Afonso Carvalho, conhecido pela sua ligação aos The Happy Mess, surpreende com 90.000, o álbum de estreia do seu projeto a solo, CASANOVA. Inspirado por experiências pessoais, como uma ultramaratona no Gerês e uma temporada no sul da Grécia, o músico escalabitano apresenta um trabalho introspectivo, onde as composições minimalistas e a arte gráfica evocam uma jornada entre o estoicismo e a criatividade. Num disco que nasceu da solidão da cozinha, Afonso convida o público a encontrar as suas próprias mensagens e emoções através da simplicidade das letras e melodias.
O que o inspirou a lançar este projecto a solo, CASANOVA, e como descreve o processo criativo por detrás do álbum 90.000?
Desde o final de 2023 que andava esporadicamente a compor “canções instrumentais” à guitarra e ao piano, que ia gravando no telemóvel para mais tarde esquecer. Apesar de inicialmente essas canções não terem letras, no dia 3 de Maio de 2024 encontrei a inspiração possível ao tentar fazer uma ultramaratona de 100 km pelos trilhos do Parque Nacional da Peneda-Gerês, em que acabei por desistir aos 90 km. Depois desse dia percebi que os kiwis não sabem ao que cheiram e que se tinha uma caneta na mão, podia tentar escrever sobre algo que fosse verdade.
Quanto ao processo de composição do 90.000, como qualquer bom filho único que se preze, desfrutei da solidão e compus, essencialmente, sozinho na cozinha (com todas as coisas boas e menos más que isso traz). Curiosamente, a primeira canção que escrevi para o disco foi “O Fim”.
O que distingue 90.000 do trabalho que realizou com os The Happy Mess?
Tendo integrado o projeto The Happy Mess em 2016, muito daquilo que faço hoje nasce do que aprendi com a banda. De alguma maneira, devo-lhes a ideia de fazer este disco. Aliás, o tal processo solitário de composição das canções do 90.000 foi, em larga medida, simultâneo à composição conjunta do disco Horas Dias Meses Anos com os Mess. Apesar disso, são trabalhos e projetos muito diferentes. Creio que a melhor forma de os distinguir é ouvir os dois discos.
As composições deste álbum têm um tom introspectivo e uma forte ligação ao sul da Grécia antiga. O que motivou esta escolha temática e como foi traduzida para a música e a arte gráfica?
Em Agosto tive a oportunidade de passar umas semanas na Grécia actual enquanto finalizava a composição do disco. Uns dias depois de chegar a Atenas adquiri uma viola num bairro anarquista, que usei para gravar algumas canções.
O sul da Grécia continental é um espaço surreal e inspirador, em que a riqueza monumental e os hotéis em que ainda se pode fumar na recepção nos fazem achar que estamos numa máquina do tempo, presos algures entre 500 a.C. e 1969. Certamente teve um impacto no lado mais introspectivo do disco, em que apesar de já ter chegado à Grécia com temas definidos, a odisseia helénica veio cimentar alguns deles e inspirar novas ideias e palavras.
Creio que a natureza algo estóica da mensagem subjacente ao 90.000 fez surgir espontaneamente a ideia de aliar o mármore grego à estética do disco, pela qual saúdo o José Pinto (Jozé) – encarregue de toda a arte gráfica – que fez um trabalho fantástico ao passar esta composição para o plano visual, numa colaboração 100% escalabitana!
A simplicidade das letras e melodias é um dos elementos centrais deste trabalho. Que mensagem ou estado de espírito pretende transmitir ao ouvinte?
Acho que o melhor elogio que se pode fazer a um disco é extrair de lá uma mensagem ou emoção que se leva para o futuro (ou para o passado). Para mim, este disco significa alguma coisa, mas quanto ao ouvinte já não serei a pessoa indicada para intervir.
Quais são os seus planos futuros para CASANOVA e que impacto espera que 90.000 tenha no panorama musical?
Para já, ir ouvindo o disco até me fartar dele e escrever um novo. Quanto a impactos, se houver alguém que ouça o 90.000 e saia com vontade de fazer alguma coisa, já fico feliz. Como dizia um homem chamado Marco Aurélio, segundo uma citação que encontrei na internet: «Muitas vezes erra não apenas quem faz, mas também quem deixa de fazer alguma coisa».
Um título para o livro da sua vida?
Sendo impossível escolher apenas um de Haruki Murakami, A Sul da Fronteira, a Oeste do Sol e A Morte do Comendador.
Viagem?
Algum sítio para lá de Badajoz.
Música?
Serge Gainsbourg – On est venu te dire qu’on t’aime bien.
Quais os seus hobbies preferidos?
Praticar educação física.
Se pudesse alterar um facto da história, qual escolheria?
Evitar a extinção dos dinossauros.
Se um dia tivesse de entrar num filme, que género preferiria?
Documentário.
O que mais aprecia nas pessoas?
Depende das pessoas.
O que mais detesta nelas?
A sua mortalidade.