Numa história de vida ímpar, a Escola Superior Agrária de Santarém (ESAS) tem marcado de forma indelével o ensino das Ciências Agrárias no país onde, ao longo de toda uma vida, colocou milhares de técnicos que impulsionaram e impulsionam o desenvolvimento do sector nas suas diferentes vertentes e fileiras. A propósito desta efeméride, O Correio do Ribatejo esteve à conversa com o director e a subdirectora da instituição, respectivamente, António Azevedo e Margarida Oliveira, que nos falaram dos desafios de uma Escola que se tem “reinventado” continuamente.
A Escola Superior Agrária de Santarém (ESAS) é herdeira de uma tradição secular de ensino agrário, constituindo-se como uma das mais antigas e prestigiadas do País. Hoje, continua a afirmar-se como uma instituição de referência, alicerçando a sua actividade num projecto educativo ímpar.
Segundo o presidente da ESAS, António Azevedo, o projecto de Escola une as vertentes pedagógica, científica e empresarial, envolvendo diversos agentes da região. O objectivo é, também, fomentar a veia empreendedora dos alunos, aproveitando as estruturas que tem: a queijaria, uma oficina tecnológica de carnes, uma adega industrial, vinhas e pomares.
Foi ainda criado um “laboratório de ideias”, ao qual se poderão associar um conjunto de entidades, incluindo financiadores, o que permitirá aos projectos com possibilidade de sucesso passarem para uma incubadora de empresas.
“Um dos grandes objectivos que temos é o de fomentar o empreendedorismo nos nossos alunos. Queremos não só que eles venham para a Escola adquirir conhecimentos, mas também dar-lhes possibilidade de um dia mais tarde, poderem vir a instalar-se nas infra-estruturas da Escola, criando uma startup com todo o apoio que nós possamos dar, em termos de criatividade, de negócio, e dando-lhes a possibilidade de participar em projectos de empreendedorismo”, referiu.
“Isto para ser um bom investimento público tem que estar a trabalhar todo o ano”, afirmou o director da ESAS, sublinhando o papel da Escola no incentivo ao empreendedorismo dos alunos. “Ou eles próprios vão construir pequenos nichos, pequenos negócios, ou será muito difícil. Essa é nossa obrigação e é nesse sentido que nos estamos a organizar”, disse.
“Queremos dizer claramente aos alunos e ex-alunos que esta casa é deles; estes são os vossos laboratórios e a Escola está convosco”, disse.
A agrária assume-se assim como parceira destas ‘spin-offs’, pequenos ou micronegócios em fase de arranque, intimamente ligados à inovação, para que, depois de se tornarem sustentáveis, possam “ganhar asas”.
“Temos uma grande área laboratorial com oficinas tecnológicas, que vão desde a carne até ao vinho, que podem ser aproveitadas por quem tiver uma ideia inovadora”, referiu o responsável.
“Temos capacidade instalada para produzir com qualidade e agora, queremos saber até que ponto podemos pegar em jovens licenciados, que tenham vocação e espírito empreendedor, e perceber como é que podem utilizar as nossas instalações para concretizar uma ideia de negócio”, explicou o responsável.
Actualmente, a ESAS já produz vinho na sua adega industrial – que tem marca própria, designando-se Polinómio – para além das Oficinas Tecnológicas (OT) de carnes industriais e da Queijaria, e de 5 hectares de olival.
“Quais são as Escola que têm marca de vinhos, marca de azeite, presuntos, queijos, e que conseguem comercializar e entrar no mercado… eu não conheço outra”, remata o responsável.
O polo da Quinta do Galinheiro, na zona de São Pedro, possui cerca de 18 hectares de terreno onde acolhe com regularidade projectos de intervenção comunitária e está a projectar a criação de uma Quinta Pedagógica dirigida aos estudantes das Escola básicas e secundárias da região. Além disso, tem parcerias estabelecidas com a Associação Académica de Santarém e o Rugby Clube.
Todos estes projectos seguem uma linha de acção que é a da “potencialização de recursos e da criação de convergências”. “Há muito saber instalado, mas há também muita desarticulação”, lamenta António Azevedo, deixando um repto: “é necessário que nos olhem como um parceiro importante para o desenvolvimento da região”, o que não tem acontecido.
“O grande desafio é que a sociedade civil reconheça nas instituições de ensino superior uma qualidade que não reconhece. Temos que inverter esse pensamento”, considera.
“A sociedade civil tem andado um pouco divorciada da Escola. E para contrariar este facto é necessário que a Câmara, em particular, comece a apoiar mais esta instituição”, referiu.
“É completamente incomportável continuarmos a suportar, apenas com meios próprios, a vigilância, a limpeza e as acessibilidades. É necessário que a autarquia olhe para nós como um real parceiro”, afirmou António Azevedo.
“Esta Escola soube sempre reinventar-se, por isso tem 130 anos. Esta Escola tem uma memória, que não é um ponto de chegada, mas é um ponto de partida: basicamente os desafios estão aí. É nossa obrigação é fazer mais e melhor. Esta é a perspectiva. O caminho está traçado”, afirma.
Procura crescente
Este ano, a ESAS conta com 740 alunos, invertendo um ciclo de decrescimento que se verificava há quatro anos consecutivos: “são indicadores que a procura está a retomar”, considera António Azevedo, acrescentando que neste concurso geral de acesso entraram quase 300 estudantes nas diversas formações que a Escola oferece.
Em termos de oferta formativa, as áreas com maior procura continuam a ser a produção agrícola e animal: agronomia e zootecnia. “Temos verificado, mas isto é uma questão a nível nacional, que as indústrias agro-alimentares estão, neste momento, num decréscimo de procura muito grande. Não é por falta de empregabilidade. As empresas estão, neste momento, extremamente preocupadas porque, num curto espaço de tempo, vão deixar de ter possibilidade de renovar os seus quadros técnicos. Neste momento não existem novos licenciados nestas áreas, portanto esta procura tem vindo a diminuir. Em termos de empregabilidade, a área da produção agrícola e animal tem taxas de empregabilidade acima dos 90% e as das indústrias alimentares, neste momento, são de 100%. Portanto, o que nós estamos a fazer é o ‘refresh’ dos nossos antigos licenciados para dar resposta às necessidades das empresas”, revela a subdirectora Margarida Oliveira.
“Nós, Escola, tentámos flexibilizar o mais possível a oferta formativa, adaptando às necessidades do mercado. Portanto, os nossos cursos estão organizados numa perspectiva de fileira desde os cursos TeSP (cursos técnicos superiores profissionais), licenciaturas, pós-graduações e mestrados, quer na área da produção agrícola e animal, quer na área das indústrias alimentares”, refere ainda a responsável.
“Temos uma oferta formativa que permite aos alunos ingressarem, desde a licenciatura, e progredirem depois para mestrado ou, nalgumas circunstâncias, entrarem via os cursos técnicos superiores profissionais que têm uma componente mais técnica e depois poder prosseguir para licenciaturas na mesma área ou áreas afins e depois prosseguirem para o mestrado. As nossas ofertas formativas, efectivamente sofreram alguma restruturação nos últimos anos numa perspectiva de dar resposta às necessidades do mercado e alinhar também com a estratégia nacional para a agricultura de precisão, para a indústria 4.0 e mesmo nesta área destas indústrias alimentares, atendendo a que o mercado necessita de hoje em dia de técnicos especializados, que tenham uma visão não só nas áreas das tecnologias, mas também como uma componente forte na área da gestão”, diz Margarida Oliveira.
Encarar de frente os desafios futuros
Em termos de desafio imediato, segundo a subdirectora da Escola, está a necessidade de dar resposta na área da indústria alimentar: “nós sempre fomos uma Escola com uma vertente muito forte na pática, no saber fazer”, afirma.
A Escola realizou recentemente uma restruturação e lançou um novo curso na área da tecnologia e gestão agro-industrial para tentar cativar também “outro perfil de estudantes”.
Em cima da mesa está também a reflexão sobre uma eventual “deriva” na oferta formativa, para a área da biologia ou da biotecnologia.
Em relação à investigação, a Escola realizou um investimento de cerca de 2 ME nestes 2 últimos anos, o que tem permitido reequipar os laboratórios com o objectivo de “prepararmos a instituição para os próximos desafios”.
“O que pretendemos é criar novas linhas de trabalho, ter equipamentos que estejam alinhados com as necessidades quer com a agricultura de precisão, quer com a indústria altamente sofisticada e começarmos a inovar não só em termos de processo, mas também de produto.
“Outra questão que tem sido um desafio é a integração dos nossos estudantes nos projectos de investigação, desde o início do seu percurso na instituição. Não integrar apenas ao nível dos mestrados, mas também ao nível dos TeSP para despertar o interesse pelo conhecimento e pela inovação”, sublinha a responsável.
A procura constante pela inovação
Neste momento, a ESAS está envolvida em 20 projectos de investigação financiados, nacionais ou internacionais. Estas linhas de investigação estão alinhadas, não só com formação, mas também com o tecido empresarial da região, porque a grande maioria destes projectos são em consórcio com empresas da região.
“Estamos a dar resposta às necessidades da região, mas também estamos envolvidos em muitos com cariz nacional ou mesmo internacional. Grande parte dos projectos têm como objectivo a promoção da sustentabilidade ambiental do sector, em termos da minimização de utilização dos recursos naturais, a questão da protecção do ambiente na questão da aplicação dos produtos fitofarmacêuticos, entre outros”, revela.
Segundo disse, as linhas de investigação estão também organizadas numa perspectiva de fileira: “não trabalhamos só a questão da produção como também da transformação. A componente de vinificação, produção de azeite ou então a questão da transformação para a produção de produtos alimentares. Muitas vezes valorizando subprodutos da indústria que tem pouco valor acrescentado. Criando valor. Quer desenvolvendo produtos novos, inovando nas tecnologias, nos processos para dar reposta às necessidades do mercado”, concluiu.