Fundada em 1888, a Escola Superior Agrária de Santarém (ESAS) é uma das instituições de ensino público mais antigas do país e continua a afirmar-se como referência na formação e investigação agrária. No ano em que celebra 137 anos, a directora Margarida Oliveira destaca a resiliência e a capacidade de adaptação da escola às transformações do ensino superior e do sector agrícola. Em entrevista ao Correio do Ribatejo, sublinha o crescimento sustentado de alunos, a aposta em novas ofertas formativas — como Enfermagem Veterinária —, os projectos de investigação aplicados às necessidades do território e o envolvimento da instituição em redes europeias e lusófonas. A ESAS assume-se como uma escola moderna, inovadora e com os olhos postos no futuro.
A Escola Superior Agrária de Santarém é uma das instituições de ensino público mais antigas e prestigiadas do país. Que balanço faz destes 137 anos de existência e de que forma tem a escola conseguido manter-se relevante num contexto de profundas transformações no ensino superior e na agricultura portuguesa?
É uma pergunta ampla, porque, de facto, os desafios têm sido muitos. A Escola Agrária está habituada a abraçar mudanças. Estou nesta casa há 25 anos e não me recordo de um único ano sem novos desafios. O ensino superior politécnico tem-se adaptado constantemente às estratégias e directrizes da tutela. Quando entrei ainda existiam os bacharelatos; depois vieram as licenciaturas bietápicas; mais tarde, o processo de Bolonha, os mestrados e os cursos de especialização tecnológica. Hoje, já oferecemos doutoramentos.
Esta evolução constante mostra a capacidade da escola em reinventar-se. Uma instituição fundada em 1888 continua, 137 anos depois, a afirmar-se no panorama do ensino superior e do sector agrícola, com vontade e energia para continuar a inovar.
A resiliência é, aliás, uma característica que partilhamos com o próprio sector agrícola: enfrentamos as alterações climáticas, a escassez de água e os desafios da biodiversidade, mas continuamos a responder de forma positiva e construtiva.
Temos, no entanto, de lidar com uma realidade exigente: a renovação geracional. Muitos professores de grande experiência estão a aposentar-se e, com eles, perde-se um legado valioso. Ainda assim, a transição tem sido feita com equilíbrio. Os docentes que saem mantêm-se disponíveis para apoiar os novos colegas e estes, por sua vez, trazem uma nova energia, abertura a práticas pedagógicas inovadoras e maior envolvimento na investigação aplicada. Essa conjugação de experiência e renovação permite-nos manter uma escola actual, ligada às necessidades do mercado e das empresas, e com uma vantagem competitiva clara.
A Escola tem mantido uma forte ligação ao tecido produtivo e empresarial da região. Pode dar dois ou três exemplos concretos de cooperação, investigação ou inovação que traduzam essa ligação?
Sim, temos vários projectos em curso, praticamente todos desenvolvidos em copromoção com empresas, o que reforça a cooperação entre a academia e o tecido produtivo. Essa proximidade é essencial para a transferência de conhecimento e inovação.
Trabalhamos em várias fileiras, nomeadamente na dos cereais e do milho, onde estamos envolvidos em projectos ligados à Pegada 4.0, que aplica novas tecnologias à agricultura. Também colaboramos com empresas do sector hortofrutícola, em projectos de promoção da saúde do solo e de sucessão cultural. São iniciativas que decorrem há mais de uma década e que têm permitido introduzir práticas agrícolas mais sustentáveis e regenerativas.
Um dos projectos emblemáticos, financiado pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e coordenado pelo Professor Igor Dias, foca-se na agricultura regenerativa, com parceiros locais e nacionais, e tem sido pioneiro a nível nacional. Dentro do mesmo âmbito, trabalhamos também na fileira dos insectos, explorando o conceito de biorrefinarias — promovendo a economia circular e o desenvolvimento de novos produtos alimentares com elevado valor proteico e sustentável.
Coordenamos ainda projectos na área da gestão da água, financiados pela Fundação Calouste Gulbenkian, já na sua terceira edição. Estes projectos inserem-se no programa Gulbenkian Água e visam capacitar agricultores para uma utilização mais eficiente dos recursos hídricos, através da demonstração e da aprendizagem entre pares. A iniciativa tem um forte impacto no território — sobretudo no Ribatejo e no Alentejo, onde a escassez de água é particularmente crítica — e procura garantir que a tecnologia chega a todos, independentemente da dimensão das explorações.
Estes exemplos mostram como a Escola Agrária tem conseguido articular a investigação com a prática, contribuindo para uma agricultura mais moderna, sustentável e competitiva.
Falávamos há pouco do concurso nacional de acesso. Disse-me que a Escola está a crescer em contra-ciclo. Pode dar-nos uma ideia dos números deste ano e das razões para esse crescimento?
O ensino agrário tem enfrentado dificuldades a nível nacional, com uma quebra acentuada no número de estudantes que optam por estas áreas. Trata-se de um domínio científico essencial para o país, porque está directamente ligado à coesão territorial. A agricultura tem um papel decisivo na fixação de jovens em territórios rurais e no desenvolvimento das comunidades.
Apesar desse cenário, a Escola Superior Agrária de Santarém está em contra-ciclo desde 2018, registando um crescimento médio anual de cerca de 5% no número de estudantes. Este ano o aumento foi de 9% em relação ao anterior, o que é muito significativo.
Uma das razões para esse crescimento foi a abertura do novo curso de Enfermagem Veterinária, que esgotou as vagas logo na primeira fase do concurso nacional. Foi uma aposta certeira, que vem responder à procura crescente por profissionais qualificados nesta área.
Importa sublinhar que o recrutamento de novos alunos não se faz apenas pelo concurso nacional. Existem também concursos especiais — como os destinados a diplomados de cursos técnicos superiores profissionais (TESP), titulares de outras licenciaturas e maiores de 23 anos — que têm contribuído para o preenchimento quase total das vagas disponíveis.
Estes números reflectem o reconhecimento da qualidade da escola, mas também o esforço colectivo para mostrar aos jovens que a agricultura e o agro-alimentar são sectores modernos, inovadores e tecnologicamente avançados. A imagem tradicional da agricultura com “chapéu e enxada” há muito ficou para trás. O que temos hoje são explorações tecnológicas, laboratórios e empresas de ponta. Falta apenas que os jovens percebam que este é um sector com futuro — e, arrisco dizer, um dos que lhes pode trazer mais felicidade.
Assumiu a direcção da Escola Agrária em 2023. Quais foram, até agora, as principais metas atingidas e o que gostaria ainda de concretizar até ao final do mandato?
Propusemo-nos ultrapassar a barreira dos 900 estudantes, e já atingimos os 950 este ano, um número histórico para a Escola Superior Agrária de Santarém.
Estabelecemos também como prioridade o reforço da investigação: neste momento, temos 1,7 milhões de euros em projectos em curso, o que representa um crescimento de cerca de 50% face ao período anterior. Paralelamente, está em curso um investimento global de 10 milhões de euros, não apenas em infra-estruturas, mas também em recursos humanos altamente qualificados para dar corpo a este crescimento.
Estamos a recuperar e modernizar as instalações, num trabalho articulado com o Instituto Politécnico de Santarém. Um dos resultados mais visíveis foi a inauguração da nova residência de estudantes, um projecto há muito esperado e que veio melhorar significativamente as condições de acolhimento.
Em paralelo, decorre o Agro Hub, um projecto que está a reequipar a escola do ponto de vista tecnológico e laboratorial, com a finalidade de transferir conhecimento para o território. Houve igualmente uma aposta na modernização das práticas pedagógicas, com a aquisição de equipamentos inovadores que permitem aproximar a formação da realidade profissional.
Um exemplo concreto é o robô de ordenha, instalado na vacaria da escola, que representa tecnologia de ponta e prepara os alunos para o tipo de equipamentos que irão encontrar nas empresas. Outro investimento marcante foi a aquisição de um equipamento de fenotipagem, único em instituições de ensino superior em Portugal, que possibilita tanto investigação avançada como parcerias com o sector empresarial — nomeadamente no estudo do comportamento das plantas quando expostas a biopesticidas e bioestimulantes.
O trabalho feito até aqui permite-nos dizer que as bases estão lançadas. O financiamento está assegurado, as candidaturas foram bem-sucedidas e o território reconheceu a importância dos projectos. O que se segue é a fase de implementação, que exigirá tempo e persistência. Se pudesse, gostava de ter uma “varinha mágica” para ver tudo concluído de imediato, mas o essencial é que as condições estão criadas para que a Escola continue a crescer e a afirmar-se no panorama nacional e europeu.
Quais são actualmente os principais projectos de internacionalização da Escola Agrária e qual é a importância desta dimensão para a instituição?
A Escola tem vindo a desenvolver a sua actividade em duas grandes linhas: uma fortemente focada na Europa e outra voltada para os países de expressão portuguesa.
A nível europeu, integramos e lideramos uma Universidade Europeia, um passo de enorme relevância que nos permite ganhar escala e reconhecimento, não apenas em Portugal, mas também no espaço europeu. Os estudantes que ingressam no Instituto Politécnico de Santarém passam agora a ter a possibilidade de estudar em nove instituições europeias. Já estão a decorrer cursos de curta duração, com estadias de uma a duas semanas em diferentes países, e o objectivo é evoluir para escolas doutorais europeias, numa abordagem conjunta e ambiciosa.
No plano da lusofonia, o Instituto Politécnico de Santarém lidera a RIAL — Rede Internacional Académica da Lusofonia, através da qual temos vindo a estreitar relações com vários países de língua portuguesa. Estamos actualmente a cooperar com São Tomé e Príncipe, especialmente na área da agricultura tropical, apoiando a criação de cursos de formação para jovens que visam desenvolver uma agricultura sustentável e respeitadora dos recursos naturais.
Este trabalho é, de certa forma, um regresso às origens: durante muitos anos, a Escola Agrária manteve uma presença forte nos países lusófonos, que entretanto se diluiu e que agora estamos a recuperar.
A internacionalização é fundamental porque promove a partilha de boas práticas, o intercâmbio de conhecimento e o enriquecimento mútuo. Ganhamos todos — estudantes, docentes e instituições — quando cooperamos e aprendemos uns com os outros.
Para concluir, gostaria que deixasse uma mensagem à comunidade académica e à região sobre a importância da Escola Superior Agrária de Santarém e deste aniversário.
Antes de mais, uma palavra de agradecimento. Esta Escola é feita de pessoas, e é justo reconhecer o empenho de todos os que a mantêm viva — professores, funcionários e estudantes. São eles o verdadeiro activo desta instituição. Sem o seu trabalho e dedicação, nada do que alcançámos seria possível.
Quero também dirigir uma mensagem especial aos estudantes: é por eles e para eles que existimos. A nossa missão é capacitá-los para o mercado de trabalho, dotá-los de conhecimento e competências que lhes permitam ter sucesso e contribuir para o desenvolvimento das empresas e do país. Gosto de pensar que cada diplomado leva consigo uma semente — uma semente de inovação, de mudança e de futuro — capaz de transformar o tecido empresarial e fortalecer a economia nacional.
Acrescentar que, apesar de o sector agrário enfrentar dificuldades em atrair novos estudantes, a empregabilidade dos nossos diplomados é extraordinariamente elevada, próxima dos 100%.
Na maioria dos cursos, atingimos 98% de empregabilidade, e em algumas áreas diria mesmo que há procura superior à oferta — mais estudantes tivéssemos, mais profissionais qualificados o mercado poderia absorver. O sector agro-alimentar e agro-pecuário continua a ser um dos mais sólidos e com maior potencial de crescimento em Portugal.
Este dado demonstra que o ensino agrário não é apenas uma vocação, mas também uma oportunidade concreta de futuro. Cabe-nos continuar a mostrar isso aos jovens e a sociedade valorizar o papel que a agricultura desempenha na inovação, na sustentabilidade e no equilíbrio territorial.
