Maria Emília Rufino
Ainda faz sentido celebrar o Dia da Mulher?
O Dia Internacional da Mulher celebra-se a 8 de Março, desde 1977, proclamado pelas Nações Unidas. Foi implementado no sentido de dar visibilidade às lutas feministas por melhores condições de vida e trabalho, e pelo direito ao voto. Parece algo distante, mas, na verdade, é bastante recente. Em Portugal, as mulheres só viram o direito ao sufrágio reconhecido no dia 2 de Abril de 1976. Ou seja, há menos de 43 anos. De lá para cá, a evolução da sociedade esperava-se acelerada. Mas será que evoluiu assim tanto? Numa época em que os direitos de igualdade entre géneros estão, mais do que nunca, na ordem do dia, ainda faz sentido assinalar e celebrar o Dia da Mulher? Colocámos a pergunta a quatro mulheres – de várias áreas de intervenção e faixas etárias – para percebermos a resposta.
Maria Emília Rufino está ligada ao Lar de Santo António da cidade de Santarém desde 1995. Actualmente, é presidente da direcção e a sua grande aposta é conseguir diversificar as respostas sociais da instituição. No ano em que o Lar assinala 150 anos da sua fundação, Maria Emília Rufino foi distinguida pelo Rotary Clube de Santarém com o prémio ‘Carreira Profissional’.
Quem é Maria Emília Rufino?
Em termos profissionais, fui professora do ensino secundário. Actualmente, estou aposentada, mas tenho desempenhado funções de presidente da direcção do Lar de Santo António. Foi uma coisa que ocorreu naturalmente, a convite do Dr. Bezerra. Na altura, em 1995, conhecia mal a instituição. Mas abracei esse desafio e tenho aqui continuado. Durante muito tempo, mantive ainda as minhas responsabilidades profissionais. Tenho quase 71 anos, três filhos e três netos, todos rapazes.
Porque decidiu abraçar o desafio do Lar de Santo António?
Achei que tinha capacidade e disponibilidade para isso. Também achei que tinha a compreensão e apoio familiar para o fazer. Ninguém faz nada sozinho.
No fundo, ter trabalhado como professora, trabalhado na formação de pessoas, este cargo acaba por ser uma extensão disso. Noutra vertente, mas, aqui, tem a ver, também, com formação.
Quais são os maiores desafios que tem enfrentado no cargo nos últimos anos?
Primeiro, foi o trabalharmos para melhorar as condições de vida aqui, dentro da casa. Quando iniciei nestas funções, a casa tinha acabado de ser restaurada, e foi uma fase muito difícil. Houve todo um esforço de muito tempo para se dar melhores condições: no fundo, isto é sempre uma procura. A melhoria de condições vai variando ao longo do tempo. Aquilo que agora se acha importante, é diferente do que se achava importante há 10 ou 15 anos atrás. Mas penso que, em termos materiais e físicos, nós estamos bem. Temos a casa com umas condições de habitabilidade e conforto muito boas.
A sustentabilidade da instituição é, neste momento, aquilo que me preocupa. No fundo, a continuidade da instituição. Foi recentemente aprovada a nova Lei relativamente ao acolhimento de crianças e jovens e às idades a que se estão a fazer os acolhimentos e ao número também. Há um maior apoio à família e há também muitas instituições para jovens do sexo feminino. Nunca tivemos tão poucas jovens acolhidas como temos agora. O grande desafio é, pois, diversificar as respostas sociais que o Lar de Santo António oferece. É um assunto que temos debatido, em termos de direcção. Ainda não avançámos nada concreto, mas temos projectos. Um deles, a ser reformulado, tinha em vista uma valência mais dirigida à terceira idade. Contudo, agora, estamos a regressar às valências da infância. Temos que encontrar novas respostas.
A nível de obras de adaptação do edifício para esses fins é extremamente complicado: estamos na zona histórica e existem condicionalismos de toda a ordem. São estes os desafios principais desta instituição, que assinala este ano os seus 150 anos, contando a data da sua fundação. E uma instituição com tantos anos, com tanto trabalho feito, não pode acabar assim… temos, efectivamente, que encontrar outras soluções.
Existe algum projecto em concreto?
Um projecto que queríamos desenvolver era o da criação de uma creche, porque acho que temos essa capacidade. Temos capacidade de oferecer um serviço que vá ao encontro das necessidades das pessoas, uma vez que funcionamos 365 dias por ano. Temos sempre a possibilidade de dar algo de diferente. Por outro lado, estamos no centro da cidade, e acho que temos aqui um bom enquadramento e é um espaço bonito para crescer. A minha filha, quando esteve no infantário, esteve no da Segurança Social, aqui, junto ao que na altura era o Governo Civil. É uma zona muito bonita, e acho que ter uma creche aqui, nesta zona da cidade, seria uma boa resposta. Por outro lado, acho que temos que nos diversificar noutras áreas, incluindo algum apoio à terceira idade porque os nossos estatutos actuais também o prevêem e seria importante para a sustentabilidade da instituição.
Foi em 1995 que assumiu funções directivas na instituição. De que forma é que o lar se foi adaptando às mudanças sociais que foram ocorrendo?
Todos os anos tentamos “vestir-nos de novo”. Cada ano lectivo traz novas turmas, novos conjuntos de pessoas, e alguma coisa tem que mudar perante o novo público. Aqui, também é assim. Quem cá está há mais tempo vai crescendo e quem vem, vem diferente. Vem de outras áreas, com outras experiências. Há sempre necessidade de nos adaptarmos. E temos que ter a preocupação de fazer uma intervenção individualizada a cada uma das nossas crianças. Há coisas que são comuns, mas cada jovem é uma jovem.
Qual a missão e os valores que imprime aqui no lar?
A missão tem a ver com a formação dos jovens. Nas vertentes de autonomia cívica e pessoal. Vamos ao encontro das necessidades da comunidade. Transparência, solidariedade, sustentabilidade: são esses os nossos valores.
Qual o seu sentimento ao ser distinguida este ano com o prémio Carreira do Rotary de Santarém?
Foi uma surpresa. Nunca me teria passado pela cabeça receber esta distinção. Nunca trabalhei nesse sentido. Senti que era um reconhecimento. Pensei que se alguém teve confiança em mim para me apontar nesse sentido, então também tinha alguma responsabilidade de dar esse retorno. Também pensei que isto é muito mais pelo Lar do que a minha profissão, que apesar de ter gostado muito, já terminou há alguns anos. Portanto, acho que tenho a obrigação de, em termos de Lar, dar essa visibilidade.
Qual o perfil das crianças à guarda do lar?
Temos actualmente 12 meninas. São números que têm diminuído. Quem faz a gestão de vagas é a Segurança Social. O que lamento mais é que, muitas vezes, os acolhimentos sejam feitos muito tardiamente, embora estejam longamente sinalizadas. No ano passado recebemos duas jovens em Abril, que completaram os 18 anos em Julho e Dezembro. Isto não deixa tempo nenhum para trabalhar com as miúdas e, para mim, isto é um grande problema. As mais novas têm 14 anos e acolhemos até aos 18. Neste momento, não temos ninguém com mais de 18 anos. No ano passado, tivemos três jovens que estiveram connosco no regime de prolongamento. Tivemos uma jovem que fez o seu percurso universitário e está actualmente a trabalhar. Tivemos outras duas jovens que fizeram as suas formações profissionais e já estão também a trabalhar. Estiveram aqui depois dos 18 anos. Isto é sempre uma aposta: aquilo que gostaríamos é de conseguir mais. Temos algumas jovens que estão na sua fase de autonomização, algumas já com trabalhos em part-time para se irem ambientando ao mundo do trabalho, a gerir o seu dinheiro. Têm um espaço na casa onde se criou uma certa privacidade para esse fim. Como a casa é grande, dá para fazer esse tipo de adaptações. A nossa grande aposta é sempre na área do estudo e da formação, na autonomização das jovens.
O facto de existir esse acolhimento tardio também vai afectando a sustentabilidade das instituições?
Sim, sem dúvida. Actualmente, pensa-se que por a casa ser tão grande é menos confortável. Quer-se unidade mais pequenas, com miúdas todas da mesma idade, mas eu acho errado porque acabam por estar com pessoas da mesma idade na escola. Na vida, estamos sempre a contactar com gente de todas as idades.
Eu acho importante aproveitar as instituições que já têm esta experiência acumulada. E com 150 anos de experiência não haverá por aí muitas instituições.
Sente que o seu trabalho tem sido profícuo e tem tido bons resultados?
Aqui, o trabalho directo é feito pélas técnicas, pelas monitoras. As direcções fazem um trabalho mais de gestão. Claro que nunca fiquei longe das miúdas. Gosto de estar com elas. Se fosse só para trabalhar de secretária nunca teria vindo. No tempo que era vice-presidente, estava muito mais próxima das miúdas do que consigo estar hoje, porque as funções são outras.
Quando as jovens saem continuam a ter ligação com a casa?
Muitas têm: não quer dizer que sejam todas. Algumas vezes, vêm cá para nos visitar. Ainda no outro dia, estiveram cá duas pessoas da minha idade que ficaram muito admiradas. Tinham estado cá num tempo muito diferente e difícil. E ficaram muito agradadas com o trabalho desenvolvido.
Para si, quem é a mulher de hoje e quais as maiores conquistas e os maiores desafios?
As mulheres que agora cheguem ao mercado de trabalho já nem conheceram dificuldades. E o mesmo se aplica a mim: escolhi o curso que quis, e enveredei pela profissão que quis. Ganhei o mesmo que os meus colegas ganhavam. Há que reconhecer que, às vezes, existem umas lutas que são mais teóricas do que práticas. Repare: hoje, as mulheres podem ir para a força aérea, para a marinha…. Acho que se tem que se lutar pelo mérito e pela competência e não pelo género. Claro que se reconhece que hoje em dia a posição do homem e mulher no casamento também é diferente da que existia no tempo dos meus pais. Agora há muito mais colaboração. A minha mãe formou-se, foi para África em 1948, sozinha, num tempo em que isso não era comum. Essas, sim, foram mulheres pioneiras. Lembro-me de entrar numa pastelaria e ficar gente a olhar. Hoje alguém faz isso? Já ninguém sabe o que isso é. Claro que estou a falar do nosso país, da nossa realidade.
Em termos de oportunidades, acha que homens e mulheres têm igualdade?
Eu acho muito difícil a igualdade. Há sempre algum sector que quer a supremacia em relação ao outro. O difícil é conseguir uma equiparação.
Na sua opinião, faz sentido haver quotas para o parlamento, ou empresas?
No Lar, esta direcção está equiparada, mas não tivemos essa preocupação. Até dada altura, todas as administrações eram masculinas. Mas, na minha opinião, tem que ser por mérito. Não faz sentido obrigar. Isto é o que me diz a minha experiência. Claro que eu não tenho experiência a nível da indústria por exemplo.