Por força das medidas preventivas face à catastrófica pandemia do Covid-19, estão as famílias católicas impedidas de cumprir um dos rituais familiares da maior profundidade na sua essência cristã – celebrar a Páscoa.
Decretado que foi o estado de emergência, já prorrogado por mais um período quinzenal, o Governo interditou a deslocação de pessoas para fora do seu concelho de residência nos dias mais próximos do Domingo de Páscoa, sendo que nos restantes dias a permanência fora de casa e a circulação nas ruas e estradas está estritamente reduzida ao mínimo e indispensável. Compreendemos e acatamos respeitosamente.
Bem vale a pena privar-nos um ano desta celebração familiar para a podermos repetir nos anos vindouros que esperamos viver. O risco da contaminação pandémica não está debelado, nem estará, ao que parece, tão cedo; não existem ainda medidas profiláticas específicas para evitar a sua contaminação e, assim, não nos resta senão resguardar-nos e defendermos do risco de contágio aqueles de quem tanto gostamos, e que, naturalmente, se incluem numa faixa etária teoricamente mais vulnerável.
Em bom rigor, a ninguém está interdita a celebração pascal, apenas não a podendo cumprir nos termos em que habitualmente o vinham fazendo, o que explica tão eloquentemente este afã pela deslocação à terra natal onde, na maioria dos casos, ainda residem os pais e os avós.
A palavra Páscoa tem origem no termo hebraico “Pessach”, que significa passagem, transição, evocando as celebrações judaicas em que se comemora a libertação do povo Judeu e a sua passagem do Egipto para Canaã, a Terra Prometida, atravessando o Mar Vermelho e o deserto até ao Monte de Sinai, sob as orientações de Moisés. Representa a entrada num mundo de luz por oposição ao mundo das trevas que ficara para trás e, outrossim, lembra a passagem de um anjo que teria poupado os judeus da morte pelas sucessivas pragas que caíram sobre o Egipto. Assim, a Páscoa é a celebração dos novos tempos de felicidade, é a festa da alegria e da fraternidade de quem ultrapassou tantas provações em comunidade.
Os primeiros cristãos, sendo principalmente os judeus que abraçaram a nova religião, continuaram a celebrar a libertação do seu povo, mas atribuíram-lhe um novo simbolismo, utilizando como base um outro tipo de passagem – a da morte para a vida, baseada na ressurreição de Jesus Cristo, três dias após a sua crucificação.
O termo anglo-saxónico que corresponde como vocábulo à palavra Páscoa é Easter, que radica etimologicamente no nome de Eastre, ou Ostara, deusa teutónica símbolo da primavera e da fertilidade, tradicionalmente celebrada durante o mês de Abril. Este culto pagão simboliza a passagem do tempo de Inverno para o tempo da Primavera, numa época próxima do equinócio de Março. Esta analogia é interessante na medida em que, tal como na Páscoa cristã se evoca a vitória da Vida sobre a Morte, ou seja, a Ressurreição de Cristo após a sua crucificação, também neste culto pagão se assinala o renascimento da natureza, que floresce na Primavera fechando o ciclo de morte conotado com o Inverno.
Crê-se que a relação estabelecida entre os tradicionais símbolos da Páscoa – o ovo e o coelho, elementos associados à iconografia da deusa Ostara – poderão ter aqui a sua origem, pois o ovo representa a renovação da vida e o coelho a fertilidade, virtudes que se celebravam tanto na sua relação com a Natureza como com a própria humanidade. Estas tradições típicas dos países de influência anglo-saxónica extravasaram as suas fronteiras e estenderam-se praticamente a todo o mundo, fruto da globalização social e económica, pelo que hoje proliferam as referências simbólicas e comerciais em torno destes objectos, nomeadamente, os ovos, as amêndoas, em forma oval, e os coelhinhos pascais.
Nas aldeias e vilas do interior, bem assim como nas principais cidades, a Semana Santa, demarcada entre o Domingo de Ramos e o Domingo de Páscoa, após o longo e exigente período da Quaresma, era vivida com muita intensidade e convicção, especialmente na Quinta-Feira Santa, na Sexta-Feira de Paixão, no Sábado de Aleluia e no próprio Domingo de Páscoa. Mesmo as famílias que não eram muito praticantes do culto católico, embora o respeitassem e, sobretudo, fossem tementes a Deus, cumpriam nestes dias os preceitos prescritos pela Igreja.
De entre os muitos ritos pascais praticados no nosso país, destacam-se as procissões – como a Procissão dos Fogaréus, no Sardoal – a “Amenta” das Almas, que se repetia nas noites de sábado para domingo durante todas as semanas da Quaresma, a Missa da Santa Ceia, na noite de Quinta-Feira Santa, a Vigília Pascal e as Vésperas. Em algumas localidades mais devotas reconstituiam-se até as catorze estações da Via Sacra.
Se os primeiros dias da Semana Santa eram vividos com profundo sentimento de tristeza pela morte de Jesus Cristo, o Sábado de Aleluia e, sobretudo, o Domingo de Páscoa revestiam-se de uma espiritualidade festiva, porque, pelo sacrifício do Redentor, a Vida tinha triunfado sobre a morte, emprestando sentido à expressão “Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá; E todo aquele que vive, e crê em mim, nunca morrerá. Crês tu isto?” (João 11:25-26). Uma Páscoa Feliz!