A pobreza no distrito de Santarém foi esmiuçada esta terça-feira, 10 de Setembro, numa sessão pública que juntou no auditório da Escola Superior de Gestão e Tecnologia do Instituto Politécnico de Santarém vozes institucionais, especialistas e representantes da sociedade civil. A iniciativa, promovida pela EAPN Portugal em parceria com o Politécnico, abriu com discursos que sublinharam a importância da proximidade, da educação e do trabalho em rede, seguiu com a apresentação da Infografia Social e Territorial — que traça um retrato detalhado da realidade socioeconómica da região — e culminou numa mesa redonda onde os números foram confrontados com a prática quotidiana das comunidades intermunicipais, da academia e de projectos locais. Três momentos que, em conjunto, revelaram um diagnóstico partilhado: é preciso transformar estatísticas em acção, políticas em soluções e conhecimento em respostas concretas para as desigualdades sociais.
A Escola Superior de Gestão e Tecnologia do Instituto Politécnico de Santarém acolheu esta terça-feira, 10 de Setembro, a sessão pública de apresentação da Infografia Social e Territorial do Distrito de Santarém, uma iniciativa promovida pelo Núcleo Distrital da EAPN Portugal, em parceria com o Instituto Politécnico de Santarém.
Na abertura dos trabalhos, Sérgio Cardoso, presidente da ESGT, sublinhou a importância da intervenção próxima das comunidades. “A intervenção na proximidade, naquilo que nos é próximo, é certamente mais bem-sucedida. A coisa mais transformadora que temos, do ponto de vista da sociedade, é capacitar as pessoas, os jovens e os menos jovens”, afirmou, destacando o papel inquestionável do Politécnico de Santarém no território.
Seguiu-se a intervenção de Joaquina Madeira, presidente da EAPN Portugal, que traçou um retrato preocupante do país. Recordou que “em Portugal, cerca de 2 milhões de pessoas estão em risco de pobreza, e 1 milhão e 700 mil vivem com rendimentos inferiores a 630 euros por mês”. Para a responsável, o combate exige acção concertada em vários níveis: macro (políticas públicas), meso (organizações) e micro (comunidades). “A pobreza não é um problema exclusivo dos pobres, é um problema da sociedade e o Estado é o primeiro responsável pela sua erradicação”, frisou, concluindo com uma citação que marcou o auditório: “Pobreza não é só a falta de pão, é a falta de justiça e de dignidade.”
Em representação do município, Alfredo Amante, vice-presidente da Câmara de Santarém, reforçou a necessidade de conhecimento e planeamento partilhado. “Sem conhecimento não é possível planear, estruturar ou criar modos de trabalho que sejam eficazes. Ninguém faz nada isoladamente. Cada vez mais temos de formar equipas e parceiros”, defendeu, assegurando que a autarquia será sempre parceira neste processo.
O ciclo de intervenções encerrou com Pedro Oliveira, docente da ESGT, que trouxe a perspectiva académica sobre o papel da sociedade civil. “As entidades públicas, privadas e da economia social devem trabalhar em rede, de forma intencional, para influenciar a agenda política”, apontou, salientando ainda que “o materialismo tomou conta das políticas públicas, também na área social”.
A sessão prosseguiu com a apresentação dos dados actualizados pelo Observatório Nacional de Luta Contra a Pobreza, que estarão disponíveis em breve online, e incluiu ainda a assinatura de um protocolo entre o Fórum da Cidadania pela Erradicação da Pobreza do distrito de Santarém e a EAPN Portugal.
Infografia Social traça retrato do distrito de Santarém: “Trabalhar não é condição suficiente para sair da pobreza”
A apresentação pública da Infografia Social e Territorial do Distrito de Santarém, promovida pelo Núcleo Distrital da EAPN Portugal em parceria com o Instituto Politécnico de Santarém, trouxe esta terça-feira, 10 de Setembro, ao auditório da Escola Superior de Gestão e Tecnologia um retrato aprofundado da realidade social do território. A análise foi conduzida por Ana Isabel Teixeira, investigadora do Observatório Nacional de Luta Contra a Pobreza, que sublinhou a importância de transformar números em conhecimento acessível e útil para comunidades, instituições e decisores.
“O limiar de pobreza em Portugal está fixado nos 633 euros mensais. Quem vive abaixo deste valor está em risco de pobreza”, recordou, explicando que, embora a região Oeste e Vale do Tejo — que integra Santarém — registe uma taxa de pobreza de 16,6%, abaixo da média nacional, os números não contam toda a história. “A pobreza não se mede apenas pelo rendimento. É preciso olhar para as condições reais de vida das pessoas”, acrescentou.
Entre os indicadores destacados, surgem as taxas de privação material e social severa, que avaliam se os cidadãos conseguem fazer face a despesas básicas como aquecer a casa, comprar roupa ou pagar uma refeição adequada. Outro dado revelador é a intensidade laboral per capita muito reduzida: há agregados familiares em que, apesar da existência de trabalho, os rendimentos não chegam para ultrapassar a linha de pobreza. “Trabalhar não é condição suficiente para sair da pobreza. Há pessoas empregadas que continuam pobres”, sublinhou.
A taxa compósita de pobreza ou exclusão social para a região é de 19,1%, em linha com a média nacional. Ainda assim, a análise mostra desigualdades: concelhos como Mação registam mais de 500 idosos por cada 100 jovens, enquanto outros enfrentam dinâmicas de densidade populacional muito distintas, como o Entroncamento e a Chamusca.
Outro dado relevante é o crescimento da população estrangeira. Entre 2021 e 2022, aumentou 13,9% no distrito, e de 2022 para 2023 voltou a crescer quase 40%, com destaque para a comunidade brasileira. Segundo Ana Isabel Teixeira, este grupo é particularmente vulnerável: “A taxa de pobreza ou exclusão social na população estrangeira extra-comunitária atinge os 30%, bem acima da média nacional de 19,7%.”
Na área da educação, verificou-se uma progressiva escolarização da população, com a subida do número de residentes com ensino secundário e superior. Contudo, 13,6% continuam sem qualquer nível de escolaridade concluído e quase um quarto da população tem apenas o 1.º ciclo do ensino básico.
Os dados do mercado de trabalho e do rendimento confirmam as fragilidades. Mesmo em concelhos como Constância, onde os salários médios são mais elevados, os valores ficam abaixo da média nacional. Em Janeiro de 2024, havia 11 mil pessoas inscritas nos centros de emprego do distrito, mas apenas 7.100 recebiam prestações de desemprego, no valor médio de 589 euros. “São quatro mil pessoas sem qualquer apoio, apesar de estarem registadas como desempregadas”, apontou.
A habitação é outro desafio: os concelhos próximos de Lisboa apresentam valores medianos de venda mais elevados, resultado da pressão do mercado imobiliário. Já na protecção social, a disparidade é evidente: todas as prestações analisadas — desde o Rendimento Social de Inserção até ao Complemento Solidário para Idosos — se situam abaixo do limiar de pobreza. “Portugal, a seguir à Roménia, é o país da União Europeia que menos gasta em transferências sociais”, observou.
Por fim, a participação eleitoral no distrito mostra-se superior à média nacional, com taxas de abstenção mais baixas, sinal de maior envolvimento cívico. Para Ana Isabel Teixeira, esse dado pode ser uma oportunidade: “A participação é fundamental, mas tem de ser coerente e alimentada. Chamar as pessoas para dar contributos e depois não lhes dar retorno é condenar o futuro da participação.”
A Infografia Social e Territorial do Distrito de Santarém está disponível no site do Observatório Nacional de Luta Contra a Pobreza, oferecendo um retrato actualizado que pretende ser instrumento de reflexão e acção no combate às desigualdades sociais.
Os grandes desafios da pobreza
A mesa redonda “Os números que desafiam a intervenção”, integrada na apresentação da Infografia Social e Territorial do Distrito de Santarém, reuniu representantes das comunidades intermunicipais da Lezíria e do Médio Tejo, academia e sociedade civil, num debate moderado por Maria José Vicente, coordenadora nacional da EAPN Portugal.
A moderadora abriu a sessão lembrando que os dados apresentados não são um fim em si mesmos. “Os números por si só não mudam vidas. O que queremos é mudar a vida das pessoas, promover dignidade e garantir direitos sociais e humanos”, frisou, defendendo que é preciso transformar informação em estratégias de acção e envolver todos os actores sociais na definição de políticas.
O secretário executivo da Comunidade Intermunicipal da Lezíria do Tejo (CIMLT), António Torres, destacou a diversidade do território, que vai de concelhos próximos da Área Metropolitana de Lisboa a zonas rurais com baixa densidade populacional, como Chamusca ou Coruche. “As políticas não podem ser iguais para territórios que são diferentes. Precisamos de medidas focalizadas e ajustadas à realidade de cada concelho”, afirmou.
António Torres apontou dois pilares centrais no combate à pobreza: modelo económico e educação. Defendeu a necessidade de atrair investimento e criar novas áreas empresariais, ao mesmo tempo que se eleva a qualificação da população. “O combate à pobreza passa por dois pilares: o modelo económico e a educação”, sublinhou, alertando ainda para os níveis de analfabetismo e abandono escolar. Anunciou que a CIMLT está a desenvolver diagnósticos sociais para os 11 municípios e avançou com uma candidatura para criar Balcões da Inclusão móveis, destinados a apoiar populações rurais no acesso a serviços digitais.
O secretário intermunicipal da Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo (CIMT), Jorge Simões, identificou quatro grandes desafios para o território: demografia, envelhecimento, economia e habitação. Destacou a inversão da tendência de perda populacional graças à chegada de imigrantes, desde 2019. “Temos décadas de perda de população, mas desde 2019, com a entrada de migrantes, a população do distrito tem vindo a crescer”, afirmou.
Assinalou, contudo, o envelhecimento e a necessidade de políticas sociais dirigidas a idosos, bem como o desalinhamento entre o ensino secundário/profissional e o mercado de trabalho. Quanto à habitação, considerou que o crescimento de residentes vindos de Lisboa pode ser positivo para dinamizar a região, mas gera riscos: “Mais população vinda de Lisboa pode ser positiva, mas aumenta os preços da habitação e complica a vida de quem cá vive.”
Para o responsável, a infografia agora apresentada é uma ferramenta útil para apoiar diagnósticos sociais e projectos regionais. “Todo o conhecimento produzido é útil. Esta infografia vai apoiar os diagnósticos sociais e os projectos locais de combate à pobreza”, acrescentou, revelando que a CIMT prepara um fórum de cidadania para debater prioridades como envelhecimento, migrações, saúde e bem-estar.
O docente da Escola Superior de Gestão e Tecnologia do IPSantarém, Pedro Oliveira, reforçou os alertas demográficos, apontando para uma quebra de 15% da população activa no período em análise. “Estamos a perder população activa. Ou acolhemos imigrantes ou melhoramos as condições de trabalho para os jovens, senão o país não tem futuro”, avisou.
Criticou ainda a predominância de microempresas (98% do tecido económico regional), muitas sem capacidade para empregar os diplomados das instituições de ensino superior. “Quase 98% das nossas empresas são microempresas, muitas vezes incapazes de empregar os licenciados que formamos”, referiu, defendendo maior articulação entre academia e empresas.
O docente propôs soluções concretas: criação de cursos técnicos especializados (TESP) ligados à fileira florestal, desenvolvimento de aplicações digitais para combater o isolamento da população idosa e maior aposta da academia em literacia financeira e educação cívica. “A academia tem de sair das suas paredes e estar ao serviço da sociedade, criando soluções para os problemas reais das comunidades”, concluiu.
Já o coordenador da incubadora RIBA e membro do Fórum da Cidadania da EAPN, Fernando Castelo Branco, trouxe uma perspectiva mais optimista, recorrendo à metáfora do copo meio cheio. “Portugal é um país rico. O problema não é falta de recursos, é a forma como eles estão distribuídos”, afirmou, lembrando que a imigração é vital. “Se os imigrantes saíssem todos do país, ficaríamos bloqueados. Eles estão cá porque são precisos.”
Segundo disse, o projecto Riba trata-se uma incubadora que apoia ideias de negócio social com impacto directo nas comunidades, no âmbito do programa Portugal Inovação Social, co-financiado pelas comunidades intermunicipais. Sublinhou que o sucesso dos projectos depende mais do empenho das pessoas do que dos recursos disponíveis. “Combater a pobreza é também criar riqueza social. O que faz a diferença é o empenho de quem conduz os projectos”, resumiu.
A mesa redonda encerrou sublinhando a importância de transformar diagnósticos em acções concretas, com políticas estruturais na educação, habitação e economia, mas também com projectos de proximidade que mobilizem cidadãos, empresas e instituições.
Retrato social do distrito de Santarém
O distrito de Santarém integra a região Oeste e Vale do Tejo, onde a taxa de pobreza atinge 16,6%, um valor inferior à média nacional, mas que continua a deixar milhares de pessoas abaixo do limiar de pobreza, fixado nos 633 euros mensais. Quando considerados outros indicadores, como a privação material e social severa ou a intensidade laboral per capita muito reduzida, a taxa compósita de pobreza ou exclusão social sobe para 19,1%, em linha com o país.
A estrutura demográfica confirma tendências conhecidas: a base da pirâmide etária emagrece enquanto o topo se alarga. Em concelhos como Mação, existem mais de 500 idosos por cada 100 jovens, sinal de envelhecimento acentuado. Apesar disso, a chegada de migrantes tem atenuado parcialmente a quebra populacional, permitindo inclusive recuperar algum dinamismo escolar com o aumento de alunos em certas localidades.
Na educação, há progressos visíveis entre 2011 e 2021, com a subida da escolarização ao nível secundário e superior. Contudo, 13,6% da população não tem qualquer grau de ensino concluído e quase um quarto ficou apenas pelo 1.º ciclo, o que continua a limitar oportunidades no mercado de trabalho.
O tecido económico é dominado por microempresas (98%), muitas de base familiar e com reduzida capacidade para absorver diplomados. Mesmo em concelhos onde os salários médios são mais elevados, como Constância, os rendimentos ficam abaixo da média nacional. Em Janeiro de 2024 havia 11 mil desempregados inscritos nos centros de emprego, mas apenas 7.100 recebiam subsídio, deixando cerca de quatro mil pessoas sem qualquer apoio.
A população estrangeira tem vindo a crescer de forma acelerada: entre 2021 e 2022 aumentou 13,9% e, no ano seguinte, quase 40%. A comunidade brasileira é a mais representativa, num grupo que revela maior vulnerabilidade: o risco de pobreza atinge os 30% entre residentes extracomunitários.
No sector da habitação, os concelhos próximos de Lisboa, como Azambuja e Benavente, registam valores medianos de venda e de arrendamento mais elevados, reflectindo a pressão do mercado imobiliário da capital. Já na protecção social, o retrato é preocupante: em 2022 o salário mínimo fixava-se nos 822 euros, mas todas as prestações sociais — desde o Rendimento Social de Inserção (189 €) ao Complemento Solidário para Idosos (438 €) — ficaram abaixo do limiar de pobreza, evidenciando a fragilidade da rede de apoios em Portugal, que é, a seguir à Roménia, o país europeu que menos investe em transferências sociais.
Apesar deste cenário, há também sinais positivos. A taxa de abstenção no distrito é inferior à média nacional, revelando níveis mais elevados de participação cívica. E a progressiva escolarização da população indica um caminho de qualificação que poderá, no futuro, traduzir-se em melhores oportunidades e maior coesão social.
Filipe Mendes