Até ao próximo domingo, dia 13 de Junho, está a realizar-se, em Santarém, mais uma edição da Feira Nacional de Agricultura/Feira do Ribatejo. A FNA21 será a primeira grande feira agrícola a decorrer fisicamente na nova fase de desconfinamento, que permite a realização de grandes eventos exteriores e eventos interiores. “De braços abertos, esperamos o público que acarinhamos para juntos voltarmos a celebrar a agricultura e as tradições do mundo rural”, diz, nesta entrevista, Luís Mira, secretário-geral da CAP e administrador do CNEMA, entidade organizadora do certame que adoptou o tema “A Água na Agricultura”.
Pela primeira vez, a FNA estará presente numa dupla dimensão – o formato digital será uma “extensão natural” do evento presencial, indo ao encontro dos entusiastas no ciberespaço. Aqui, o visitante irá percorrer virtualmente o recinto e descobrir os expositores que marcam presença na edição deste ano. Poderá ainda visualizar e interagir em iniciativas com temáticas diversificadas apresentadas por especialistas do sector, em webinars, apresentações ou masterclasses e assistir aos espectáculos dos artistas convidados. “A FNA 21 promete surpreender”, resume Luís Mira.

O que se espera da FNA este ano?
O CNEMA espera, com esta feira, retomar a sua actividade. Era muito duro voltar a não fazer feira. Seriam três anos, até 2022, sem realizar este importante evento para a região e era muito tempo. A situação financeira já não é fácil, e isso iria complicar em muito. Consideramos, avaliando os riscos, que tínhamos condições para fazer a feira, obviamente com limitações. Mas é preferível ter uma feira com limitações do que não fazer nada. O Covid-19 não veio para ficar eternamente, algum dia teria que se retomar a dita normalidade. Nós achamos, efectivamente que existem condições para fazer esta feira. Reforço: este é um ano atípico e por isso mesmo a Feira Nacional de Agricultura não será semelhante a 2019, mas será a feira possível. A FNA irá decorrer com limitações, com menos dias, com menos pessoas, mas será uma feira condigna e que vai demonstrar a capacidade que o sector agrícola tem para reagir às crises e adversidades. O objectivo é conseguir fazer uma feira que vá ao encontro das expectativas de expositores e visitantes, mas que cumpra todas as regras sanitárias em vigor. E esperamos que os visitantes compreendam isso, que temos que cumprir escrupulosamente as regras. Investimos muito nessa matéria. Conscientes das condições em que vivemos, as pessoas podem vir visitar, mas não podem estar até as 5:00 da manhã… não vão existir concertos e outras actividades, vamos evitar aglomeração de pessoas. Temos que respeitar e ser conscientes no combate à pandemia. Não vamos fazer nada que ponha em risco o prestígio da feira. E eu não tenho dúvidas de que quem vem estará em segurança. Por isso, outra alteração na edição deste ano, e que se prende com as regras sanitárias, é que nos espaços de restauração vão vigorar as normas actualmente impostas pela Direcção-Geral de Saúde, a medição de temperatura dos visitantes é obrigatória bem como o uso de máscara, a constante desinfecção das mãos e o distanciamento social. Haverá normas específicas de circulação nas naves e pavilhões e uma redução significativa, por exemplo, no espaço dedicado à mostra de gado.
Já as tradicionais largadas de touros contam com limitação de público e com lugares marcados. Apesar de tudo, não tenho dúvidas que a FNA 21 promete surpreender.

Vai haver, então, um privilégio dos espaços exteriores?
Sim, claramente. Aliás, isso já existia. O recinto é muito amplo e este ano as pessoas irão optar, seguramente, por estar mais na rua, fazer uma volta mais curta. Vamos evitar aglomerados. É essa a mensagem principal.

Como foi organizar esta edição da FNA?
Foi um processo muito complexo. Com adesões e desistências todos os dias, com dificuldade grande no planeamento. Só um português é que consegue organizar uma feira nestas condições… O planeamento de há uma semana atrás já não é o planeamento hoje, tivemos adaptações constantes. Compreendemos que a situação é dinâmica e a DGS não nos pode dizer um mês antes que medidas ou restrições específicas podem ocorrer… se surgir um foco… se as circunstâncias se agravassem não permitiriam que houvesse feira. Mas é um risco que tivemos de correr. É um risco ponderado, mas não deixa de ser um risco. Eu não ficava bem comigo próprio se tivesse a comodidade de não fazer a feira. Não fazia, não corria riscos, ficava aqui e, naturalmente a situação financeira piorava.

Como avalia o nível de confiança dos expositores e dos patrocinadores?
Há quem confie totalmente e que tem margem de manobra para isso e há outros que receberam instruções que os impediam de estar presentes: algumas multinacionais decidiram superiormente que seria assim. E eles não tem hipótese de participar neste ano. É uma situação normal e temos que respeitar as decisões das pessoas.

Que novidades estão preparadas para a FNA21?
A realização física e presencial da FNA21 é a grande novidade, depois de um ano muito difícil para todos. A FNA é uma forma de reforçar a imagem e de realizar negócios para todos aqueles que, com a sua presença, demonstrem o apoio à realização do evento e ao sector agrícola. A FNA21 será a primeira grande feira agrícola a decorrer fisicamente na nova fase de desconfinamento, que permite a realização de grandes eventos exteriores e eventos interiores. O objectivo é, como já referi, conseguir fazer uma feira e que vá ao encontro das expectativas de expositores e visitantes, mas que cumpra todas as regras sanitárias em vigor. Este ano, a FNA vai ter uma presença digital que se irá manter ao longo do ano, o que representa uma vantagem significativa na dinâmica entre comerciantes e consumidores do sector. Em qualquer momento será possível ao visitante procurar informação útil, estabelecer contactos e trocar informações. Numa base permanente, será também possível a consulta aos expositores e o acesso ao arquivo dos eventos da feira. Se não evoluirmos, vamos extinguir-nos. Acho que ficaram bem patentes as vantagens que tem para os expositores, para os visitantes esta questão da e-FNA. O digital é muito utilizado pelas novas gerações. A ideia não é acabar com a Feira física, mas este modelo integrado traz vantagens à própria feira física. O digital não vai substituir o encontro de pessoas à volta de uma mesa, não substitui o acto simples de beber uma imperial, de comer qualquer coisa ou de ver uma largada ao vivo. E ainda bem que não vai. Mas tem outras vantagens. Vai permitir evitar certos custos, vai permitir contactos que não seriam possíveis de outra forma. Vai permitir manter uma relação mais próxima com os expositores todo o ano, com a organização de eventos que temos já programados. Isto será também uma aprendizagem para todos e, seguramente, na próxima edição esta vertente será ainda mais forte. É uma tecnologia que veio para ficar e é uma ferramenta de auxilia a feira física.

Quais serão os principais pontos de interesse da FNA21?
A FNA21 terá vários polos de interesse para os profissionais do sector e para o público em geral. Os seminários e os debates mais técnicos serão um polo de atracção para os profissionais da área e a exposição de maquinaria agrícola, com equipamentos modernos e que têm como imagem de marca a inovação tecnológica irá cativar todos aqueles que nos visitarem. A pecuária contará com uma representação das principais raças autóctones nacionais e com uma assinalável presença de equinos, caprinos e ovinos. Por outro lado, no Salão Prazer de Provar, a FNA proporciona ao consumidor o acesso a alguns dos melhores produtos nacionais, nomeadamente os ‘Melhores dos Melhores’ dos Concursos Nacionais com Azeites, Queijos, Enchidos, Doces, Méis, entre outros. O espaço dedicado ao Programa ‘Portugal Sou Eu’, iniciativa que visa a dinamização da produção nacional, contará com vários representantes que estão no mercado. Como é hábito, as tradições ribatejanas não são esquecidas. Provas equestres, largadas de touros e provas de campinos não poderiam faltar na FNA. A preocupação com a sustentabilidade e com o ambiente é já uma imagem de marca da FNA. A utilização de painéis solares, a reciclagem de papel e plástico, o fim dos copos descartáveis e evitar, na medida do possível, o uso do papel, permitem que a pegada ecológica da FNA seja cada vez menor.

Que conferências e seminários estão previstos para a FNA21?
A FNA é habitualmente o palco de importantes debates sobre os temas que mais relevo têm para o sector, dos quais destacamos os seminários alusivos à utilização eficiente da água, à contabilidade e gestão na actividade agrícola e aos jovens agricultores, assim como os desafios da nova Política Agrícola Comum (PAC).

A FNA marca o regresso dos grandes eventos presenciais. Este é um sinal que o sector quer dar, que a agricultura está forte?
Eu penso que a agricultura demonstrou, na pandemia, que é um sector essencial. Apesar de todas as limitações e quebras, a agricultura continuou a facturar, a produzir, a inovar porque a realidade é que as pessoas precisam de comer todos os dias. Há coisas que nos fazem falta, mas podemos viver sem elas. Isso não é assim com os bens alimentares. Durante a pandemia, nunca faltou alimentos nas prateleiras, nunca se colocou essa questão. Hoje, a alimentação é barata no espaço europeu e não era assim há 50 anos atrás. Hoje, com 20% de um salário médio europeu alimenta-se a família. E, por isso, talvez, as pessoas desvalorizam este sector. Por isso, também, há desperdício alimentar porque como não há preocupação em gerir recursos.

O facto de a feira receber fisicamente o Primeiro Ministro e o Presidente da República também é demonstrativo da importância do sector?
Vejo nesse facto dois sinais: por um lado, claramente, um sinal de confiança. Essas respostas foram dadas positivamente há mais de mês. Se as mais altas figuras do Estado estão disponíveis para vir à FNA, quem sou eu para dizer que este evento é demasiado perigoso para não se realizar. E eles, nas suas intervenções, aqui, certamente deixarão claro isso mesmo. Por outro lado, esta atitude de quererem estar presentes na feira demonstra um reconhecimento da importância do sector agrícola e espero que esse reconhecimento, depois, se traduza nos programas comunitários que vão existir e no Pograma de Recuperação e Resiliência. Espero, no fundo que este gesto não se fique por isso mesmo e se converta em acções concretas que levem a um apoio efectivo ao mundo rural e que levem a que agricultura possa ser, cada vez mais, sustentável e possa ser uma actividade que tenha condições para ser praticada no mundo rural. Sem estrutura 5G nos territórios rurais não se consegue evoluir, por exemplo. O Governo tem que estar consciente que o avanço tecnológico tem que chegar à agricultura e ao espaço rural. Em suma: não é só vir à inauguração da feira é, depois, agir de acordo com isso.

Este ano o tema da FNA é a água. Os recursos hídricos são fundamentais para a agricultura e nem sempre a opinião pública tem a opinião que a água é bem gerida pelo sector. Como responde a isso?
Muitas pessoas não têm noção como é feita hoje a rega na lezíria do Tejo, por exemplo, com que equipamentos isso se faz. O que ainda se lembram era como isso era feito antigamente, em que se enchia um rego e, enquanto havia água, regava-se. Hoje, já não é assim. Hoje, a eficiência na utilização de água na agricultura, nas explorações que tem tecnologia, é superior à gestão da água feita para consumo humano. Os agricultores estão plenamente conscientes que esta gestão é fundamental para poderem continuarem a produzir. A utilização da água é um factor determinante na capacidade produtiva de toda a agricultura. Foram criados muitos mitos em torno do consumo deste recurso e que este sector gastaria muita água, mas a agricultura moderna tem uma utilização mais eficiente da água do que qualquer outro sector.
Há 20 anos atrás, dizia-se que a água era uma forma de aumentar a capacidade produtiva: hoje, esse mesmo factor é para conseguirmos manter a produção face às alterações climáticas. A água é determinante e, num país com o nosso clima, a gestão da água é um assunto importantíssimo. Não é só na zona do Alqueva ou do Tejo, é em todo o país. Quando houve seca há dois anos atrás, ela sentiu-se na zona de Viseu, não se sentiu no Alentejo porque essa zona tem já recursos de armazenagem e capacidade para dar resposta. Por isso, repito: este não é um problema de uma só região, é um problema de todos. O desafio da Água é fulcral para a agricultura e é um tema que preocupa todos os cidadãos. No momento em que se discutem tanto as alterações climáticas, em que precisamos de gerir cada vez melhor este recurso escasso e precioso que é a água, a organização da feira entendeu colocar, precisamente, a água na discussão central da FNA.

Quais os assuntos centrais do regadio para a agricultura nacional?
Os grandes desafios do regadio passam pela gestão sustentável da água, um problema que é transversal a toda a sociedade, numa fase em que tanto se fala de alterações climáticas e poupança de água.
Os agricultores necessitam de regar, mas precisamos de ter infra-estruturas que armazenem e facultem o acesso à água, para que possam produzir alimentos.
Precisamos também de aprofundar o conhecimento sobre o reaproveitamento de água no sector agrícola, sobre como armazenar mais água, sobretudo para salvaguardar os períodos de carência, que têm sido mais frequentes nos últimos anos. A utilização da tecnologia digital é fundamental para uma maior eficácia de ‘como regar’ e ‘quando regar’.

Que acções o sector deve tomar para melhorar a eficiência no uso da água, principalmente à luz das alterações climáticas?
As alterações climáticas estão na ordem do dia. Na área do regadio, importa investir, melhorar e utilizar o conhecimento científico, para que a tecnologia da rega seja cada vez mais eficiente e atinja o ponto ideal de disponibilizar apenas a quantidade de água necessária. A utilização de sensores, estações meteorológicas e computadores, é a única forma de se atingir essa sustentabilidade.

O Projecto Tejo seria fundamental para alavancar a agricultura, e não só?
Esse não é um projecto só de agricultura. É um projecto multifunções: o Oeste é uma zona com grande capacidade produtiva, mas, se se nada for feito, daqui a 20 anos deixa de o ser. As previsões apontam claramente para isso. É preciso agir já para que essa situação não se venha a verificar. Ou percebemos isto de uma forma clara e criamos infra-estruturas para colmatar essa situação, ou então teremos um problema grave.

Como vê as críticas dos movimentos ambientalistas que rejeitam a construção de novas represas no rio?
Pode-se responder a isto com conhecimento científico: também não queriam a Ponte Vasco da Gama por causa dos flamingos e eles estão lá. O que espero é que, com base no conhecimento científico, sejam tomadas decisões que não são para dois ou três anos. Lembro que o Alqueva também levou o seu tempo para ser construído. E estes projectos estruturantes, obrigatoriamente, levam tempo. Imaginem qual seria a capacidade produtiva do pais se não fosse o Alqueva…

Quais as grandes medidas que a CAP defende para apoiar o sector? Que medidas seriam necessárias no PRR?
A agricultura ficou praticamente fora do PRR. Este instrumento foi encarado pelo Estado quase como um orçamento suplementar e colocou grande parte das verbas no próprio Estado. É um erro, na nossa perspectiva. Ainda na semana passada avaliei o PRR espanhol e estão lá 100 mil milhões de euros que Governo Espanhol vai colocar no apoio às zonas rurais que têm tido perda de população nos últimos anos. Para se terá a noção, isto equivale a 10% do PRR Espanhol e, em termos de números é quase tanto como o nosso PRR todo. São acções destas que revertem as coisas e não discursos a dizer que estão preocupados com o interior e, depois, quando há uma oportunidade colocamos o dinheiro todo nas cidades e na máquina do Estado e deixamos de fora o mundo rural e as empresas produtivas.

Filipe Mendes
Daniel Cepa

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