“O partido Republicano Nacionalista não tem pressa de chegar ao poder porque é devagar que se vai ao longe” (CE, 21/4/1923, p. 1)

A elite parlamentar e ministerial da I República tem sido alvo de vários estudos nos últimos anos, especialmente por historiadores como o pioneiro Oliveira Marques, Pedro Tavares de Almeida, António Costa Pinto, Ernesto Castro Leal, José Pacheco Pereira e Paulo Jorge Fernandes. Os estudos sobre a elite partidária no referido período são escassos, o que sucede no caso do partido Republicano Nacionalista (1923-1935), do qual apenas se conhecem os trabalhos do professor da Universidade de Évora, Manuel Baiôa, muito relacionados com o escol lisboeta e eborense.

No editorial de 3 de Dezembro de 1921, do Jornal “Correio da Extremadura”, João Arruda já se referia à formação de um “pacto político” que devia conduzir à união das forças republicanas contra o partido Democrático, após o assassinato do chefe do governo, António Granjo, juntamente com outros consagrados republicanos, na “Noite Sangrenta”, de 19 de Outubro de 1921. Após as eleições de 8 de Janeiro de 1922, os militantes do partido Republicano Liberal iniciaram-se as negociações com o partido Republicano de Reconstituição, a fim de se conseguir a sua fundição. Os militantes do partido Republicano Liberal de Santarém envolveram-se na constituição desta nova força partidária, o partido Republicano Nacionalista ,e o Jornal “Correio da Extremadura” manteve a sua filiação desde a fusão da ala direita da política portuguesa com a extinção dos dois partidos, a 5 de Fevereiro de 1923, até 5 de Dezembro de 1931, quando as estruturas partidárias nacionais deixam-se de se reunir periodicamente. O novo partido foi apresentado publicamente ao país através de um manifesto difundido na imprensa, a 17 de Fevereiro de 1923, como o comprova o “Correio da Extremadura”, desse dia. O programa do novo partido queria “ordem [e] dar a cada um o lugar que lhe compete” (CE, 12/5/1923, p. 1).

Para além dos dois partidos fundadores outros se uniram à nova força política, a 8 de Maio de 1923, os antigos membros do Centro Reformista ou partido Reformista (1914-1915) e os seguidores da Federação Nacional Republicana, fundada pelos seguidores de Machado dos Santos, em 1920 e liderada pelo coronel Manuel Soares de Melo e Simas. Alguns dos seguidores da Federação só integraram o partido Republicano Nacionalista, a 4 de Março de 1925, sob a liderança de João Tamagnini Barbosa, juntamente com os militantes do partido Nacional Republicano Presidencialista, continuador do partido Republicano, após o assassinato de Sidónio Pais, a 14 de Dezembro de 1918.
Segundo Cunha Leal afirmou, numa sessão de propaganda em Lisboa, o partido Republicano Nacionalista era “um partido republicano burguês e que por sê-lo toda a sua acção converge no sentido de fortalecer a classe média, única maneira de dar ao povo a maior soma de benefícios possíveis” (O Jornal, 25/7/1924, p. 1).

O partido Republicano Nacionalista sofreu duas cisões, em Dezembro de 1923 e em Março de 1926. A primeira deu-se com o abandono de Álvaro de Castro e dos seus apoiantes que constituíram um governo com o apoio do partido Democrático e da “Seara Nova”, para além de formarem o Grupo Parlamentar de Acção Republicana. A segunda decorreu durante o IV Congresso do partido, quando Cunha Leal, que se preparava para disputar a liderança, se sentiu atacado na sua honra. A saída de Cunha Leal e dos seus apoiantes levou à constituição do partido da União Liberal Republicana.
António Ginestal Machado formou um governo de curta duração (15 de Novembro a 18 de Dezembro de 1923). O partido apresentou candidatos próprios em quase todos os círculos, incluindo Santarém. No entanto, os resultados não foram os esperados, apesar de se manter como a segunda força política do regime, devido à vitória expressiva do partido Democrático.

O partido Republicano Nacionalista, tal como a maioria dos partidos opositores ao partido Democrático, envolveu-se no Golpe Militar de 28 de Maio de 1926, através de alguns dirigentes como Custódio Maldonado de Freitas, Jaime Palma Mira e Filomeno da Câmara. Nos primeiros anos da Ditadura Militar, alguns militantes do partido procuraram negociar um entendimento com os militares revoltosos, para que o partido se tornasse a força política que apoiasse o novo regime enquanto outros integraram o reviralho e a Liga de Paris na conspiração contra a ditadura. O partido acabou por se desgastar durante a Ditadura Militar e viu alguns dos seus militantes integrarem as fileiras da União Nacional o que levou à sua dissolvição a 7 de Fevereiro de 1935, pouco mais de três anos após as estruturas nacionais se terem deixado de reunir.

A elite partidária escalabitana
O partido Republicano Nacionalista encontrava-se difundido em Santarém quer no distrito quer no concelho, onde o recrutamento foi feito especialmente a partir dos antigos militantes do partido Republicano Liberal e dos opositores ao partido Democrático. Para esse recrutamento muito contribuiu o Centro Republicano Nacionalista, situado no largo do Seminário e o “Correio da Extremadura” que publicou o nome dos novos militantes, assim como o seu director João Arruda que arregimentou muitos ribeirenses entre outros. O prestígio de António Ginestal Machado ou o dinâmico papel de recrutamento feito por alguns militantes, como o comerciante e grande proprietário, António Gomes de Sousa Varela, em Rio Maior, levaram ao crescimento do partido. Dos vinte concelhos do distrito de Santarém, quinze tinham constituído comissões municipais do partido, em Maio de 1923, o que permitiu a organização de uma densa rede partidária no distrito, à semelhança de Lisboa, Porto, Coimbra, Braga, Vila Real e Faro.

Este artigo pretende traçar o perfil social das elites partidárias escalabitanas aderentes a este novo projecto político de carácter conservador e que Ginestal Machado definiu como “a direita da República” (“Diário de Lisboa”, 12/1/1925, p. 4). Assim, tomou-se como amostra vinte militantes partidários, a residir em Santarém, todos inscritos em 1923.

A maioria destes militantes foi recrutada no partido Republicano Liberal e foram dirigentes do partido Republicano Nacionalista, excepto António Saúde, Artur Proença Duarte, Henrique Vigário, João Monteiro, José Augusto Baptista e Joaquim Caetano Frazão. De referir que António Ginestal Machado foi um dos fundadores do novo partido e um destacado dirigente sendo presidente do directório do partido, desde a fundação até 23 de Março de 1927, quando foi substituído por Júlio Dantas, para prestar assistência à família na sequência da doença do seu filho António, falecido aos dezanove anos, a 1 de Abril desse ano. Tudo indica que a maioria dos filiados estava vinculada a este notável e não directamente ao partido.

Entre os grupos profissionais encontramos na sua maioria comerciantes que também eram proprietários, como era o caso de Francisco Fernão Pires que se estabeleceu na rua de S. Nicolau com um armazém de tecidos e confecções e assumiu as funções de sócio gerente do hotel Central, em Julho de 1907. Abel Augusto Tente era proprietário da pastelaria Parisiense e Manuel António das Neves era comerciante de tecidos a retalho e dono do Armazém Moderno, para além de co-proprietário do Hotel Central desde 1905.

Os militares também se encontravam na militância do partido como Adelino Dias Vigário, Adriano Garcês Pereira Caldas e Egídio Augusto de Sousa, assim como os funcionários públicos de que são exemplo Francisco Holbeche Fino e Américo Rodrigues Passos e Silva. Provavelmente por influência do professor e reitor do Liceu, António Ginestal Machado, o partido continha entre os seus militantes alguns docentes como António Saúde, amigo de Ginestal e autor da pintura do tecto do seu escritório, e o inspector escolar, João dos Santos Ruivo. Entre os farmacêuticos da cidade dois estavam ligados ao partido como José Augusto Baptista, técnico da farmácia Santos que veio a adquirir e que é a actual farmácia Baptista e Augusto de Oliveira Mendes, proprietário da farmácia Mendes, actual farmácia S. Nicolau.

Os laços de amizade são evidentes entre estes homens considerando o número de ribeirenses recrutados ou ligações mais íntimas, pois a filha de João dos Santos Ruivo, Maria Susana, namorava o filho de João Arruda, Virgílio. João Arruda era um amigo próximo de António Ginestal Machado e colocou o seu Jornal, “Correio da Extremadura” ao serviço dos partidos Evolucionista, Republicano Liberal e Republicano Nacionalista, à semelhança do que sucedeu em Évora, com o “Democracia do Sul”, entre 1917 e 1932, dirigido por Alberto Jordão Marques da Costa. Alguns dos militantes escreveram no “Correio da Extremadura”, para além do director e proprietário, como António Ginestal Machado, Henrique Dias Vigário, Júlio Francisco José de Sousa e Manuel António das Neves.

As ligações destes homens incluem-se na intervenção económica da elite do partido defensora da propriedade privada, o caso de Joaquim Caetano Frazão, das empresas estatais, dos funcionários públicos e dos comerciantes, anteriormente referidos. O partido defendia a propriedade privada apesar de não optar pela plutocracia, em que o grupo mais rico dominava a política, em oposição ao ideário do partido Democrático. A ligação à rede de Misericórdias era prioritária para o partido, daí que António Ginestal Machado fosse provedor da de Santarém entre 1919 e 1933.

Os militantes mais velhos tinham defendido o fim da monarquia tendo vivido a revolta de 31 de Janeiro e a Implantação da República, sendo herdeiros do partido Republicano Português. A maioria defendia a tolerância e o laicismo do Estado mas não da sociedade, respeitava e acatava o catolicismo como religião mais professada, como ficou bem expresso no pensamento e acção de João Arruda. Manuel António das Neves defendia que sem a autorização para leccionar religião nas escolas particulares não havia “a verdadeira liberdade de consciência” que a Constituição de 1911 defendia.

Alguns dos militantes estavam ligados ao Sidonismo, como Artur Proença Duarte irmão de Teófilo Duarte ou à Maçonaria, como Manuel António das Neves que integrou a Loja Liberdade n.º 247, fundada entre 1904 e 1905, em Santarém.

Quando o partido Republicano Nacionalista se extinguiu, alguns dos seus militantes optaram por se filiarem na União Nacional como Artur Proença Duarte, Joaquim Caetano Frazão e Adriano Pereira Caldas à semelhança de Rafael Duque, enquanto outros optaram por se manterem ligados ao reviralho como Manuel António das Neves, António Ginestal Machado e Egídio Augusto de Sousa. O director do “Democracia do Sul”, Alberto Jordão Marques da Costa, antigo reitor do Liceu de Évora, após ser preso em 1927 e vigiado em 1931, por oposição à Ditadura Militar, foi transferido para o Liceu de Santarém, entre Abril de 1932 e Outubro de 1933.

Bibliografia:
Baiôa, Manuel, “O Partido Republicano Nacionalista (1923-1935)” Lisboa, Impressa de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, 2015.

Memórias da Cidade
Teresa Lopes Moreira

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