Foto: Adegga / Ricardo Bernardo

Hugo Mendes, 43 anos de idade, engenheiro biotécnico de formação, encontrou no vinho a sua paixão. Natural de Santarém, é hoje enólogo e produtor do seu próprio vinho denominado ‘Lisboa’. Vê o web-marketing como uma ferramenta fundamental para o mundo dos vinhos e considera estar no grupo dos profissionais que vai transformar o sector no futuro.

O que é para si ser enólogo?
Um enólogo é o artesão a quem cabe o papel de interpretar e revelar o potencial que existe primeiramente nas uvas e depois no vinho. Essa é para mim, a forma mais pura de enologia, independentemente da filosofia seguida.

Alguma vez nos últimos anos foi capaz de beber um vinho sem vestir o papel de técnico, de enólogo?
Cada vez mais sinto necessidade de o fazer. O papel de técnico limita o prazer que possa ter com um vinho.

Para além de enólogo, tem também a veia de marketeer. É possível conciliar as duas coisas?
E sou também marido, pai, amigo, cidadão e agora também produtor. Gosto do que faço, divirto-me a fazê-lo e por isso deve ser bem mais fácil para mim do que para outras pessoas que sentem diferente, canso-me menos. O problema está sempre em encontrar um equilíbrio entre todas as funções. Mas também é verdade que cada vez mais ao enólogo são pedidas funções relacionadas com o Marketing. Quem melhor que ele para explicar os vinhos que ajuda a fazer?

Considera que as suas opiniões abanam o sector?
Boa pergunta. Não acho que assim seja. A prova disso é que nunca nada mudou como consequência de uma opinião minha. Julgo que as acções têm mais força que as palavras e é nisso que me tenho focado. Se acredito que estou inserido no grupo de profissionais que vai transformar o sector? Sim!

O web-marketing no mundo dos vinhos é essencial?
O mundo está a migrar para o online… como pode o vinho ficar de fora? Contudo, é muito importante perceber que a abordagem tem de ser diferente da do marketing tradicional para ser eficaz. Caso contrário muitos acabarão por não ter os resultados esperados e desistirão.

Onde está então para si o prazer de beber vinho?
Na partilha. Pessoalmente sou tão ligado às emoções de partilha que as melhores memórias podem muito bem estar associadas a vinhos simples, mas que regaram momentos únicos.

Num branco, por exemplo, quais são os aromas que fazem um vinho bom? E num tinto?
Não existe isso. Meço a qualidade de um vinho pelo binómio equilíbrio e harmonia. Equilíbrio no sentido do contributo individual de cada sensação e harmonia no sentido da complementaridade entre sensações. A procura do “melhor vinho do mundo” é o maior disparate que se criou, simplesmente porque é impossível que tal exista. Gosto de vinhos secos, com idade e feito de castas neutras. Mas que mal tem preferir um vinho novo, aromático e ligeiramente doce? O vinho serve apenas o propósito de nos dar prazer e cada um deve procurar o vinho que lhe permite atingir mais facilmente esse estado. Tão simples, não é?

Quais são as suas castas de eleição e porquê?
Tenho alguma dificuldade em responder a isso. As minhas castas de eleição são aquelas onde ainda quero ensaiar coisas, não aquelas onde me sinto mais à vontade. Não gosto de Touriga Nacional para tintos e prefiro castas neutras que normalmente têm maior acidez, são menos aromáticas em novas e desenvolvem aromas mais interessantes (para o meu gosto) quando envelhecem bem. É o mais perto que consigo chegar de uma resposta!

Consegue fazer um vinho que não goste?
Julgo que não me poderia considerar enólogo se não fosse capaz de fazer um vinho de um estilo que não goste. Até porque da forma como vejo o negócio, o estilo de vinho tem de estar ligado ao projecto empresarial e não à vontade do enólogo.

O que é um vinho fácil?
No cinema de Hollywood, um filme fácil (ou pipoca não é?), é algo que entretém sem nos obrigar a reflectir ou a emocionar profundamente. Faz companhia e distrai sem grandes requisitos de concentração. Um vinho fácil é mais ou menos isso. Faz boa companhia, apetece beber mas não requer a atenção. A última coisa que procura ser é o centro da atenção ou a estrela da mesa.

A região do Tejo tem vinho de qualidade ou é mais uma região da quantidade?
A região do Tejo está a resistir à necessidade de criar uma identidade própria (com as suas castas nativas) e em arriscar abordagens mais ousadas. De grosso modo continua no mercado da grande quantidade a baixo preço, feito com castas internacionais usadas no mundo todo, na luta por pequenas fatias de mercado e pelo preço mais competitivo. É fácil perceber que isso esgota as marcas depois de esgotadas as margens. Nunca será negócio de valor acrescentado. O mercado paga hoje muito mais pelo que é singular, local, único, diferenciado, exclusivo… há um espaço onde o Tejo teima em não entrar (há sempre excepções). Entendo que isso será uma transição progressiva, começando com pequenas quantidades criando até marcas novas para blindar as que pagam as contas, formando a opinião pública para estes novos vinhos e seguindo apoiados por uma CVR dinâmica e focada nos mesmos objectivos. Usar a técnica de Bordéus, vender 95% da produção a reboque dos 5% que são verdadeiramente muito bons. Mas os perfis têm de mudar, se a ideia de um produto diferenciado continuar a ser uva madura concentrada na adega da qual resulta um vinho que se esquece dentro de umas barricas novas por 12 ou 24 meses… é mais do que já têm. Não é o caminho, não tem como dar certo!

Que diferenças denota da Região de Lisboa para a do Tejo? Lisboa tem hoje, face ao Tejo, um leque maior de produtores que se expõem mais e que são mais activos nesta questão da procura de caminhos alternativos e de valorização do produto. Nos perfis, Lisboa é uma manta de retalhos com terroirs diferentes entre si. É um pequeno país, onde quase todos os tipos de vinho podem ser feitos com qualidade desde que se escolha a sub região certa. Ambas têm de um passado mais ou menos comum mas Lisboa tem hoje mais alternativas, embora ainda com muita heterogeneidade na qualidade oferecida.

Uma boa combinação vinho/música? Um Riesling Spätlese com uns aninhos (mais de 10) com “Maybe” da Jancis Joplin. É um vinho branco, gordo, fresco e com aromas bem marcado. Doçura bem integrada, mas sem excesso. O vinho é delicioso e a música também.

Uma boa combinação vinho/prato? Estamos no tempo dele, sável frito com açorda de ovas e o meu Hugo Mendes colheita 2018, para passar a publicidade! 🙂

Qual é o seu lema de vida? Lamento, acho que não tenho nada disso. Se tiver de escolher um à pressão talvez escolha algo do género: “Faz ao outro como desejas para ti”. Acredito muito nos efeitos benéficos da cidadania e da meritocracia.

Se pudesse alterar algum fato da História de Portugal qual alteraria? Nenhum. Tenho ideia de que tudo está interligado e que nenhum acontecimento é absolutamente bom ou mau, teria medo das consequências. Gosto mais de pensar no nosso papel para influenciar o futuro. O país precisa de mais consciência cívica e uma revolução educativa. Julgo que com isso conseguimos o resto que nos falta.

Um título para o livro sobre a sua vida? Tendo em conta os objectivos por realizar, gostaria que uma biografia minha (sinal que tinha conseguido) se chamasse qualquer coisa como: “É tudo uma questão de acidez”, o título parece (e deve ser) parvo, mas vem a propósito da minha convicção de que em tudo, problemas ou conquistas, há um pilar, uma condição sine qua non, que precisa ser derrubado ou construído, à volta do qual tudo cai ou se ergue. No vinho considero que esse pilar é a acidez.

Livro? Houve muitos livros transformadores, que me mostraram novas perspectivas e/ou caminhos mas tendo de escolher um… escolho “O Gene Egoísta” de Richard Dawkins, porque ajudou a cimentar a minha paixão pela ciência ao mesmo tempo que me me ajudou a perceber a insignificância benéfica de se ser humano.

Viagem? Das que não fiz… tenho coisas estranhas que quero fazer. Descer o rio Tejo numa jangada de garrafões de água vazios (podem-me tirar da Ribeira de Santarém mas nunca tirarão a Ribeira de dentro de mim), dar uma volta a Portugal a pé e uma muito mais simples, subir o Everest.

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