A Associação de Ginástica do Distrito de Santarém (AGDS) organizou no passado dia 29 de Maio (quarta-feira), a sua quinta Gala anual (ver caixa), durante a qual foram prestadas homenagens a ginastas, treinadores, juízes e clubes que mais se distinguiram no Ciclo Olímpico de 2020 a 2023, a nível Distrital, Nacional e Internacional.

Oportunidade para esta entrevista a Victor Varejão, presidente da AGDS, na qual o dirigente reconhece que “o problema do desporto em Portugal é a falta de organização e método”. 

“Na minha opinião falta estratégia e estrutura na administração pública desportiva central”, refere, deixando uma mensagem clara ao poder central que gere o desporto em Portugal: “O estado que deixe de andar a dar dinheiro para os problemas e crie infra-estruturas físicas de qualidade que permaneçam para o futuro. Vamos lá pensar nisto se faz favor”.


A Ginástica no Distrito de Santarém atingiu o recorde de 1.900 praticantes federados, quando há 10 anos eram cerca de 650. Qual a receita do sucesso?

Trabalho em equipa alargada na qual entram os contributos dos ginastas, dos treinadores, dos dirigentes, dos juízes e até de alguns pais que nos abordam, dando o seu ponto de vista com elevação e sentido crítico positivo. Visão 360.º onde a opinião de todos conta.

Todos os anos se reúne na pré-época com todos os treinadores, por disciplina gímnica, analisando a ginástica como cultura organizacional e as diferentes disciplinas como sub-cultura, com a sua própria realidade e necessidades. Foco em como se pode ajudar o clube em todas as vertentes, qualitativas, quantitativas e partir daí, do individual para o colectivo, como estratégia de crescimento geral. 

A metodologia é simples: análise à época anterior, realinhamento do projecto, planeamento, implementação e voltar a analisar. O ciclo é sempre o mesmo, as estratégias mudam conforme a necessidade resultante da análise. A mudança, essa, é antecipada, programada, apresentada, negociada até ao máximo consenso possível, por forma a abarcar todos. Em resumo, com todos.


A Associação de Ginástica de Santarém é a segunda mais antiga do país, estando a comemorar 42 anos de existência. Que balanço faz desse longo percurso?

Um percurso muito positivo. Em crescente constante, assente em trabalho sustentado em planeamento, gestão flexível de acordo com as diferentes realidades no distrito, muito empoderamento em quem demonstra capacidade para o receber.

Tudo assenta numa política de relação com todos os parceiros e stakeholders, desde os agentes desportivos, outras congéneres distritais, Federação, patrocinadores e autarquias. Um processo feito com positividade atrai positividade. Um sorriso normalmente é correspondido com outro sorriso…


Quem quiser escrever a história da Associação de Ginástica de Santarém não se pode esquecer de quem?

Cândido Azevedo, José Gameiro, Pisca Eugénio, Luís Arrais, Guilhermina Magalhães (Gui), estes foram os motores. Depois, Ari Paim Júnior, Carlos Matias, Cândida Ramos, Cristina Mendes, António Antunes Silva (Toneca) e os olímpicos Nuno Merino, Diogo Ganchinho e Ana Rente. Neste momento não posso deixar de referir os colegas da direcção, Ana Varajão, Paulo Chora, Ana Arrais, Carlos Jacob e o presidente da Assembleia Geral, Manuel Gutierres.


Falar da Associação de Ginástica de Santarém é falar de Víctor Varejão. Tem quatro décadas dedicadas à Ginástica. Tem valido a pena?

Isso é um exagero. Não acredito em trabalho individual, acredito em equipas. Não gosto do pronome pessoal eu e prefiro de longe o nós.

Se valeu a pena? Respondo dizendo que devo mais à ginástica do que ela a mim. Moldou-me, fez de mim melhor pessoa. Aprendi valores humanos que foram fundamentais para mim. Por exemplo, quando fui ginasta aprendi a relativizar o facto de não ganhar. Aprendi que já ganhava, não se subisse ao pódio, mas se tivesse feito o meu máximo potencial. Isso era o que estava ao meu alcance, dar o meu melhor. Subir ao pódio era um factor que não dependia só de mim, aprendi a dar valor ao trabalho dos meus colegas. A respeitá-los e a motivá-los.

Ao longo destes anos mudámos muitas vidas para melhor. Miúdos que saíram do país pela primeira vez, pelas nossas mãos. Que viram Mundo. Que se tornaram melhores ginastas, treinadores, dirigentes, juízes, pais, etc. Sim, olhando deste ponto de vista, valeu tanto a pena que não trocava esta vida por nenhuma outra, sinto-me agradecido e muito honrado.


Em Fevereiro deste ano a Associação de Ginástica de Santarém conquistou Ouro e Prata na Copa Galícia em Trampolins e Tumbling. Foi um dos recentes momentos altos da Associação. Que outros destaca?

As nossas Selecções Distritais são o conjunto do trabalho dos clubes, dos treinadores e dos ginastas. A Associação empresta o nome, agrupa e organiza. Torna a participação desportiva nestas competições mais eficiente, ou seja, atingindo os resultados propostos, mas com menos dispêndio de recursos.

Houve muitos momentos verdadeiramente emocionantes na história da Associação de Ginástica de Santarém. Já falei dos nossos olímpicos. Mas não podendo esquecer que o actual presidente da Federação de Ginástica de Portugal, Luís Arrais. Já foi aqui ginasta, treinador, juiz e dirigente. Carlos Matias é seleccionador nacional, o Diogo Ganchinho foi campeão da Europa em Trampolim, o Nuno Merino, Jorge Merino, Bruno Nobre, Amadeu Neves, as gémeas Robalo, Ana Gomes. Mais recentemente o Francisco José, campeão de Europa júnior, Inês Correia, Lucas Santos, Henrique Moreira, Francisco Rodrigues, Joel Catarino. Temos passado de honra, um presente muito constante que antecipa um futuro brilhante. Estamos a trabalhar para isso. 


Qual a receita para se ter uma carreira na ginástica?

É o segredo mais mal guardado do Mundo: trabalho e qualidade. Dou o meu exemplo: sempre trabalhei muito como ginasta e nunca fui sequer de nível médio. Era o campeão do trabalho, mas não tinha talento. Se juntarmos talento ao trabalho, alimentação regrada, apoio familiar, acompanhado de treinador competente, equipamento desportivo adequado, clube bem estruturado. Se somarmos tudo isto estamos seguramente mais perto de ter uma carreira de sucesso na ginástica, no entanto, devo ressalvar que nem todos os ginastas têm sucesso desportivo. O sucesso é relativo. A satisfação pessoal e o gosto, são factores de sucesso. Conheço muitos ex-ginastas, onde me incluo que abraçaram carreiras como treinadores, juízes ou dirigentes. Ou até como pais experientes que se transformaram em factor critico de sucesso junto dos seus filhos ginastas. 


Quais são as maiores dificuldades em ser ginasta em Portugal?

Parte delas já as referi. Os equipamentos gímnicos são caros, de desgaste e de fixação/montagem 24 horas por dia, o que inviabiliza os espaços onde estão montados, para a prática de outras modalidades, criando por vezes conflito. Um ginasta talentoso e trabalhador que consiga abdicar de algumas horas de convívio com os amigos para as dedicar ao treino. Que concilie a escola com o treino e a família têm as dificuldades mais simplificadas, tornando-as mais geríveis.


Os trampolins têm grande peso na região. Porquê?

Já não é bem assim. De facto, os Trampolins são a disciplina que têm mais ginastas neste momento por uma questão de prática histórica. Releva para isso o facto de os Trampolins terem começado no distrito com o Mini-Trampolim que é um aparelho barato em relação a umas Paralelas ou Argolas. Só para referir alguns aparelhos. 

No entanto, quer a Acrobática quer a Artística estão ao mesmo nível de praticantes. Podemos afirmar que existem trampolins em todo o distrito mais artística no Norte e mais acrobática no Sul. Até o TeamGym e a Ginástica para Todos se começam a se afirmar a nível nacional e a nossa aeróbica que se mantem estável. O Parkour será o próximo estudo de caso no distrito.


Os clubes deviam ter mais ajudas do Estado?

Tenho duas respostas para esta pergunta: sim e sem dúvida.

Se perguntarem a um treinador qual a sua prioridade para trabalhar, nunca lhe diriam dinheiro. As condições de trabalho são a charneira. Um espaço bem equipado com boas condições de trabalho e de segurança.

O estado que deixe de andar a dar dinheiro para os problemas e crie infra-estruturas físicas de qualidade que permaneçam para o futuro. Vamos lá pensar nisto se faz favor. 


No desporto em geral luta-se muito pelo equilíbrio de géneros, com supremacia dos rapazes, já na ginástica passa-se o contrário, a grande maioria dos atletas filiados são do género feminino. O que tem sido feito para convencer os rapazes a ir para a ginástica?

Boa pergunta. Durante muitos anos no pôs 25 de Abril, era factor de majoração nos apoios financeiros, ter praticantes femininas, não terá sido o factor principal, mas contribuiu.

Cada disciplina tem as suas idiossincrasias. A ginástica, pela beleza que empresta ao movimento, à estética, à graciosidade, foi sempre mais procurada por meninas. Os rapazes queriam era “bola”. Contacto físico e alguma virilidade. Eu comecei no futebol. Como não tinha jeito nenhum, fui para o ténis de mesa na Briosa de Santarém, onde joguei com os craques juniores do meu tempo. Nunca cheguei a sénior porque, quando fui ao ginásio do seminário pela primeira vez, percebi que era mesmo aquilo. Não tanto pela estética, mas pela disciplina, pelo rigor. A concentração e o foco que me ajudaram mais tarde na escola e na faculdade.

Os valores do respeito, da solidariedade e da entrega foram hipnotizantes. Acho que acontece o mesmo a todos os ginastas independentemente do género.


É fácil cativar os jovens para a ginástica tendo a concorrência de muitos desportos colectivos, como o futebol, por exemplo?

É fácil e difícil. Se tiveres boas condições para o trabalho, um clube bem organizado, treinadores formados e competentes e que acrescentem resultados desportivos e sociais, mas que tenham a noção que vivemos numa sociedade mediática e que tens de dar à estampa o nosso trabalho, por forma a divulgá-lo como estratégia de informação e captação de praticantes, é mais fácil. Se estas condições não estiverem reunidas é mais difícil. Imaginem que fazem um grande trabalho, mas ninguém sabe, a informação circula boca a boca, o que nos dias de hoje, com as redes sócias e a Internet, conta pouco na concorrência com outras actividades desportivas. No entanto, devo dizer, que como cidadão, não fico preocupado se os praticantes desportivos forem para outras modalidades, pois devemos é estar todos juntos em ganhá-los ao ócio ou aos comportamentos desviantes. Essa é a visão que qualquer dirigente cidadão deve ter.

Que papel tem exercido a Escola no fomento da ginástica no nosso país, sabendo que a actividade física devia ser dada nas idades mais baixas, até na primeira infância.

O problema do desporto em Portugal é falta de organização e método. Existem muitos “desportos” em Portugal. Existe o desporto federado ao qual eu pertenço, o desporto escolar, actividade física, saúde, etc. Na minha opinião falta estratégia e estrutura na administração pública desportiva central.

Acho que o actual secretário de Estado do Desporto sabe disto e, se tiver tempo e lhe derem o espaço irá uniformizar todos os diferentes desportos que existem em Portugal, divididos por diversos ministérios.

Em concreto e no que respeita à escola, o desporto escolar no que à Ginástica diz respeito está bem organizada, bem dirigida e com excelentes técnicos. São treinadores na área gímnica e professores de educação física. O distrito de Santarém, está bem servido nesta matéria. Se falarmos de actividade física nos jardins-de-infância e 1.º Ciclo deverão ser as autarquias, articuladas com os agrupamentos de escola a intervir e do que conheço, há muito a fazer. Os clubes locais, os seus treinadores o seu conhecimento e o histórico das modalidades praticadas devem ser tidos em consideração.


Muito se tem falado da necessidade de novos espaços para a prática desportiva em Santarém, nomeadamente um novo complexo desportivo. A cidade necessita de mais infra-estruturas nesse campo, nomeadamente de apoio à ginástica?

Acho que existem boas instalações para a prática da Ginástica em Santarém, mas não são de raiz. Têm de ser constantemente adaptadas.

Por exemplo um fosso que não existe seria muito necessário para permitir uma mais rápida evolução nos elementos técnicos e traria mais segurança na realização e progressão dos mesmos. Não quero ser crítico, o que existe é bom, mas podia ser melhor. Se fosse melhor o patamar de evolução seria outro e por consequência os resultados seriam ainda melhores, mais regulares e mais seguros. Seria o sonho dos dirigentes, treinadores e ginastas que dedicam amor e tempo ao desporto em geral.


A ginástica está na moda? Uma mensagem final para convencer os jovens
a escolher a ginástica para a sua prática desportiva…

Sim. A arte e a beleza estão na moda. Logo a Ginástica acompanha. A Ginástica é a “melhor” modalidade do Mundo. É beleza, arte, esforço, dedicação e desafio. Rigor e concentração. Dedicação e compromisso.

É foco e autodisciplina que vai moldar positivamente quem vamos ser no futuro. Na escola, no trabalho e na família. É amor próprio e pelos outros. É união, cumplicidade e grupo. É adrenalina. É o melhor do Mundo. É nisso que eu acredito.

JPN

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