O Rotary Club de Santarém promoveu, na passada terça-feira, dia 14, uma comunicação do responsável pelo Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia de Santarém (SCMS), António Monteiro, investigador autodidacta e historiador local sobre o enigma que surgiu na entrada da Igreja da Misericórdia após as obras da nova fachada do monumento, arruinado pelos estragos provocados pelo terramoto de 1755.
Apaixonado pela história local, António Monteiro partilhou histórias do seu livro, o segundo que dá à estampa, “A Tamareira de Débora” e revelou informações sobre Santarém durante o reinado de D. José I e de como esta sua obra nasceu pela consulta e análise de um grande acervo documental ainda intocado.
A investigação de António Monteiro aborda a campanha de obras de reconstrução da fachada da Igreja da Misericórdia, em Santarém, que decorreu ao longo de 10 anos, entre 1757-1767, após os danos causados pelo terramoto de 1755.
Titulado “A Tamareira de Débora”, o livro tem como objectivo principal o estudo de um emblema que se encontra colocado no portal da Igreja da Misericórdia de Santarém.
A figura foi esculpida durante as obras de reconstrução da fachada em consequência da sua destruição pelo terramoto de 1 de Novembro de 1755, tendo-se perdido o seu significado nos séculos seguintes.
O livro responde, em parte, a uma série de perguntas que então se faziam e das quais pouco ou nada sabíamos: ‘Quem idealizou o programa decorativo da nova fachada? Quem fez o desenho? Quem mandou reconstruir igreja? Quem foram os mestres pedreiros? Quanto custou a obra?’.
Página a página, capítulo a capítulo, estas questões vão sendo paulatinamente respondidas, dentro de uma rigorosa observância dos factos tendo como base a leitura paleográfica dos documentos existentes no Arquivo Histórico da Misericórdia de Santarém.
Sobre o simbolismo da palmeira/tamareira, o livro aponta, não para uma solução absoluta, mas para várias soluções em que o próprio leitor, sendo confrontado com elas, tenderá a escolher uma como sua.
“Esse é o meu propósito: que seja o leitor a tomar as suas próprias conclusões em face das pistas que lhe dou e em função dos factos relatados. Mesmo que eu aponte uma possível solução, é apenas uma mera opinião pessoal, que vale o que vale”, afirma o autor.
Trata-se, pois, de um ensaio, escrito na primeira pessoa do singular, onde António Monteiro tenta expressar o sentimento e a ambiência dos longínquos tempos do reinado de D. José, tanto ao nível nacional, quer ao nível local, não deixando, ainda assim, de manter o rigor dos números frios que exala dos documentos.
“O nome do livro, “A tamareira de Débora”, surge como que uma analogia entre as muitas semelhanças da aplicação da imagem da tamareira ao longo dos séculos. Ao longo de duzentas e doze páginas, tento descrever a imagem da tamareira como árvore sagrada dentro de uma linha cronológica, iniciada há doze séculos A.C. com a história de Débora (a única mulher juíza de Israel, que atendia o seu povo sentada debaixo de uma tamareira), depois como árvore que acolhe a Sagrada Família em trânsito para o Egipto, e ainda como árvore que serviu como elemento de inspiração na construção da própria Igreja da Misericórdia, até se revelar nos nossos dias, justamente, destacada num emblema da sua fachada”, revela o autor.
As maiores surpresas, em termos de dados históricos, são-nos trazidas a público pelo percurso de dois irmãos da família “Salinas de Benevides” enquanto Irmãos da Irmandade da Misericórdia. Esta família, notoriamente conhecida como “Salinas”, estabeleceu-se em Santarém na primeira metade do século XVII na freguesia de Santa Maria da Alcáçova e, ao longo de cinco gerações, são parte integrante da mais erudita sociedade scalabitana mantendo uma larga influência na vereação, mas, muito particularmente, na Irmandade da Santa Casa. São os dois irmãos, Francisco e João Salinas, os mentores do faustoso traço arquitectónico da fachada da igreja e, não deixaram nada por fazer, até serem expulsos da Misericórdia por determinação do rei D. José.
Este livro, cujo estudo incide especialmente entre 1757 e 1767, período de reconstrução da igreja, e que compreende ainda o período mais alargado do reinado de D. José e de D. Maria I, é ainda assim, “um pequeno contributo para o estudo da história de Santarém na segunda metade do século XVIII, pois o único trabalho profundo e consistente de maior folgo produzido sobre essa época, é o trabalho de Doutoramento da Dr.ª Maria Virgínia Aníbal Coelho, que deu origem a um pequeno opúsculo publicado pela CMS, em 1993, como Caderno Cultural”, afirma.
O tema central da cartela, que é a tamareira, é analisado nos diferentes capítulos que compõem este livro através da leitura iconográfica e iconológica, ancorada nos textos bíblicos, no Alcorão, na Emblemática, na Maçonaria, na Arquitectura, mas sobretudo na leitura paleográfica dos muitos livros e documentos da época pós-terramoto que serviram de apoio ao autor, tendo sempre como objectivo final “a descodificação de uma linguagem críptica do seu simbolismo” que se revelará ao leitor como Vitória, Fé e Sabedoria.
“Confesso que fico agora com mais perguntas do que aquelas que tinha, e das que dava como resolvidas. O mundo da investigação traz-nos todos os dias novas descobertas, mas, traz-nos simultaneamente novos desafios”, afirma.
“Escrever “A tamareira de Débora” não foi tanto um exercício de descoberta de um enigma, mas, foi mais um pretexto para escrever um pequeno contributo para a história da Santa Casa e da sua igreja em particular. Portanto, escrever este livro, foi uma autêntica paixão”, conclui.