No artigo anterior elencámos as principais modificações no ensino superior resultantes das medidas implementadas por José Mariano Gago enquanto Ministro da Ciência e da Tecnologia (1995 – 2002) e Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (2005 – 2011). Paralelamente, enquadrámos estas medidas com os efeitos resultantes da implementação do Processo de Bolonha, que teve início em 1999 e que alterou substancialmente o enquadramento universitário europeu e português. Terminámos com a questão: Quais foram os efeitos conjuntos destas duas reformas e onde elas nos levaram?

Em primeiro lugar, a internacionalização. Efetivamente, as universidades portuguesas deixaram de ser um ghetto nacional e passaram a ser escolas do mundo. É hoje rara a universidade portuguesa que não tenha alunos estrangeiros ou que não ministre cursos em inglês. O nosso clima, o custo de vida e sobretudo a segurança do país são fatores adicionais de escolha. Sol, poder sair à noite sem problemas e comer/beber barato são desafios aliciantes para qualquer estudante de Erasmus ou de qualquer outro programa. A ligação aos PALOP é, no domínio académico, um dos pontos mais profícuos da CPLP, extensível a outras geografias.

Em segundo lugar, a divulgação. Por exemplo,  a Universidade do Porto tem 155 investigadores entre os melhores do mundo, segundo o ranking “World’s Best Scientists 2025”. Por outro lado, o ISCTE, a Universidade do Algarve e a Universidade de Lisboa são as instituições universitárias portuguesas que mais publicaram artigos científicos com relevância e impacto mundial, segundo dados de 2025 da Direção-Geral de Estatísticas de Educação e Ciência (DGEEC). No entanto, cabe aqui um comentário relevante sobre a publicação de artigos científicos e o seu contexto.

Sendo um dos objetivos da FCT, a publicação de artigos científicos tem algumas zonas cinzentas que devem ser ponderadas. Por exemplo, segundo a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, o ranking de Leiden destaca a Universidade de Lisboa como líder na Península Ibérica na produção científica, ocupando a 28ª posição europeia e a 131ª posição mundial. Ora isto de ser juiz em causa própria nunca dá bom resultado.

Esta suposta “credibilização” através da publicação massiva de artigos científicos tornou-se uma moda obsessiva, que já levou a graves acusações de plágio, como aconteceu em 1991 com H. Joachim Maitre, o Dean do Communication College da Stanford University. O número de artigos publicados tornou-se o principal critérios de avaliação na carreira para professores, investigadores e outros académicos, menosprezando o peso pedagógico que resulta da qualidade das aulas lecionadas ou da relação professor aluno. Mas então, porquê, este foco excessivo nos artigos?

Conforme definido pela Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, a produção científica em Portugal é medida e indexada na Web of Science, incluindo artigos e revisões. Então, o que é a Web of Science? A Web of Science é uma plataforma de acesso pago que disponibiliza, via internet, o acesso a várias bases de dados que disponibilizam dados de referência e citação de revistas académicas, atas de conferências e outros documentos em diversas disciplinas académicas. Atualmente contém 79 milhões de registos na biblioteca principal e 171 milhões de registos na plataforma.

A Web of Science foi criada e é gerida pela Clarivate Plc, uma empresa de análise de dados anglo-americana, que opera um conjunto de serviços por subscrição, em áreas da bibliometria e da cienciometria, business e market intelligence, perfil competitivo para farmácia e biotecnologia, patentes e conformidade regulamentar, proteção de marca registada e proteção de domínios e marcas. A Clarivate calcula o fator de impacto de revistas científicas (o Web of Science index), utilizando os dados da sua gama de produtos. Tudo fica, assim, em circuito fechado: a Web of Science vende aos produtores (ou às instituições que os representam) o espaço para publicar os seus artigos científicos, vende aos utilizadores a possibilidade de consultarem estes artigos e, a partir da análise destas interações, classifica os autores e as instituições através do mencionado índice. Trata-se de uma prática comum à maioria dos sistemas de ensino superior mundiais, que foi reforçada após o Processo de Bolonha.

Mas, continuando a ligar os pontos, quem é a Clarivate Plc? Trata-se de uma empresa cotada na Bolsa de Nova Iorque, criada em 2016 na sequência da compra da divisão de propriedade intelectual da Thomson Reuters pelas empresas de capital de risco Onex Corporation e Baring Private Equity Asia.

A Onex Corporation é uma empresa canadiana de gestão de investimentos fundada por Gerry Schwartz em 1984. Em setembro de 2024, tinha 50 mil milhões de dólares sob gestão. A Baring Private Equity Asia (BPEA) é uma empresa de gestão de investimentos, com sede em Hong Kong. Foi fundada em 1997 como afiliada do Barings Bank. Em 2022, foi adquirida pela EQT AB para atuar como a sua plataforma de investimento asiática.

A EQT AB é um grupo sueco de investimento global fundado em 1994. Os seus fundos estão investidos  em private equity, infraestruturas, imobiliário, growth equity e capital de risco na Europa, América do Norte e Ásia-Pacífico. Em 2022, os ativos sob gestão da EQT totalizavam 210 mil milhões de euros. Está classificada como a 3ª maior empresa de private equity do mundo. Foi fundada em 1994 pelo banco SEB, pela AEA Investors e pela Investor AB.

O SEB é um banco sueco com sede em Estocolmo. Na Suécia e nos países bálticos, o SEB oferece uma oferta completa de serviços financeiros. Na Dinamarca, Finlândia, Noruega, Alemanha e Reino Unido, o SEB oferece serviços bancários corporativos e de investimento para clientes empresa e institucionais. O banco foi fundado em 1972 pela família sueca Wallenberg, a sua maior acionista, através Investor AB. O SEB é o maior banco sueco.

Outra acionista do SEB é a AEA. A Trata-se de uma empresa americana de private equity e concentra-se em aquisições alavancadas, capital de crescimento e investimentos em capital mezzanine. Investe sobretudo nos EUA e na Europa, mas também na Ásia. A AEA foi fundada em 1968 para investir em nome da Union des Banques Suisses (UBS) e também das famílias Rockefeller, Mellon e Harriman.

Mas a joia da coroa é a Investor AB. A Investor AB é uma holding e empresa de investimento sueca, frequentemente considerada um conglomerado. Uma das maiores empresas da Suécia, a Investor AB atua como braço de investimento da proeminente família sueca Wallenberg. As empresas da família operam em diversos setores, sendo os principais os farmacêuticos, as telecomunicações e a indústria. A Investor AB é a empresa de capital aberto mais valiosa da Suécia e detém participações maioritárias ou de controlo em outras grandes empresas suecas. Tem inúmeros investimentos em todo o mundo através da Patricia Industries e da EQT AB.

Mas, afinal, o que se pretende com toda esta lista exaustiva de participações financeiras? É simples, apenas se pretende entender quais as verdadeiras motivações subjacentes ao índice Web of Science, definido pela Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, como medida/indexante da produção científica em Portugal, um dos objetivos/pilares fundamentais da ação da FCT e um dos itens essenciais da reforma de Mariano Gago.

A conclusão a que chegamos sobre o Web of Science não só não é nada abonatória para o índice em si, para a DGEEC e para a FCT, como é sobretudo muito preocupante para a própria divulgação científica preconizada por Mariano Gago, que exclui quase totalmente a ligação entre a academia e o mundo empresarial mas se afunda por completo nesta teia mercantilista de capital (e lucro?) subjacente a um índice que é a ferramenta essencial neste processo.

Qual o efeito real que esta tipologia de divulgação científica tem na academia atual? Abordaremos este assunto na terceira e última parte do presente artigo.

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