Fundada por um grupo de amigos recém-formados em cinema documental, a associação Waves Of Youth tem vindo a afirmar-se como uma plataforma de criação artística comprometida com o presente. Em entrevista ao Correio do Ribatejo, Miguel Canaverde revisita o percurso da associação desde 2017, recordando projectos marcantes como o documentário Egeu, que confrontou a crise migratória europeia, e o trabalho desenvolvido com jovens em Santarém no resgate da memória do 25 de Abril. Entre cinema, música e educação artística, a Waves Of Youth constrói um arquivo audiovisual vivo, enraizado na região e aberto ao mundo. “Queremos deixar uma semente nesta geração”, afirma o cineasta, sublinhando a importância do cinema como ferramenta de empatia, escuta activa e transformação social.
A ‘Waves Of Youth’ nasce como um espaço de partilha entre amigos recém-formados em cinema documental. Como descreveriam hoje a vossa identidade colectiva e de que forma evoluiu desde 2017?
A nossa identidade evoluiu com um percurso sólido, a partir do momento da fundação da associação, onde nos possibilitou um crescimento sustentável e significativo no nosso foco principal. Que se define como a produção, programação, distribuição e mediação de cinema. Com esta mudança, a Waves Of Youth tornou-se mais aberta, pronta a albergar projetos vindos de fora, colaborações e pronta a produzir em qualquer ramo artístico. Abraçando essa metamorfose e bebendo dessa diversidade, rapidamente se percebeu a capacidade da colaboração entre estes jovens acabados de sair da escola, seja secundária ou ensino superior o foco passa por deixar a semente nesta geração para a possibilidade de continuar a fomentação da criação artística em Portugal, mas com ênfase no distrito de Santarém.
O documentário “Egeu” marca um momento-chave no vosso percurso, ao abordar a crise migratória europeia. Que impacto teve este projecto na vossa forma de fazer cinema e na vossa ligação à realidade social e política contemporânea?
O documentário Egeu representou um ponto de viragem para a Waves Of Youth, não só pelo tema profundamente humano e urgente que aborda, a crise migratória europeia, mas também pela forma como redefiniu a abordagem do coletivo ao cinema e à sua ligação com a realidade social e política contemporânea. Este projeto marcou uma transição clara para um cinema mais consciente, comprometido e interventivo, onde a estética e a narrativa não servem apenas para documentar, mas também para questionar e mobilizar. Mais do que um exercício estético, o documentário tornou-se uma ferramenta de intervenção social. Foi exibido em sessões acompanhadas de debates, particularmente em contextos políticos como as eleições europeias, sendo usado como ponto de partida para discussões sobre direitos humanos e políticas migratórias. Esta dimensão cívica do projeto consolidou a missão da Waves Of Youth de fazer um cinema que não se limita a observar o mundo, mas que se envolve com ele, que provoca, que sugere caminhos. Reforçou a ligação entre cinema e responsabilidade social, alargou os horizontes estéticos do coletivo e afirmou a sua vocação para um cinema profundamente comprometido com o presente.
Além do cinema, a Waves Of Youth tem vindo a expandir-se para outras áreas, como a música, a performance e o arquivo audiovisual. Como se articula esta diversidade de linguagens na vossa prática criativa?
Tendo em conta que a forma e conteúdo da nossa associação teve a sua base o cinema, a necessidade de interdisciplinar a nossa linguagem foi consequente a não cingir o meio artístico ao nosso espaço de criação. Sendo que muitas das áreas das quais nos expandimos foram o resultado de um trabalho continuado com várias estruturas e artistas, o que nos possibilitou haver mais hipótese para a experimentação. Sendo que a criação de um arquivo audiovisual das mais diversas áreas, permite-nos conseguir criar um espaço de partilha coletivo com o público em geral.
Recentemente celebraram o Dia da Criança com sessões de cinema infantil no Centro Cultural Regional de Santarém. Qual a importância de trabalhar com públicos jovens e que papel desempenha a educação artística nos vossos projectos?
Trabalhar com públicos jovens é essencial para nós, não só porque acreditamos na importância de formar espectadores críticos desde cedo, mas também porque o cinema é uma ferramenta poderosa de descoberta, criatividade e empatia. É através da educação artística que promovemos o pensamento independente, o diálogo intergeracional e a valorização da memória colectiva. Neste sentido, temos vindo a desenvolver atividades como o Film Club e em específico o Film Club Kids, com sessões de cinema dedicadas, e projetos de criação com turmas do ensino secundário. Um exemplo recente foi o trabalho realizado com os alunos da Escola Secundária Sá da Bandeira, no âmbito das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril. O projeto partiu da recolha de testemunhos das comunidades de Alcanhões e Vale de Figueira, resgatando memórias sobre a vida durante a ditadura, as tradições locais e os ecos da revolução. Através do olhar dos alunos, promoveu-se um cruzamento de gerações e uma reflexão sobre o passado e o futuro, num exercício de escuta ativa e preservação da memória colectiva. Acreditamos que a educação artística, seja no contexto da fruição ou da criação, é uma ferramenta fundamental para o desenvolvimento pessoal e social dos jovens, permitindo-lhes apropriar-se das suas histórias, olhar criticamente o mundo e imaginar novas narrativas.
O vosso trabalho está também ligado à preservação do património imaterial da Lezíria do Tejo, através das residências em cinema documental. Que desafios e aprendizagens têm resultado deste diálogo com as comunidades locais?
As Residências em Cinema Documental da Waves Of Youth, com a produção de onze curtas-metragens, em parceria com a CIMLT – Comunidade Intermunicipal da Lezíria do Tejo, pretendeu arquivar tradições, linguajares, histórias, costumes e práticas em extinção. O objetivo do projeto foi contribuir para um arquivo audiovisual coletivo, participado e comunitário, explorando temas que abordam a história da região, promovendo a criação de documentários e o aparecimento de novos percursos técnicos e artísticos. Onde o que de início foi-nos encarado como um desafio, a falta de inscritos nas residências em causa, fez-nos adaptar o método de trabalho para algo de outra dimensão, as tomadas de decisão em conjunto com as comunidades locais resultou em que existisse um nível de criação participativa e muitas vezes comunitária do projeto em causa.