Especial 130 anos do Jornal Correio do Ribatejo

A Orquestra Típica Scalabitana formou-se em 1946, mas foi em Março de 1947 que se integrou no Orfeão Scalabitano, como uma das suas secções. O maestro António Gavino, jovem músico amador e autodidacta, de 23 anos de idade, portador de um filão criador inexplorado até então, foi o seu fundador.

Criador da famosa “Marcha Ribatejana”, António Gavino imprimiu à orquestra o seu cunho pessoal, a filosofia de um estilo, tendo conseguido a continuidade da música popular e regional do Ribatejo. Em 1996, a Câmara Municipal de Santarém atribui-lhe a Medalha de Ouro da Cidade, no seu 50.º aniversário.

Hoje, a Orquestra Típica Scalabitana é constituída por orquestra e coro misto; tem cerca de quarenta elementos, com idades compreendidas entre os 12 e os 65 anos
Em palco, ouvem-se bandolins, flautas, acordeões, violas, violões e bateria. Todos se apresentam em público com trajes típicos do Ribatejo.

A Orquestra apresentou-se aos sócios do Orfeão no Ginásio do Seminário a 27 de Março de 1947 e ao público três meses depois no teatro Rosa Damasceno. Pela primeira vez, criou-se o papel do apresentador que foi atribuído ao amador do grupo cénico do Orfeão, Joaquim Campos, substituído no início da década de 50 pelo actor amador Carlos Mendes. Os elementos masculinos vestiam camisa branca, calça preta e cinta vermelha, que substituiu o colete preto dos primeiros concertos, enquanto a vocalista trajava vestido de noite comprido. Se a Orquestra representava “o melhor do Ribatejo”, os seus elementos deviam corporalizar esse espírito regional.

Com sete trabalhos discográficos editados, a Orquestra Típica Scalabitana, apresenta-se em palco, desde 1948, e na sequência de uma ideia de Salvador Supardo, com os seus elementos vestidos com o traje típico ribatejano, o traje à Campino, o que em muito ajuda no colorido visual da sua presença em palco.

A partir de 1949, e com o aumento do número de vocalistas, estas passaram a vestir saia vermelha plissada, avental bordado, blusa colorida e lenço na cabeça conforme usavam as mulheres da zona da lezíria, naquilo que é conhecido como “traje à moda de Almeirim”. Os vocalistas trajavam “à campino” tal como os instrumentistas, enquanto os maestros passaram a vestir o fato domingueiro usado pelos grandes proprietários da região. Só a partir da década de 60 é que os trajes passaram a representar o Ribatejo do bairro à lezíria passando pela charneca.

A Orquestra Típica Scalabitana tornou-se, então, uma assídua participante em saraus de carácter regionalista como representante do Ribatejo.

Recuando no tempo, no ano de 1950, a orquestra já contava com 26 executantes e actuava pelas principais cidades do País, estreando nesses espectáculos êxitos que perduraram até aos nossos dias, pelas vozes emblemáticas de solistas como Matilde Gavino, irmã do Maestro, Maria José, Manuel Afonso, Adelaide dos Anjos ou Hélder Santos.

Em 1953 acontece a entrada de Nazareth Barbosa como apresentador, ajudando também na criação dos versos e canções com o seu amigo Casimiro Silva, maestro da Orquestra na altura, substituindo o fundador da Orquestra, o Maestro Gavino. A Orquestra continua o seu merecido crescimento, concretizando várias dezenas, evoluindo até às centenas de espectáculos por ano, nas principais salas do País, nos mais importantes programas de televisão da época.

Manuel Coelho e Luís Rodrigues da Direcção da Orquestra Típica Scalabitana

A tão esperada internacionalização chega apenas em 1985, com a presença em França no Festival de Orquestras de Cordas de Longjumeau, apresentando-se com uma composição de 60 executantes, e ainda em países como Espanha e França, incluindo o Parlamento Europeu em Estrasburgo, a convite do então euro-deputado Pedro Canavarro.

Os primeiros acordes ouvidos na sala, sob a exímia interpretação da orquestra Típica Scalabitana, pertenciam à “Marcha Ribatejana” (A. Gavino), um dos temas mais importantes do seu currículo, que em inúmeras vezes tem sido apresentado como o “hino do Ribatejo”.

Entre outros nomes que passaram pela direcção da Orquestra, contam-se o de Casimiro Silva, Luís Gomes, David Costa, ou Víctor Bonjour, mas é em António Gavino que a Orquestra encontra um “pai”. Passados 50 anos da história da orquestra, o Maestro Gavino decide cessar a actividade e apenas por votação, este projecto continuou tendo conhecido um compasso de hesitação pela saída do Maestro. Mas o projecto continuou e continua a afirmar-se.

Manuel Coelho é uma espécie de homem dos sete instrumentos da OTS: ajuda a montar palcos, é solista, canta no coro, faz a apresentação e está na direcção há três mandatos. Entrou para a OTS em 1981, através de Armando Paulo.

“Vim para Santarém em 1972 e, como sempre gostei de cantar fado – inclusive cantava na Feira do Ribatejo – um dia fui convidado a vir para a OTS, uma vez que também tinha cantado num orfeão na minha terra natal, Viseu”, recordou ao nosso jornal.
“Depois, o maestro achou que eu poderia ter uma oportunidade a cantar como solista e começou a escrever temas mais voltados para a vertente do fado. Na altura, só a Dilma Melo actuava nesse registo”, continuou.

Com uma ligação de mais de três décadas à OTS, Manuel Coelho conviveu também com o Maestro Gavino, fundador da OTS, e recorda que este ensaiava o coro à parte: “Sentava-se ao piano, separava os naipes de vozes e dava as melodias porque nós não cantamos por pauta. Quando estava tudo afinado, começava a colocar a orquestra e juntava tudo no fim”, explicou.

A OTS é uma orquestra com pergaminhos internacionais e que se sente muito bem “em casa” nas actuações por todo o Ribatejo: “na nossa terra, sentimo-nos muito à vontade porque partilhamos todos a mesma vivência. Toda a gente sabe o que é a Lezíria, o Bairro, o Olival e o Tejo. Se vamos para outras zonas do país, a forma de estar tem de ser outra. Tem de haver uma explicação melhor para o público apreender melhor a mensagem das letras”, explicou.

Sentem-se embaixadores das tradições ribatejanas e da cultura portuguesa no seu todo: “quando actuarmos no estrangeiro, sabemos que vamos encontrar sempre cidadãos nacionais. E as pessoas aparecem muito nos espectáculos. Temos de estar bem para não frustrar estas expectativas. E, nesse aspecto, principalmente em França, sentimos um apoio muito grande da comunidade emigrante”, referiu.

A Orquestra Típica Scalabitana celebrou no passado dia 19 de Março os seus 75 anos de vida, num ano em que a pandemia obrigou a uma “travagem a fundo” no trabalho que estava a ser desenvolvido.

Contudo, Luís Rodrigues, director da OTS, está confiante no futuro, sendo que está na calha, para breve, o lançamento de mais um CD: “queremos chegar o mais longe possível e “gritar” bem alto: “Continuamos Aqui”.”

“Pela OTS passaram centenas de pessoas que foram dando corpo a este projecto que é para continuar”, garante, afirmando que a OTS personifica a “Alma Ribatejana”.
“Tirando a Típica e um ou outro Rancho Folclórico, já não existem muitos outros símbolos deste nosso Ribatejo do qual já não se ouve falar em lado nenhum”, constata.
Segundo nos transmitiu, a orquestra tem ainda no seu espólio um vasto reportório que ainda não foi trabalhado: “acredito que nos próximos anos não se vai esgotar, e espero que os jovens consigam abrir aqueles dossiers, que têm homens a falar do Ribatejo como ninguém, como Nazareth Barbosa”, disse.

Para o futuro, Luís Rodrigues quer que a Típica continue em actividade: “Eu acredito que, depois desta fase, a OTS terá de se repensar. Não no sentido do seu formato, mas sim na forma de promover mais espectáculos e de outro tipo, para cativar outros públicos. Os apoios públicos são quase inexistentes actualmente e teremos, por isso, de procurar outras formas de financiar o projecto”, reflectiu.

Por outro lado, refere, é intenção apostar em ‘sangue novo’: “é importante atrair a juventude para que agarre a OTS”, refere, acrescentando: “o papel dos jovens é muito importante no futuro da nossa Orquestra, mas este é um problema que temos vindo a enfrentar, com a falta de jovens a integrar o nosso grupo. Pese embora diversas formas já activadas para captação, nomeadamente através de outros jovens que integram o nosso grupo, convites a assistência a ensaios ou concertos como veículo de motivação, ficamos a aguardar que compareçam”.

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