Quando há três anos iniciámos as nossas funções estávamos certos de que os cuidados paliativos eram, no panorama da saúde em Portugal, uma aposta ainda por concretizar, muito embora desde 2012 existisse uma Lei de Bases, que consagra e regula o direito de todas as pessoas aos Cuidados Paliativos.

Sentíamos há muito essa necessidade, num sentimento de que as pessoas quando confrontadas com a doença grave, progressiva e incurável, são muitas vezes circundados de cuidados curativos quando já não existe qualquer benefício e finalmente abandonados num irremediável “não há nada a fazer”, repleto de mitos, num quadro de intenso sofrimento global para os próprios e suas famílias.

Eram, no entanto, passos frágeis os nossos, marcados pela insegurança de uma equipa cheia de esperança, com as dificuldades próprias da implementação de um novo serviço e grandes constrangimentos em recursos humanos, mas dispostos a promover o bem-estar e qualidade de vida daqueles a quem nos dedicávamos.

Ao longo deste tempo, fomo-nos afirmando e empoderando em conhecimento e capacidade de estar, entendendo a pessoa na sua globalidade no plano físico, psíquico, social e espiritual, com vista ao alívio do sofrimento e à melhor dignidade do fim de vida. Por vezes vencidos pela fadiga por compaixão, mas na certeza de que conseguimos proporcionar alívio e vivências menos cruéis às famílias.

Criada em maio de 2018, a ECSCP do ACES Lezíria, acompanhou até agora cerca de 360 doentes e suas famílias em resposta assistencial no concelho de Santarém e em consultoria na área de abrangência do mesmo. A equipa está atualmente sediada na Unidade de Saúde de São Bento, mas a especificidade da sua intervenção continua a ser o domicílio dos seus utentes, assegurando diariamente os cuidados.

A este nível – Cuidados de Saúde Primários já muito foi feito, contudo, a equipa apenas consegue dar resposta a uma parte da população do ACES Lezíria. Tem no entanto a ambição de poder alargar os seus cuidados a um maior número de pessoas, ampliar os tempos de atendimento em continuidade, numa resposta cada vez mais ajustada às necessidades.

Hoje, olhando para a realidade dos utentes que acompanhamos, para os momentos que vivemos com as famílias e para a importância a que esses se referem, sempre que conseguimos tornar mais fácil, mais tranquilo e sobretudo mais humano o fim de vida, já não nos imaginamos sem tudo fazer para conseguir o controlo dos sintomas mais difíceis, a dor, o mal-estar. Não nos imaginamos sem a presença da família nos últimos momentos da vida, sem a oportunidade para efetuar a revisão de vida, sem os tempos que passamos com eles, que apoiamos na tomada de decisões e também na facilitação das vivências de luto.

Se antes o imaginámos, hoje, com tudo o que aprendemos ao longo destes 3 anos, é-nos cada vez mais difícil pensar que os nossos utentes poderiam não ter o que consideramos essencial para um fim de vida digno, mas, na verdade os Cuidados Paliativos ainda não são uma realidade para todos.

Se pensarmos que se recomenda a existência de pelo menos uma Equipa Comunitária de Suporte em Cuidados Paliativos por cada ACES, ou para cerca de 150000 habitantes e se previa que em Portugal existissem, no final de 2020, 54 equipas, quando se antecipa que venham a aumentar o numero de pessoas com necessidades paliativas e quando nós próprios apenas conseguimos dar resposta a um numero muito limitado de pessoas, inquietamo-nos.

Afinal o sofrimento, o desespero, o remeter para a frieza de uma cama de hospital, é a realidade da generalidade das pessoas, talvez ainda a nossa realidade.

O ACES Lezíria e Santarém encontram-se, assim, relativamente bem posicionados neste quadro nacional. No entanto, é muito importante que, a nível local, não seja esquecido o papel que a comunidade pode ter quer no despertar de mentalidades, quer no envolvimento da sua população em novas propostas, como sejam o apoio espiritual da comunidade, a abertura a voluntariado, a adesão ao movimento das comunidades compassivas gerando, nesta rede de apoio, um dinamismo e um valor que a comunidade em si mesma desconhece.

Fátima Triguinho Lopes – Psicóloga
Equipa Comunitária de Suporte em Cuidados Paliativos da Lezíria

Leia também...

‘Carta à minha mãe’, por Pedro Carvalho

Querida mãe,Desde o dia 20 de agosto de 2017, aconteceram muitas coisas…

‘Morrer sozinho’, por Pedro Santos

Opinião.

‘Morrer de Amor’, por Teresa Lopes Moreira

Este fim-de-semana cumpre-se o ritual secular de homenagear os defuntos. Os cemitérios…

Da passadeira vermelha para a passadeira da estrada

Atravessar uma estrada tem riscos e é matéria da educação básica de…