O nome de código espalha-se por todo o mundo. Arrasa. Silencia. Fecha. Devasta. Amedronta. Afasta. Mata. Invisivelmente. Não é filme. O nanomonstro inomivável existe.

Contraditoriamente, corta laços e estabelece outros laços, tecnológicos.
Nunca uma sigla foi tão aterradora, simultaneamente em tantas regiões e países (mais de 180). Enchendo jornais, telejornais e redes sociais.
Nunca uma sigla preencheu tantos milhões de ecrãs, em todo o mundo.
Dia após dia, com mais ênfase. Aumentando preocupações, medos. Devastando.

Esse nanomonstro-sigla chama-se covid19.
A sua acção, como em qualquer grande crise mundial, tem efeitos e consequências de largo espectro. Nem todos mortíferos. Nem todos negativos. Assiste-se, aliás, ao desenvolvimento de novas perspectivas de produção de conteúdos que valorizam a relação criatividade-tecnologias.

É neste contexto que merece destaque a instalação da “Sociedade da Ecranvidência” que emergia desde o começo deste século.
Vivemos num tempo em que o ecrã se transformou numa prótese indispensável ao equilíbrio vital. Mais do que prótese, um prolongamento do nosso corpo.

Não vivemos sem ele. Estamos dependentes dele.
O ecrã está no centro do mundo. De nós.
Mais do que objeto de reunião convivial, de que é exemplo maior a televisão, os ecrãs dos telemóveis são elos individuais de uma gigantesca rede mundial que cresce de forma exponencial.

Segundo dados compilados de muitas fontes, não estaremos longe da verdade se dissermos que há hoje no mundo quase 15 biliões de ecrãs (tv, telemóveis e equipamentos industriais), o equivalente ao dobro da população mundial.

Esta crise provocada pelo nanomonstro reforça tanto a importância do objecto (ecrã) como a informação que o alimenta. A evidência sobre a realidade reduz-se em muitas circunstâncias a essa informação. Através dele vão-se construindo as imagens do mundo. Dele resulta a mundividência.

Com o drama do isolamento social, as ligações de e para o mundo têm um instrumento revitalizado: o ecrã!

E é neste contexto que vale a pena sublinhar o papel insubstituível do jornalismo como fio-de-luz-que-liga-o-mundo.

Tem sido evidente, neste tempo de opacidade e temores, a importância dos média na homeostasia social. A informação credível constitui um bastião fundamental das sociedades contemporâneas, não só em termos do oxigénio democrático, mas também como equilibrador da vida. Em termos físicos e psicológicos, ou seja, no quadro da saúde, física e mental.

O papel securizante dos média tem-se reforçado de forma inimaginável há pouco tempo. Sobretudo através da TV, mas também das rádios e jornais.
Haverá um tempo antes do covid-19 e depois do covid-19 , em termos de recurso à informação credível e sustentável.

Em geral, podemos dizer que os média portugueses têm sabido ser um aliado precioso de saúde pública, em tempo de pandemia.
Deste cuidar da saúde pública com informação credível não resulta necessariamente boa saúde económica para os média. À falta de publicidade não têm surgido alternativas de rendimento e chegamos a uma situação contraditória. Um pouco como acontece com os médicos: cuidam da saúde e ficam doentes!

Se não é imaginável que o acesso aos serviços de saúde deixe de ser um bem público, também não será muito aceitável que os média, os jornalistas, não sejam vistos como os melhores parceiros da saúde social…
A este propósito vale a pena frisar que continua a ser praticado um verdadeiro saque aos média, através dos serviços de telecomunicações. Quantas horas de uso dos circuitos de telecomunicações não são preenchidas com conteúdos jornalísticos diretos ou “pirateados”? Que migalhas desse consumo em telecomunicações entram nas empresas mediáticas?

Problema grave à espera de solução, há décadas.
No pós-covid19 seria uma boa notícia que o reforço da sociedade da ecranvidência, com jornalismo qualificado, correspondesse a um revigoramento do sector na justa compensação da forma como alimenta o consumo das telecomunicações.

Com a ecranvidência a crescer faltará dar sustentabilidade ao sector. Mais e melhores conteúdos precisam de mais jornalistas.

Sem o jornalismo credível perdem sentido a saúde psicossocial e a democracia.

Luiz Humberto Marcos
Director do Museu Nacional da Imprensa e professor universitário no ISMAI, onde coordena o Mestrado em Jornalismo Multiplataforma.

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