A Cruz Vermelha Portuguesa faz parte do Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, que celebra esta Sábado, 8 de Maio, mais de século e meio de acção humanitária mundial. Em todo o mundo, a Cruz Vermelha e Crescente Vermelho ajudam a apoiar 180 milhões de pessoas anualmente, em programas comunitários, resposta a catástrofes e inspirando esperança. A propósito desta efeméride, o Correio do Ribatejo entrevistou António Conceição, director do Centro Humanitário Santarém/Cartaxo da Cruz Vermelha Portuguesa que nos deu nota do importante papel que a organização desempenhou “na linha da frente” do combate á Covid-19. Com cerca de 11 mil voluntários, a organização alcança perto de 1 milhão de pessoas anualmente, com actividades e projectos liderados por voluntários. Os seus serviços têm um impacto positivo nas comunidades, servindo em locais como hospitais, escolas, creches, clubes sénior, prisões, casas de acolhimento e, também, directamente, nas casas das pessoas.

António Conceição, director do Centro Humanitário Santarém/Cartaxo da Cruz Vermelha Portuguesa.

Que tipo de serviços e respostas presta o Centro Humanitário Santarém/Cartaxo da Cruz Vermelha Portuguesa à comunidade?
Com a missão de prestar assistência humanitária e social, em especial aos mais vulneráveis, prevenindo e reparando o sofrimento e contribuindo para a defesa da vida, da saúde e da dignidade humana, o Centro Humanitário Santarém/Cartaxo disponibiliza um conjunto de serviços nas áreas da Saúde, Emergência e Apoio Social, nomeadamente: Serviços Clínicos (Santarém/Cartaxo), Estrutura de Socorro e Emergência, Apoio Domiciliário Idosos e Dependentes Cartaxo, Cedência/Aluguer de Produtos de Apoio (Santarém/Cartaxo), Equipa Local de Intervenção Precoce (Cartaxo), Equipa Acompanhamento Rendimento Social de Inserção Cartaxo (RSI), Serviço Atendimento e Acompanhamento Social Santarém (SAAS), Loja Humanitária (Cartaxo), Distribuição de géneros Alimentares e outros Bens Essenciais e Cantina Social (Cartaxo). É, portanto, um leque alargado de serviços que prestamos no apoio à população fragilizada que depende, em grande medida, deste tipo de valências.

Quais os maiores desafios que o Centro Humanitário enfrentou ao longo do último ano?
A pandemia de Covid19, com início em Março de 2020 trouxe inúmeros desafios ao Centro Humanitário, designadamente financeiros e a nível interno no que se refere à gestão das pessoas e ao modelo de organização e funcionamento.
Tivemos necessidade de alterar a forma de nos relacionarmos com os beneficiários e adoptarmos novas estratégias para garantirmos a continuidade das respostas e serviços à comunidade.
Face ao aumento do número de pedidos de apoio social e a impossibilidade de mantermos a nossa actividade nos moldes tradicionais, tivemos que equacionar novas estratégias de captação de recursos, mobilizar parcerias com entidades publicas e privadas e criar novas respostas/serviços.

E as maiores dificuldades sentidas? Como as ultrapassaram?
Entre as maiores dificuldades estão, seguramente, a gestão de pessoal porque, em virtude de contactos com doentes suspeitos e/ou positivos à COVID 19, obrigou a diversas alterações devido aos isolamentos preventivos enquanto aguardamos pelos resultados dos testes. Estas dificuldades foram geridas e ultrapassadas com um grande espírito de sacrifício de todos os colaboradores e voluntários, sempre disponíveis para colaborar e cooperar.
A constante exigência e adaptabilidade à COVID 19 e às regras impostas pela DGS, criou também algumas dificuldades ao nível da gestão das equipas pela necessária reformulação de horários e turnos, equipas em espelho, recurso ao teletrabalho e a suspensão de reuniões presenciais, obrigando a ser efectuada uma gestão de pessoal e serviços com alterações diárias.
Problemas iniciais para aquisição de equipamentos de protecção individual adequados e nas quantidades necessárias, assim como, a necessidade permanente no investimento de EPI, gerando dessa maneira uma redução significativa nas receitas, que sem apoios, obrigou a uma gestão dos recursos ainda mais optimizada e de forma mais exigente.
Toda esta situação gerou um maior absentismo das equipas, motivado pelo cumprimento de isolamentos profiláctico ou necessidade de garantir assistência à família.
Assistimos, igualmente, a uma falta de recursos humanos com competências técnicas para lidar com o contexto pandémico e o crescente desgaste motivado por esse contexto, escassez de recursos materiais para atender ao aumento crescente de situações de carência e vulnerabilidade social e económica por parte da população e a necessidade de garantir o cumprimento das medidas da Direcção-Geral da Saúde, mas sem suspender ou encerrar as nossas respostas prioritárias de apoio à comunidade.

De que forma é que a estrutura se adaptou para continuar a dar resposta à população?
Foi necessário adoptarmos planos de contingência e implementarmos medidas de contenção em termos de higiene e protecção individual, que se traduziram em custos elevados para o centro humanitário, mas que se revelaram fundamentais para evitar a redução ou suspensão dos nossos serviços.

Tiveram um papel decisivo na montagem, por exemplo de um Hospital de Campanha em Santarém. Este tipo de acção demonstra o papel vital que a Cruz Vermelha Portuguesa continua a ter?
Na minha modesta opinião, sim, pois o Centro Humanitário a convite do município de Santarém colaborou com o serviço municipal de protecção civil, assim como com o hospital de Santarém, nas acções de formação para assistentes operacionais para assegurarem o funcionamento do hospital de retaguarda. A Cruz Vermelha colaborou ainda no encaminhamento nas testagens urgentes a elementos da GNR, PSP e corpos de bombeiros proporcionando que a sua operacionalidade não fosse afectada, bem como efectuamos a montagem de um posto de apoio aos sem abrigo através do nosso serviço SAAS

De que forma é que a Cruz Vermelha continua a estimular o voluntariado?
Dedicando o nosso trabalho junto das pessoas que precisam de nós com serviços de qualidade e onde as suas necessidades se encontram, para que também sintam vontade de se juntar a nós e informando as comunidades locais da actividade que dinamizamos, das oportunidades de voluntariado que temos e dos serviços que prestamos, para que conheçam o que aqui se faz.
Abrimos, igualmente campanhas de recrutamento com periodicidade programada e para as necessidades que vão surgindo, para impulsionar quem já pensou em ser Voluntário CVP e ainda não deu o passo.
Promovemos, também, o trabalho colaborativo com parceiros institucionais e empresariais do tecido local para que muitos mais conheçam e beneficiem da nossa actuação. Por outro lado, aplicamos um modelo de gestão eficaz de voluntariado, não só para o seu recrutamento e integração, mas também (e sobretudo) para potenciar a motivação dos voluntários para a sua retenção na Instituição.

Qual tem sido o papel do Centro Humanitário Santarém/Cartaxo no Núcleo de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo (NPISA) em Santarém?
Temos mantido um papel activo no NPISA, tanto ao nível da identificação como no atendimento e acompanhamento de pessoas em condição de Sem Abrigo, através do nosso Serviço de Atendimento e Acompanhamento Social, em Santarém.
No primeiro estado de emergência, em Março de 2020, numa articulação estreita com o Município de Santarém, estivemos envolvidos na criação de uma estrutura de alojamento temporário, garantindo apoio técnico e logístico necessário ao seu funcionamento.
No cumprimento da nossa missão humanitária de assistência aos mais vulneráveis, consideramos prioritária e urgente a intervenção com pessoas em condição de sem abrigo. Neste sentido, e em estreita articulação com o Município de Santarém, procuramos uma solução que viabilize a implementação, ainda durante 2021, de uma nova resposta social de integração dos Sem Abrigo, através da Metodologia Housing First.

Em relação ao ‘CARTÃO DÁ’, como funciona este programa?
O Centro Humanitário é uma das 19 estruturas locais da CVP que integra o Programa Experimental Cartão Dá – Bens Esssenciais.
Desde Abril de 2021 que apoiamos através deste Programa, 50 famílias, num total de 125 pessoas. O programa consiste na atribuição de um cartão recarregável, por agora limitado à rede de Hipermercados Continente, com plafonds mensais que variam entre €50 para uma pessoa e €100 para quatro ou mais, havendo uma majoração de 10% por elemento em agregados a partir de seis pessoas.
A Cruz Vermelha pretende com esta iniciativa dignificar as populações vulneráveis e permitir que estas possam usufruir da escolha de produtos alimentares e outros bens essenciais de acordo com as suas preferências e necessidades.
Esta modalidade de apoio permite-nos apoiar as famílias de modo mais eficiente, reduzindo custos de burocracia e logísticos associados à tradicional entrega de cabazes. Permite, igualmente, diversificar o apoio concedido e prevenir o desperdício, uma vez que a escolha dos produtos é da responsabilidade dos próprios beneficiários.
Por forma a ajudar na gestão deste orçamento mensal, as famílias abrangidas por este programa são apoiadas por técnicos da área social, nomeadamente assistentes sociais, educadores sociais e psicólogos.

Considera que esta modalidade de apoio pode vir a estender-se em larga escala ao país?
Esta modalidade de apoio que promove maior dignidade aos seus beneficiários virá, sem dúvida, a constituir-se numa estratégia inovadora que será replicável por todo o país. O próprio governo estuda hipótese de adoptar sistema de cartão electrónico para ajuda alimentar aos mais carenciados, encontrando-se a negociar as regras com a Comissão Europeia.

A Cruz Vermelha lançou recentemente o Selo COVID Tested & GO para ajudar as empresas a recuperar a confiança dos seus clientes. Em que consiste este projecto?
Estando a Cruz Vermelha Portuguesa desde o início da Pandemia focada na prevenção e controlo da COVID-19, e numa altura em que o país está a voltar à normalidade nomeadamente ao retorno das actividades diárias, quer a nível pessoal quer a nível profissional, torna-se importante continuar a garantir essa segurança.
Assim, e seguindo esta premissa da OMS, a CVP propõe-se a disponibilizar um serviço de controlo e qualidade através da certificação COVID Tested & GO.
Este serviço consiste num plano de testagem à COVID-19 de forma regular e personalizado, demonstrando o seu compromisso e contributo para manter a segurança relativamente ao vírus, de forma a providenciar aos clientes e colaboradores um espaço seguro e regularmente testado contra a COVID, através da implementação de medidas de altos níveis de segurança, higiene e saúde, de forma a recuperar a confiança da população nas atividades diárias, comprovando também que o local em questão segue um regime de boas práticas na prevenção e controlo da propagação do vírus.

O Dia Mundial da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho celebra-se a 8 de Maio. Que mensagem gostaria de deixar?
A Pandemia mostrou que o futuro da acção humanitária é local. As organizações humanitárias e a sociedade civil tiveram que adaptar a forma como trabalham durante a pandemia, tendo em vista as restrições de viagens e os limites de como as pessoas podem colaborar pessoalmente. Isso destacou o que a Cruz Vermelha sempre soube, ou seja, que os actores locais estão em melhor posição para saber, não apenas do que suas comunidades precisam, mas também como fornecê-las melhor e com mais eficácia para uma implementação directa, potenciando dessa forma uma programação mais objectiva e centrada na comunidade.
O tema do Dia Mundial da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho de 2021 é #imparáveis/#unstoppable, porque juntos, o nosso compromisso de tornar o mundo um lugar mais seguro e tranquilo é #imparável/#unstoppable. Os voluntários e colaboradores da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho sabem que o poder de mudar o mundo está nas pessoas e nas comunidades. Eles trabalham todos os dias com a determinação de garantir que as comunidades tenham o conhecimento e os meios para se proteger, reduzir seus riscos e viver com segurança e dignidade.
Mas mais importante que uma mensagem, e no seguimento do que foi referido é recordar o apelo humanitário que foi feito por Henry Dunant: “é inevitável, e será sempre inevitável considerar que, pela cooperação com as comunidades, se pode alcançar o objectivo desejado.” Por isso, o apelo é feito a todos: homens e mulheres, adultos jovens e crianças; “porque, de uma forma ou de outra, todos podem, cada um, na sua esfera de acção e dentro dos seus limites, fazer alguma coisa para continuar o bom trabalho.”

Filipe Mendes

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