Cumpre-se hoje, dia 22 de Agosto o 101.º aniversário do nascimento do nosso saudoso Amigo João Gomes Moreira. Que só morre quem é esquecido ensina-nos a proverbialidade do nosso povo, o que nos permite evocar a admiração que mantemos por um Amigo que vimos embarcar na sua derradeira viagem, não obstante o vazio que sempre nos acompanha pela perda do seu convívio pessoal, tão próximo e intenso.

João Gomes Moreira, que morreu aos 95 anos na plenitude das suas faculdades intelectuais, é um dos Amigos que nos faz muita falta e com quem as conversas nunca acabaram, pois, os assuntos e os pretextos eram inesgotáveis. Tive a sorte de o ter tido como Amigo, mas igualmente como mestre e uma espécie de irmão mais velho, embora tivesse idade para ser meu pai.

Muito do pouco que sou lho fico a dever a ele e a outros Amigos com quem tive o privilégio de me cruzar no tempo que levo desta existência. Celestino Graça, António Cacho, Prof. Joaquim Veríssimo Serrão, Augusto Gomes dos Santos, José Maria Marques, Bertino Coelho Martins e Augusto Souto Barreiros, entre alguns outros da minha geração, são os amigos que mais contribuíram para a minha formação cívica e cultural, pelo que a atitude de permanente homenagem e gratidão não são nada mais do que o tributo que sinto que lhes devo prestar.

Porém, o relacionamento que mantive com João Moreira foi mais intenso, foi até cúmplice, pois as circunstâncias da vida proporcionaram-nos uma maior proximidade e um infinito companheirismo. Quando Celestino Graça morreu, quase há meio século, João Moreira sucedeu-lhe em algumas das suas funções, nomeadamente na direcção do Festival Internacional de Folclore de Santarém e no CIOFF – Conseil International des Organizateurs de Festivals de Folklore.

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Por esse tempo já eu acompanhava Celestino Graça e passei então a seguir as pisadas de João Moreira, integrando pela primeira vez a Comissão Organizadora do Festival de Santarém no ano de 1977. O facto de ser então um dos responsáveis pelos Grupos Infantil de Dança Regional e Académico de Danças Ribatejanas – ambos fundados e dirigidos até à hora da sua morte por Celestino Graça – impôs-me um frequente aconselhamento com João Moreira, dada a sua reconhecida experiência no meio.

Desde então, em Lisboa, onde João Moreira vivia e trabalhava, ou em Santarém, durante os fins-de-semana que aqui passava, o contacto era assíduo. Havia sempre coisas a conversar e, embora nem sempre estivéssemos de acordo em relação a alguns aspectos, havia sempre muitos ensinamentos que retinha dos seus judiciosos conselhos. Pelo país, em reuniões da Federação do Folclore Português ou em diversos festivais de folclore, deslocávamo-nos juntos partilhando esse tempo para aprofundar a tão aliciante matéria que a ambos apaixonava.

João Moreira não era um folclorista devotado às práticas da investigação etnográfica no terreno, mas detinha uma excepcional cultura geral e apreendia tudo com a maior das facilidades, caldeando a sua sabedoria com os conhecimentos que resultavam da sua infância passada ora em Santarém, ora em Vila Nova de S. Pedro, terra de seu querido pai, pelo que estas conversas eram sempre muito profícuas.

Onde João Moreira deu cartas como ninguém foi na interacção fácil e muito afectuosa com os grupos folclóricos, nacionais ou estrangeiros, gerando uma empatia extraordinária, pelo que acompanhar o João Moreira em qualquer festival, no país ou no estrangeiro, era uma experiência singular. O curso de Turismo que fez no Instituto das Novas Profissões, em Lisboa – onde conheceu o Prof. Tomaz Ribas – foi especialmente importante, pois permitiu-lhe conciliar a teoria aprendida no Instituto com as suas qualidades inatas de um homem de elevada formação cívica e com uma enorme facilidade em falar diversas línguas estrangeiras. Mas acompanhar o João Moreira era também uma constante animação, pelas mais surpreendentes situações em que tantas vezes nos víamos envolvidos.

Ainda hoje, tantos anos passados sobre esses tempos áureos do João Moreira, é notória a sua influência na maioria dos festivais internacionais de folclore que se realizam no nosso país, pois este saudoso Amigo estava sempre disponível para ajudar em qualquer pormenor e aconselhar quem se lhe dirigia com a maior das franquezas, sendo que, igualmente, não deixava de tecer alguns reparos em relação ao que lhe parecia menos bem. Mas, a forma como o fazia e, sobretudo, a intenção positiva com que o fazia, tornavam-no sempre muito apreciado.

Várias vezes presenciei o pedido de diversos directores de festivais a que ambos assistíamos, mesmo apenas a título pessoal, para que quando possível lhes enviasse um pequeno memorando com aquilo que lhe parecesse menos conseguido, pois queriam valorizar a sua realização e não desdenhavam a oportunidade de ouvir o Mestre a dizer de sua justiça.

Influenciado por estes pedidos, João Moreira preparou uma comunicação sobre a organização de festivais de folclore, onde esmiuçava com o detalhe que lhe era peculiar desde a ideia de organizar um evento desta natureza até à ocasião de fazer o balanço sobre a forma como tudo tinha acontecido. Esta comunicação era tão interessante que o próprio Prof. Tomaz Ribas – então Director do Gabinete de Etnografia do INATEL e mais tarde representante do nosso país no CIOFF – o convidou para apresentar este trabalho nos Cursos de Formação e Reciclagem de Directores e Ensaiadores de Grupos Folclóricos, o que fez com enorme sucesso.

Como continuo a participar em diversos fóruns onde o folclore constitui a componente fundamental da sua realização, a lembrança de João Moreira continua sempre viva, pelo que com toda a propriedade se pode dizer que só morrem os que são esquecidos. E posso garantir que o nosso Amigo João Moreira continua bem presente nas nossas reuniões.

Evocar uma personalidade como João Moreira, ainda que apenas a nível do folclore, é tarefa árdua e ingrata na medida em que, por mais que o tentemos, nunca conseguimos abordar satisfatoriamente a sua intensa e diversificada acção nas áreas da cultura, do património, das artes, da música, do espectáculo e da cidadania. O conhecimento enciclopédico do João Moreira era uma das suas mais-valias, pois não havia conversa que alimentássemos em que este nosso Amigo não interviesse com sensatos e pertinentes contributos.

O tempo esvai-se muito celeremente, o que torna mais distante a convivência com este saudoso Amigo, mas em vésperas de mais uma edição do Festival Celestino Graça a sua ausência torna-se mais notada. Sermos Amigos de João Moreira é uma honra e um orgulho que o tempo e a saudade não logram reduzir e muito menos matar!

Obrigado, João Moreira!

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