Salgueiro Maia recusou privilégios e honrarias e nunca se rendeu à hierarquia militar, que acabou por o marginalizar e humilhar, enviando-o para os Açores, primeiramente, e trazendo-o de volta para Santarém, em 1979, para comandar o presídio militar de Santarém. Regressou à EPC em 1984. Cinco anos depois, foi-lhe diagnosticado um cancro que o vitimou aos 47 anos. Dividiu os últimos sete anos de vida com Natércia, e os filhos Catarina e Filipe. Emigrada actualmente no Luxemburgo, Catarina contou ao Correio do Ribatejo, numa entrevista feita por email, quem era o “capitão sem medo” longe dos quartéis que definiram a sua vida.

Que recordações e momentos guarda com especial carinho do seu pai?
Recordo o momento da papa na bancada da cozinha, por exemplo. Eu tinha apenas seis anos quando o meu pai faleceu, tenho flashes de memórias!

Tinha noção, quando era mais pequena, do peso histórico do seu pai?
Não!! Para a maioria das crianças, os pais são super-heróis!

Quando teve essa percepção?
Não sei! Talvez quando comecei a acompanhar mais a minha mãe nos eventos!

Sentiram, em família, o peso de tudo o que o seu pai passou depois do 25 de Abril a nível militar?
A minha mãe, sim! A minha mãe era o apoio do meu pai em tudo!

Um dos episódios mais polémicos acontece em 1988, quando o governo de Cavaco Silva recusa uma pensão ao capitão, que depois foi atribuída a dois antigos inspectores da PIDE. A Catarina era muito pequena na altura. Mas quando percebeu o que se tinha passado, o que sentiu?
A pensão não foi recusada! Apenas nunca houve resposta enquanto o meu pai foi vivo! A pensão era para militares com feitos na guerra e o meu pai pediu com base no 25 de Abril!

E o que sentiu quando Marcelo Rebelo de Sousa reparou esse erro, condecorando Salgueiro Maia com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique?
Obviamente é um orgulho ver o meu pai ser reconhecido! Mas também sei que ele nunca quis medalhas ou condecorações! A intenção ao participar no 25 de Abril não era essa.

O seu pai é visto por muitos como um herói nacional, um dos maiores de todos. Sentem esse respeito e consideração?
Sinto, mas também sinto que muitos não “praticam” os valores de Abril.

Acha que o País tem sido justo ao honrar os seus heróis?
Sim, de uma forma geral sim!

E Santarém? A cidade tem sabido reconhecer o seu papel?
Santarém tem sido incansável no que toca ao 25 de Abril e à memoria do meu Pai.

A Catarina emigrou para o Luxemburgo durante a crise. Na altura, foi notícia quando culpou Passos Coelho pela sua decisão e parecia zangada com o País e as suas condições. Já fez as pazes com Portugal?
Nunca me zanguei com o meu País. Apenas condeno quem o tenta destruir.

Recentemente, a Catarina foi notícia ao denunciar abusos nos direitos das trabalhadoras decorrentes da crise pandémica e tornou-se a voz da defesa das mulheres que estão na primeira linha de contágio, mas a quem não são dadas as devidas condições de segurança. O que a motivou a abraçar esta luta?
Esta luta não é de agora. As empregadas de limpeza são esquecidas desde sempre. São vistas com desdém e como pessoas secundárias! Mas, nesta fase, somos também essenciais e merecemos segurança e protecção.

Considera que esta crise sanitária poderá cavar fossos mais fundos em termos de desigualdades?
Sim, sem dúvida!

Procura manter o legado do seu pai vivo? Tentar implementar os seus desejos de um Portugal mais justo de alguma maneira?
Tento sempre lutar por aquilo que acredito, tal como ele fez.

Como é que vai assinalar o 25 de Abri este ano?
Vou, mais uma vez, contar aos meus filhos a luta dos Homens naquele dia.

Como explica aos seus filhos quem foi o avô e a sua importância histórica?
Os meus filhos têm uma admiração imensa pelo avô e faço questão que saibam quem foram os militares de Abril e a importância que tiveram em Portugal.

Um título para o livro da sua vida?
Nunca desistas.

Viagem?
Qualquer uma em família.

Música?
Ultimamente só infantil.

Quais os seus hobbies preferidos?
Ando quase sem tempo para hobbies.

Se pudesse alterar um facto da história qual escolheria?
A partida do meu pai.

Se um dia tivesse de entrar num filme que género preferiria?
Documentário.

Acordo ortográfico. Sim ou não?
Não.

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