Maria Café, a banda que participou no Concurso Nacional da Canção Rural a representar Santarém, no sábado passado, dia 06, é recente, mas já dá nas vistas: formada apenas há dois anos, os elementos do grupo contam-nos a sua história. Composta por André Morais (piano), João Areias (baixo), João Carvalho (percussão), Ricardo Neto (voz e guitarra acústica), de Amiais de Baixo e Tomás Lacerda (guitarra elétrica), os Maria Café surgem em finais de 2022 quando Ricardo Neto e Tomás Lacerda juntam a sua paixão pela música pop com um cheirinho de rock and rol. Chamam André Morais, que traz o britpop na ponta dos dedos, João “Mãos-de-Ferro”, com o folk na palma das mãos e João Areias que, além de tagarela, traz todos os graves que metal pode ter. Maria Café é o nome surgido da reunião da banda, em torno de uma garrafa de hidromel, a partir do nome que a avó de Ricardo Neto, natural de Amiais-de-Baixo, em Santarém, dá às plantas conhecidas como “azedas”. A música da banda recebe influência de nomes como Tiago Bettencourt, Os Quatro e Meia e Os Azeitonas.

Como surgiu o nome da banda?

Ricardo Neto: O nome surgiu porque a minha avó chama a umas certas flores conhecidas como azedas, de Maria Café. E como nós escrevemos músicas românticas sobre a natureza – e já tocávamos juntos – no fim de um ensaio, dissemos, “não podemos sair daqui sem nome” e achámos que era algo que ficava no ouvido, “vamos ali ver os Maria Café” e decidimos escolher esse nome.

Como é constituída a banda?

O André Morais toca piano. O João Carvalho tem um set misto, ou seja, tanto toca bateria como toca um set de cajón que é mais percussão, dependendo das músicas. Há músicas que é num set, há músicas que é no outro. O João Areias é baixista, e é a pessoa que está a comunicar com o público. E o Ricardo Neto é vocalista e toca guitarra e o Tomás Lacerda toca guitarra elétrica.

Foto: Facebook MAria Café

De onde vem a vossa paixão pela música?

André Morais – Eu não era para ter sequer paixão pela música. Isto surgiu de uma forma muito bonita. Numa altura muito difícil da minha vida a minha avó ofereceu-me uma guitarra para eu me distrair e eu fui descobrindo como é que se tocava. Na altura eu nem sabia tocar nada então ficava frustrado com a guitarra, mas lá comecei a distrair e comecei a aprender a tocar algumas músicas. Descobri depois o meu amor pela guitarra. Comecei a aprender muito mais e logo transitei para a guitarra elétrica, onde aprendi mais “rocalhadas” e metal entre outro tipo de coisas. Curiosamente, eu falava muito mal do piano, não gostava do piano até que um dia a minha professora de guitarra diz: “Olha, experimenta o piano”.  Experimentei o piano e acendeu-se uma coisa aqui dentro que despertou o meu amor pelo piano.

João Carvalho – A minha vida na música começou há cerca de 18, 19 anos. O meu pai e parte da minha família, na altura, andava na fanfarra de São Bernardo que é em Aveiro, entretanto, acabei por entrar também. Passei pelo Conservatório de Aveiro, onde estive a estudar produção uns anos e depois acabei por sair. Fui sempre tocando produção e assim, até que entrei na banda.

João Areias – Eu acho que sempre tive algum interesse por artes e na música em especial através do meu tio. Nós fazemos 14 anos de diferença e eu era o rapaz que lhe roubava os CDs no armário. Comecei pelos escuteiros e havia uma parceria entre uma escola de música de Ílhavo e estive aí na guitarra acústica. Ninguém me disse “olha se calhar devias ir para o outro lado” então continuei, mas depois acabei por experimentar o baixo já com 17 anos, porque acho que faz mais sentido com a minha personalidade, com a minha forma de ser, com o que eu acho que é o meu lugar numa equipa.

O Tomás toca guitarra elétrica por influências do tio que também toca mais músicas de rock.

Ricardo Neto – O meu hobby sempre foi o futebol, mas o meu pai era teimoso e queria pôr-me na música porque acho que era um sonho dele querer ter estado na música, mas naquela altura ele (o pai) tinha de ir trabalhar. Fui para o Conservatório de Música em Minde e estive lá cinco anos. Não gostava da parte teórica, mas gostava da parte prática. Continuei a tocar e fiquei o chato da guitarra nos jantares até o Tomás me ter visto a tocar lá em Aveiro e gostou da ideia de me ver e juntámos-mos.

Foto: Facebook MAria Café

Como se conheceram e como surgiu a banda e á quantos anos?

André Morais: Começámos há dois anos em 2022. Curiosamente eu postava músicas no Facebook por entretenimento; postava vídeos a tocar piano, e um desses vídeos interpretei uma música, muito conhecida, “Tudo o que eu te dou” do Pedro Abrunhosa. O Ricardo viu e mandou-me mensagem, porque nós tínhamos trabalhado juntos na Worten quando estava a estudar, a perguntar se podia integrar no grupo, e eu disse que sim. Marcámos um ensaio já também com o Areias, o Tomás. Foi tão simples quanto isso. Posso-vos dizer que foi o ensaio mais confuso de todos, porque não sabíamos o que é que havíamos de tocar e nem nos conhecíamos uns aos outros. Era ver o que é que vamos tocar aqui. Eu levei a casa toda atrás, levei colunas, computador, levei piano, levei muita coisa, porque era para aproveitar a oportunidade. O ensaio teve lugar na cozinha do Ricardo, onde eu tentei pôr ali o meu “estaminé” todo e começámos a explorar. (Ricardo Neto) Tudo isto sem baterista. Veio um outro baterista que teve muito pouco tempo connosco porque ele viu que nós efetivamente queríamos isto a 100% e ele não tinha vida para o fazer…

Como descrevem o vosso estilo musical?

Ricardo Neto: Estamos a afunilar. Nós vamos tocar a Lisboa e tivemos de dizer qual é o nosso estilo: pop português, só que agora, nós somos mais Pop Rock juntamente com o Folk do João Carvalho e então, neste momento somos um misto Folk, pop Rock em português, porque todas as nossas músicas são em português e nós fazemos questão e as nossas músicas sejam maioritariamente originais.

O que mudou desde que começaram a banda?

André Morais – Antes de integrar na banda, sentia que a minha vida não tinha propósito e ao integrar na banda realmente trouxe aquela chama da paixão. Eu aqui sinto-me bem, eu aqui gosto de estar, gosto de carregar o piano todas as vezes que é para ensaiar e chegar a casa e carregá-lo outra vez pelas escadas acima, porque realmente vale a pena mesmo, o estar com eles e depois tocar com eles; a química que temos em palco é uma cena que não tem igual e isso realmente deu-me um propósito e foi isso que mudou essencialmente. Deu-me muito mais felicidade.

João Carvalho – Eu lembro-me de ir a concertos de artistas conhecidos e às vezes havia uma pergunta que eu fazia que é: “como é que há de ser viver o outro lado”, ou seja, viver quem está a tocar, quem está a enfrentar aquela multidão e sinceramente, nunca pensei poder viver um bocado do que é esse sentimento e acho que tem sido uma mudança positiva na minha vida. É viver um pouco desta emoção que é tocar para um público e sentir que somos acolhidos.

João Areias – Eu já tinha desistido da música. Sou mais velho do sertã. Há dois anos e pouco, eu estava já a trabalhar. Apesar de toda a minha vida ter andado a namorar a cultura e tinha bandas, fiz teatro, fiz uma série de coisas, depois, com a vida adulta às vezes vai-se afastando um bocado por causa de dinheiro e de manter uma certa estabilidade financeira. Nesta altura já tinha posto o baixo de lado, mas quando o Tomás me chamou para ensaio na mítica cozinha do Ricardo fez-me querer, porque soava bem. Acredito que a banda e a oportunidade que a banda me está a dar de ver novos palcos, ver novas produções, ver novas logísticas de banda, tenha voltado a puxar esse “bichinho” por mim e, portanto, se calhar, onde estou hoje deve-se à banda.

O Tomás é aquele que desde há muito quer isto e sabe que quer isto. É a confirmação dele próprio que é possível, ele está sempre a tocar, se calhar é o que treina mais de nós todos, juntamente com o Morais.

Ricardo – Eu ir a concertos e ver aquela malta lá em cima, eu tinha inveja de não estar lá. Gostava de lá estar em cima, ter atenção, e foi mesmo por aí. Nunca sequer imaginei estar em cima de um palco, era só mesmo tocar na desportiva, nem tinha muita confiança na minha voz. Ver pessoas de fora a dizerem tu cantas bem ou tu tocas bem, ou isto ou aquilo, foi-me dando força e confiança e a minha vida efetivamente mudou bastante, porque tal como eles nós queremos isto.

Foto: Facebook MAria Café

Gostam de conhecer o país e conectar com as pessoas quando vão tocar a sítios novos?

(João Carvalho) Em cada sítio que nós vamos encontramos diferentes públicos, conforme também a zona do país e acho que o bonito é perceber as tradições de cada povo e a forma como interagem nos nossos concertos. Ao início é sempre aquele “bate-chapas” e é tentar ver como quebrar às vezes o gelo porque nós, como dissemos, maioritariamente cantamos músicas originais e ainda muitas pessoas não conhecem, então torna um bocado mais difícil a interação com o público, mas eu acho que, a partir de um certo momento do concerto, aquilo que a gente nota é o há vontade que as pessoas ganham.

(Ricardo Neto) A expressão que nós utilizamos há um tempo, é que as pessoas tropeçam em nós; a verdade é essa e nós temos de conseguir cativá-las a ficarem ali. E nós, do nosso tipo de concerto e da nossa interação com o público e com as pessoas, sabemos que as pessoas ficam ali e hoje em dia tudo vive das redes sociais e nós temos notado mesmo um aumento significativo nesse aspecto. Daí também, é pegar na nossa maneira de adaptar ao sítio onde estamos e sabemos que vamos ter mais energia para um lado, ou temos de controlar mais as coisas, e nós já conseguimos fazer isso bem.

Qual foi a inspiração para o mais recente single?

Nós escrevemos um que é o “Entardecer”, o primeiro. O próximo que vai sair o “Vai Ser Feliz”. O mote da música é muito simples, mas a letra é mais complexa do que só vai ser feliz, porque é um momento em que nós estamos em baixo e queremos ver aquela luz ao fundo do túnel e o importante é mesmo saber que vai ser feliz. (Ricardo) Eu tinha 23 anos na altura que fiz a música e naquele momento era eu a falar para mim próprio e acho que nós agora, sempre que cantamos a música, falamos para nós próprios e para as pessoas que estão do outro lado. É uma contradição a melodia da música com a letra, vê-se que está ali outras camadas no verso.

Quando nós estávamos a estudar de como é que íamos tocar esta música, o João Carvalho não estava a conseguir encontrar um ritmo que encaixasse bem com a música. A música precisava de mais “pujança” e ele pôs o cajón deitado no sofá e pôs-se atrás do sofá com duas vassouras e descobriu o seu ritmo.

Como se sentem por representar Santarém no Festival Nacional da Canção Rural?

(Ricardo) Eu sou de cá, nós no ano passado fizemos, nas celebrações do 25 de abril dois concertos em Arneiro das Milhariças: entrámos com esse contacto com a Câmara e depois este ano surgiu a oportunidade de participar neste festival e para fazer a música. Para nós e até para mim pessoalmente é importante, porque eu lá [em Aveiro] sou estrangeiro… estou noutro sítio, na terra deles e agora voltamos à minha terra. Também é aquele sentido de pertença. Em suma, e penso que falo por todos, ficámos mesmo muito contentes de representar Santarém.

No concurso em que vão representar Santarém vão apresentar uma música nova, porquê?

(André Morais) “Um brinde à vida”, esta foi eu que escrevi tanto letra como melodia e fui eu que compus a maquete da música, essencialmente. Fala sobre o vinho e o objectivo era mesmo esse e eu queria utilizar algumas expressões de um artista ilhavense que eu gosto muito que é o Carlos Paião, tanto é que o utilizo. Quando surgiu esta hipótese, nós andávamos todos assim a tentar compor uma música que saísse bem e eu pus a gravar e comecei: “olha, tenho aqui uma ideia”. Estava boa e então comecei a fazer a maquete, mesmo a sério e a produzir. Depois o Ricardo foi lá gravar a voz e realmente ficou uma música que gosto.

Foto: Facebook MAria Café

Têm alcançado os objectivos estipulados para a os Maria Café?

(João Carvalho) Eu acho que o conceito de objectivo pode ser demasiado extenso, porque um dos objetivos que nós temos é ser agenciados, ter alguma agência que pegue em nós que queira apostar em nós. Outro objetivo é efetivamente divertirmo-nos sempre a fazer isto e acho que isso é o principal, claro que sonhamos ter nome em Portugal e acho que todas as bandas sonham um bocado com isso. Pode-se considerar um objectivo, mas lá está se vai concretizar ou não, estamos a trabalhar para isso.

(João Areias) Eu acho que o objectivo é conseguir levar a nossa música cada vez mais longe. A parte do agenciamento achamos que é uma forma, além de saudável, que é o que o mercado em Portugal quase o exige, porque nós fazemos tudo na banda, desde tocar e de criar, que é a parte que mais nos interessa, até à parte de agenciamento, negociações, contabilidade, essa parte toda mais burocrática que, sendo necessária, nos ocupa. Uma das formas de o conseguirmos é concentrarmos na parte de criar, conseguir chegar às pessoas e trazer as pessoas para nós também, porque achamos que é um pouco também o que a nossa música consegue fazer. A parte do agenciamento, é ir fazendo cheque, nós já fizemos em Aveiro, já fizemos em Coimbra, já fomos a Espanha, tudo isso são mais metas do que objectivos.

Quais os objectivos para o futuro?

(João Carvalho) Eu acho que é bom frisar que às vezes neste mundo, da música e de ser artista, pode parecer um mundo top, mas acima de tudo é um mundo que também traz muita frustração. Nós temos palcos que já tivemos bastante público, mas já tivemos palcos que tiveram meia dúzia de “gatos pingados”. Acho que estamos num país que cada vez está mais difícil, há muitos artistas, há muita oferta e não é qualquer pessoa que consegue entrar e perfurar esta parte mais conhecida ou profissional, então nem sempre é fácil gerir essa frustração.

(Ricardo) Uma coisa no futuro é gravar um EP, porque as pessoas gostam de nos ouvir, mas depois vão para casa e não nos conseguem ouvir. No entanto, tem de ser uma coisa feita de forma profissional, porque é isso que nós queremos também passar e é isso que queremos viver, e só não o fizemos ainda por questões burocráticas, tempo, dinheiro.

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