António Pardelhas está na presidência do Vitória Clube de Santarém desde 2016, levando já dois mandatos no comando da instituição. Foi com o presidente António Pardelhas, sócio número 1 do clube, que o emblema alcançou o estatuto de segundo maior do país em número de atletas federados. Nesta entrevista o dirigente fala do passado, do presente e do futuro do clube que é uma referência nacional na formação de atletas de futsal.

De clube de bairro a referência nacional na formação. Como é que se chega aqui?
Nada acontece por acaso. Quando a paixão é maior do que a razão, não há limites, e tem sido um pouco esse o nosso caminho. Os dirigentes do Vitória Clube de Santarém (VCS) têm, e sempre tiveram, a noção, em cada momento, do ponto em que se encontram, e sempre deram todos os passos de acordo com o tempo e o espaço que tinham pela frente. Pode ter sido este o segredo para, de uma forma sustentada, se ter chegado a este nível.
Quanto à formação, sempre foi uma prioridade no Vitória. Afinal, são essas as nossas raízes: nascemos do sonho de um grupo de crianças, que, nas ruas do bairro do Alto do Bexiga, começou a pensar o clube em 1995, uma década antes da fundação oficial. E hoje, no futsal, além da promoção da prática desportiva e da expansão da modalidade na comunidade em que estamos inseridos, a missão do clube é precisamente essa: formar e promover jogadores para a sua equipa principal, de forma que esta seja composta quase exclusivamente por atletas oriundos das camadas jovens, desenvolvendo não só a sua identificação com o emblema, como também uma sólida formação baseada em valores desportivos, pessoais e sociais.
Para atingirmos estes objectivos, tivemos de nos apetrechar com os melhores meios humanos, e, na minha opinião, temos contado, ao longo dos anos, com pessoas extraordinariamente habilitadas para dar formação aos nossos atletas a todos os níveis. Este esforço tem-nos dado como retorno a conquista não só de inúmeros títulos desportivos, como também reconhecimentos de mérito desportivo e de sucesso escolar.

Que conquista foi mais emocionante para si até hoje?
Os muitos títulos desportivos importantes que temos vindo a acumular ou a certificação como Entidade Formadora de Futsal de 4 Estrelas pela Federação Portuguesa de Futebol, estatuto que apenas mais quatro emblemas do País detêm, são sempre momentos marcantes e inesquecíveis, mas, com sinceridade, a conquista mais emocionante até ao momento foi a atribuição da nova sede do clube, pois foi um reconhecimento que surgiu após muitos anos de luta e sacrifícios.
Sabíamos que esse era o passo que faltava para podermos oferecer aos nossos sócios e atletas as condições de que necessitavam e que a dimensão do clube já exigia. Com as novas instalações, pudemos alargar a oferta de actividades disponibilizadas à comunidade envolvente, e julgo que o VCS tem feito um incrível trabalho ao nível da dinamização do espaço. Todos os dias, passam nas instalações dezenas de pessoas para praticar xadrez, jiu-jitsu (modalidade em que temos já um campeão da Europa!), boxe, taekwondo, zumba, pilates e diversas outras aulas de grupo, assim como para utilizar o ginásio que construímos.
A sede possibilitou-nos também dar um passo de gigante em áreas como o acompanhamento clínico – com a fisioterapeuta, os enfermeiros, a nutricionista ou o psicólogo do clube com condições de disporem de gabinete próprio -, o apoio ao estudo, ou a promoção de diversos eventos temáticos, workshops ou acções de formação.
Acima de tudo, temos um sentido de responsabilidade muito grande em relação a esta sede, pois sabemos o quanto nos custou merecê-la. Uma conquista que, importa frisar, só foi possível graças ao empenho dos executivos da Câmara Municipal de Santarém e da União de Freguesias da Cidade de Santarém, a quem muito agradecemos a confiança.

Que modelo é utilizado para formar jogadores de futsal?
Em primeiro lugar, além da vertente competitiva, é objectivo do VCS proporcionar ao maior número de crianças e jovens da nossa área geográfica a oportunidade de praticar futsal como desporto de recreação e formação, contribuindo para uma formação integral, sendo que o nosso processo se baseia nas Etapas de Desenvolvimento do Jogador de Futsal. Através de um controlo e de uma avaliação criteriosa ao longo do processo, procuramos providenciar aos nossos atletas estímulos de treino e de jogo que sejam adequados ao seu estádio etário e ao seu nível de desempenho. 
Para isso, tem sido fundamental o trabalho de angariação e recrutamento do clube, bem como a capacidade de conseguir criar várias equipas por escalão, o que acaba por ser uma tarefa muito complicada no nosso contexto, face à escassez de espaços e horários que consigam albergar tanta actividade, e à constante procura por técnicos credenciados para colocar toda esta máquina em movimento. São já 19 equipas em actividade!
No que diz respeito aos escalões de competição, estamos naturalmente atentos à formação dos jovens que evidenciam talento para a modalidade, dentro e fora do clube, criando bases para conseguir formar equipas nos escalões etários superiores (a partir de iniciados) capazes de alcançar as competições nacionais, onde o clube se pretende estabilizar.

As parcerias com clubes como o SL Benfica são essenciais?
Uma das consequências do bom trabalho realizado é, precisamente, o facto de despertar o interesse de clubes de projecção nacional, como é o caso do Benfica. Actualmente, temos vários jovens a ser acompanhados de perto pelos grandes do futsal nacional, efectuando lá treinos regulares, e contamos mesmo com um caso recente de sucesso de um atleta que foi transferido para a Luz no último defeso.
Simultaneamente, este reconhecimento do trabalho que temos realizado na formação pode contribuir para aumentar a nossa capacidade de recrutamento, além de conferir credibilidade ao nosso processo, reforçando também a responsabilidade que temos para com os nossos atletas e o futsal do nosso distrito.
Além disso, o acompanhamento desses atletas que se deslocam aos treinos dos grandes clubes acaba por se assumir também como essencial para a avaliação e condução do nosso processo, pois permite-nos comparar o nível do nosso trabalho com os melhores.

Como avalia a evolução do clube até aos dias de hoje?
Quando iniciamos um projecto, por muito bem que esteja elaborado, não existem garantias de sucesso, e a verdade é que o VCS nunca foi pensado para atingir a dimensão que tem hoje. Esta enorme evolução tem assentado, naturalmente, no empenho e na dedicação dos dirigentes que sucessivamente têm passado pelo clube, essencialmente do núcleo duro que o tem acompanhado desde a sua fundação.
Nunca nas suas melhores cogitações os jovens que, em 2005, no bairro do Alto do Bexiga, fundaram oficialmente o clube imaginariam que, em 15 anos, ele atingiria o patamar em que se encontra hoje, enquanto referência ao nível nacional na formação de atletas de futsal.
Além do sucesso desportivo, que se traduz já em 48 títulos oficiais e em constantes participações em provas nacionais, era, na altura, inimaginável a ideia de se atingirem feitos como chegar a 2.º maior clube do país em número de atletas federados, colocar atletas nas selecções nacionais ou ser organizador do maior torneio nacional de futsal de formação, o Vitória Futsal Cup Masters. Hoje em dia, de resto, o VCS é convidado para todos os principais eventos da modalidade de Norte a Sul do país e nas ilhas.
Acima de tudo, é indescritível e muito gratificante constatar que, hoje, toda a comunidade em que estamos inseridos está familiarizada com o trabalho do clube e o vê como uma referência, e que as crianças já crescem a conhecer e a ouvir na escola o nome do Vitória.
Para não falar da projecção internacional que o clube já atingiu, tendo recentemente sido contactado por academias da Costa do Marfim e da Guiné-Bissau para o estabelecimento de protocolos de cooperação e dinamização do futsal nesse países. Foi muito especial ver já imagens de crianças, em África, a jogar à bola com os equipamentos do nosso Vitória!

Que balanço faz da sua Direcção?
Neste ponto, aproveito a oportunidade para demonstrar publicamente o meu enorme respeito e admiração por todos os que se disponibilizam para esta nobre missão, que, no fundo, é ajudar o outro através do associativismo. Como todos nós sabemos, cada vez se torna mais difícil encontrar pessoas altruístas para servir o fenómeno associativo, seja de que área for, pois é algo que absorve muito tempo e nos priva de muitas coisas.
No caso específico da Direcção do Vitória, tenho o privilégio e a honra de poder contar com pessoas que sentem o associativismo de uma forma muito intensa, quase profissional, e com outras que fazem o máximo possível atendendo à sua disponibilidade. Temos, de facto, um forte núcleo duro de extraordinários seres humanos, composto pela vice-presidente, o secretário, o tesoureiro e dois directores, que são de uma dedicação e um empenho que já rareiam. Só assim, com espírito lutador, temos conseguido levar este «paquete» para a frente em velocidade de cruzeiro, juntamente com todos os nossos atletas, técnicos, delegados, responsáveis da área clínica, patrocinadores e, claro, encarregados de educação, cujo apoio é precioso.
Considero que toda a família vitoriana deverá estar orgulhosa do trabalho que tem sido desenvolvido e pelos resultados alcançados tanto ao nível desportivo, como social e em termos de projecção do clube.

Que impacto terá esta paragem forçada nas competições?
Só o saberemos realmente quando estiverem reunidas as condições de se retomarem as competições. Neste momento, desconhecemos se estas poderão ser concluídas, com a devida adaptação da organização dos quadros competitivos, ou se terão de ser anuladas, pelo que aguardaremos pelas instruções das entidades superiores.
Em termos desportivos, é uma situação que acaba por gerar preocupação essencialmente ao nível da participação dos nossos escalões competitivos nas provas nacionais. Mas, neste momento, é na saúde geral que tem de recair o foco de todos.

O que falta conquistar ao Vitória Clube de Santarém?
O clube tem conhecido todo este sucesso graças à sua constante ambição e vontade de superação, pelo que nunca nos iremos acomodar àquilo que já conseguimos. Até hoje, todas as conquistas do VCS, mais ou menos inesperadas, têm surgido naturalmente, como consequência da dedicação e de um trabalho apaixonado, e é com esse espírito que abraçamos o futuro. No fundo, falta conquistar o futuro!

Que marca quer deixar?
Acima de tudo, quero ser recordado como alguém que gostava de trabalhar para o bem comum, com respeito, seriedade e serenidade. Até hoje, como cidadão, sempre foi esse o meu apanágio, e no associativismo não tem sido diferente. Quero, através do exemplo do VCS, sensibilizar os meus concidadãos para o quão gratificante é trabalhar para um bem maior. Ver o sorriso sincero de uma criança é algo que nos enche o coração de uma alegria difícil de traduzir por palavras. Só por isso, vale a pena.
No fundo, a marca que quero deixar é que, um dia, os jovens de hoje se recordem de que o António Pardelhas ajudou a fundar e dinamizar este clube para eles e por eles, e que isso os motive a continuar a obra… Para sempre, Vitória Clube de Santarém.

Vai emprestar o seu nome a uma rua da cidade. Qual é o seu sentimento perante esta homenagem?
Na altura, quando fui contactado pelo Sr. Carlos Marçal, presidente da União de Freguesias da Cidade de Santarém, dando conta da intenção de se atribuir o meu nome à rua onde está situada a sede do clube, o primeiro sentimento foi de choque, de questionar se isso não seria de mais para mim. Porém, no desenrolar da conversa, verifiquei naturalmente que algo maior estava na base da proposta: o meu terceiro filho, o Vitória Clube de Santarém.
Num momento como este, nunca deixo de ter presente que sou apenas mais um que tem levado o VCS a bom porto, não esquecendo quem ao longo destes anos tanto tem dado ao clube e ao concelho de Santarém, todos aqueles que, pelo menos ao longo destes 15 anos, têm dado muito do seu tempo e dinheiro, na maioria das vezes em detrimento da sua vida profissional e familiar.
Assim, foi com subida honra e enorme orgulho que aceitei esta homenagem, que, para além de personificar o esforço de centenas de pessoas que contribuíram e contribuem para engrandecer este pequeno grande clube, vai no futuro acompanhar sempre o VCS e a cidade de Santarém. Em meu nome e de todos os vitorianos, quero agradecer do fundo do coração aos promotores desta iniciativa, porque é uma homenagem que estão a fazer ao Vitória Clube de Santarém.

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