Quero começar por uma declaração de princípios: nada tenho contra a tecnologia. Aliás a Câmara de Almeirim, comigo a Vereador, desenvolveu projetos inovadores de utilização de tecnologia no ensino como foi o caso do PET21 – Projeto de Educação Tecnológica. Ainda agora distribuímos a cerca de um milhar de alunos acessos a plataformas virtuais.

Durante o ano letivo 2022/23, nas muitas visitas que faço às escolas, fui-me apercebendo de fenómenos de ansiedade, falta de sociabilização, miúdos que passavam as noites a jogar ou em conversas on line até de madrugada. Fenómenos característicos de uma dependência que já dava sinais físicos. Após uma dessas visitas tomei a decisão de reforçar o quadro de psicólogos da Câmara para darmos resposta às necessidades cada vez mais crescentes. No entanto também percebi que de nada serviria tratar se não conseguíssemos prevenir. Foi com base nisso, com base em testemunhos de profissionais sobretudo da área da saúde, que decidimos propor mudanças. Mudanças que foram polémicas, que foram contestadas por alguns, mas mudanças que pensávamos que eram no sentido correto. E por isso, por acreditámos que estávamos a fazer o correto, decidimos agir. 

No verão passado no Conselho Municipal de Educação de Almeirim apresentei uma proposta de recomendação aos 2 agrupamentos de escolas do concelho para restringir de uma forma séria o uso de telemóveis e outros dispositivos eletrónicos como tabletes, smartwatchs etc. Uma recomendação baseada, como referi, em dados científicos que já então demonstravam que o uso destes dispositivos era prejudicial à saúde física e mental dos mais novos.  

Essa recomendação foi aprovada por unanimidade no Conselho Municipal e posteriormente, também por unanimidade, nos 2 conselhos gerais dos Agrupamentos de Escolas. Lembro que aqui estão Professores, Educadores, Assistentes Operacionais, Pais, membros cooptados da sociedade etc. 

Ao mesmo tempo lançamos um conjunto de medidas para equipar os recreios com jogos para que o tempo virtual fosse utilizado em interações físicas e presenciais. Apesar de acreditar, de acreditarmos, como comunidade escolar, que este era o caminho tivemos, como é normal, gente que discordou. Mas a verdade é que, em conjunto, como comunidade, fomos explicando o porquê destas medidas. Fomos o 1º concelho de Portugal a ter uma posição comum e restritiva. No final do ano letivo fizemos um inquérito aos Pais e aos Alunos. Das respostas obtidas 82% dos Pais e Encarregados de Educação concordam com a medida. Nos alunos essa percentagem desce para 62%, algo que nunca acreditei possível, uma vez que sempre assumi que quem é alvo de uma medida restritiva é esmagadoramente contra. Estes números demonstram que o problema é pior do que se possa pensar e são os “miúdos” a reconhecer a dependência e o mal que o uso abusivo lhes faz. E referi uso abusivo porque como é obvio, volto a repetir o que já disse, nenhum de nós hoje vive sem telefone e/ou tecnologia. O uso em contexto de sala de aula com a aprovação do Professor não é nem nunca foi proibido. No entanto tudo o que é demais faz mal. Tenho dado como exemplo que fazer desporto é bom e faz bem à saúde. Agora fazer uma maratona por dia faz mal. E há jovens em que mais de metade do dia, mais de 12h é passado a olhar para um ecrã. Tendo em conta que têm de dormir passam literalmente o dia “On Line”. 

Ao longo do ano letivo muitos foram os Pais que foram descrevendo as mudanças, positivas, dos seus Filhos. Aliás muitos foram os Alunos que o referiram. Uma das críticas, deles, era a falta de contacto. Propus que se autorizasse o uso de “telefones de teclas”. Os chamados “DumbPhones” “telefones burros” em contraste com os “smartphones”, “telefones inteligentes”, como é óbvio a resposta deles foi, isso não serve. Por isso o problema não é o comunicar, porque isso está garantido pela escola, mas sim o acesso a tudo o que o “smartphone” deixa fazer. Por fim uma história verdadeira, mas com uma nota de humor. Uma Sra que conheço e vive junto a uma Escola foi chamar a atenção a uma funcionária que as bolas andavam a sair da escola e a vir para os quintais dos vizinhos, fruto de os miúdos jogarem à bola nos intervalos. A funcionária muito chateada disse para a Sra ir falar com o Presidente. A Sra perguntou se era o Presidente que vigiava os alunos e a funcionária respondeu: “a culpa é dele. Proibiu os telemóveis. Quando havia telefones eles estavam quietos. Agora não se calam a correr e a saltar de um lado para o outro.” Esta é a melhor descrição e o melhor elogio da mudança. Crianças/jovens que vivem a vida na realidade e não no virtual. 

Por tudo isto quando vi as notícias sobre a posição do Governo não pude deixar de ficar feliz. Darem-nos razão num tema que é melindroso. Num tema em que contra “o politicamente correto” fomos pioneiros. E fomos pioneiros porque acreditamos que a política se faz de convicções e não apenas a pensar em votos. Tenho pena que o Governo do meu Partido nunca tenha tido coragem de tomar esta medida. Acredito que a restrição é benéfica para as pessoas e por isso a defendo, mesmo que isso custe votos. “Hoje” é um dia feliz. “O dia” em que o Governo nos deu razão, na generalidade da medida… e por isso fiquei, ficámos contentes. 

Pedro Ribeiro
Presidente da Câmara Municipal de Almeirim

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