Um dos aspetos mais interessantes do projeto do I Festival e Seminário Nacional de Gastronomia, consistiu no facto de desde cedo, mesmo antes da sua primeira realização, ter suscitado a curiosidade e até a colaboração de muitas pessoas que a ele e à sua organização de associaram.

Nestas crónicas memorialistas, já trouxe à colação diversos nomes, quer de pessoas da própria Câmara, cujo contributo foi necessário conseguir para o sucesso do projeto, mas também de fora da Câmara isso aconteceu.

A este respeito, pretendo hoje referir-me ao Diniz Ferreira e ao papel especial que desempenhou, na ajuda a pensar e a concretizar ações, de forma sempre desinteressada e disponível.

Recordo que uma manhã, conversava, com o Pinheiro, sobre como concretizar a exposição de artesanato de Santarém, sem termos qualquer ideia mi minimamente interessante de como a por em prática.

Já tínhamos uma estrutura de madeira, por módulos de seis metros de frente, por três de fundo, que tinha sido criada pelo Eng.º, Francisco Jerónimo, mas havia agora que rechear a estrutura, criar um ambiente atraente, encontrar uma forma de expor os artefactos dos nossos artesãos e, nenhuma ideia surgia capaz de merecer aprovação.

Lembrou então o Pinheiro, porque não telefonar ao Diniz? Ele até tinha uma grande experiência de colaboração na Feira do Ribatejo, argumentou.

Nesse momento recordei o nascimento do “Pastelinho”, pequena taberna / casa de pasto, como então se dizia que por convite de Celestino Graça, os meus pais e os meus tios e tias paternos exploravam no recinto das feiras. De facto, depois de creio que quatro anos (1959-62), num espaço lateral ao pavilhão dos “Vinhos de Portugal”, tínhamos sido mudados para um dos torreões do pavilhão de artesanato, com porta para a então chamada “rua do crime” (rua de grande concentração de restaurantes da Feira). Na oportunidade da instalação neste novo espaço, um dia, apareceram o Sr. Celestino Graça e o Diniz e, o primeiro perguntou – Ó Diniz como é que batizamos o restaurante?

E o Diniz respondeu – Então se eles vendem pasteis de bacalhau, chamamos-lhe Pastelinho!
Foi um consenso geral e assim ficou, enquanto a casa existiu, até 1994.

Liguei ao Diniz e expus-lhe o nosso problema. Ponderou a questão por alguns momentos, prometeu pensar no assunto e vir ter connosco no inicio da semana seguinte.

Era uma terça feira, por volta das dez horas da manhã. O Diniz entrou sentou-se, pediu uma folha de papel branco, tirou do bolso a sua lapiseira a que afiou o bico e desenhou o pavilhão base, dos tais seis metros de frente, por três metros de fundo. Depois, no seu interior, a meio de um dos lados, definiu uma outra linha intermédia, paralela ao fundo, ligando-a a uma segunda em diagonal, fechando para trás e deixando apenas uma pequena passagem. Criou assim um fundo falso, por detrás do qual apareceu um espaço de armazenamento que descreveu como pequeno “Retém”. Creio que nunca tinha ouvido essa palavra antes, mas não a esqueci até hoje. À frente deste “fundo falso”, uma pequena mesa, permitiria receber visitantes e convidados.

Do outro lado, o esquerdo, um pequeno balcão, constituía um espaço de atendimento mais geral. Nas paredes, fotografias da cidade e da região, e peças de artesanato, nas quais incluíamos sempre os vinhos da única adega que então existia no concelho, a Adega Cooperativa de Alcanhões, com os quais íamos promovendo algumas provas, com o vinho tinto a deslumbrar os paladares mais exigentes.
Tudo fazia sentido, tudo ficava no sítio e havia um sítio para cada coisa.
Brilhante.

Este desenho de pavilhão de exposições, pela sua simplicidade, beleza e possibilidades que oferecia, acabou por ser utilizado durante alguns anos pelo município, não só no festival, mas em exposições, por todo o país (Vila do Conde, Casino Estoril, Abrantes, Monsaraz, Fatacil / Lagoa, etc.)

A colaboração do Diniz estendeu-se muito para além deste pequeno exemplo que aqui trago hoje. Quantas noites e madrugadas não passou connosco a inventar soluções, a propor possibilidades, a sugerir ideias, quase sempre “aprovadas por unanimidade”, para já não falar do bom ambiente e do clima de descontração e amizade que sempre ia promovendo, especialmente importante quando a hora era tardia e o trabalho (sobretudo montagens) nunca mais acabava.

É por isso que, com o bom vinho tinto de Alcanhões, ergo o meu cálice num brinde de profundo agradecimento a ti Diniz Ferreira, à tua amizade e sobretudo à tua permanente disponibilidade a favor de Santarém.

(Continua no próximo número)

Reflexos – Nuno Domingos

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