerosas / Se vão da lei da morte libertando”.

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