A Escola Superior Agrária de Santarém (ESAS) assinalou a 11 de Novembro 134 anos de serviço à região. Com um ensino e uma investigação baseados numa abordagem científica, fortemente orientada para a aplicação prática, na qual os estudantes são incentivados desde muito cedo a integrarem os projectos de investigação, estimulando o espírito crítico, a ESAS está a perspectivar o futuro, agregando conhecimento em diferentes áreas de especialização, incluindo as ciências agrárias e veterinárias, a biologia e biotecnologia, a tecnologia alimentar e a digitalização, permite uma abordagem holística de temas reais da sociedade, das quais se destacam as alterações climáticas; a produção e consumo sustentáveis; o bem-estar animal e o estilo de vida saudável.
É neste contexto que a ESAS acrescentou à sua oferta formativa a licenciatura em Biologia e Biotecnologia Alimentar, respondendo àquilo que são as necessidades actuais das empresas e do território.
A cooperação com as empresas, autarquias e sociedade em geral, quer ao nível da capacitação, da investigação e da transferência de tecnologia fortalece as equipas e garante a criação de valor, como refere nesta entrevista António Azevedo, director de uma Escola de referência no ensino Agrário.
Quais foram os resultados do concurso nacional de acesso este ano? Como é que avalia esses mesmos resultados?
Os concursos nacionais de acesso não foram uma surpresa e dão-nos uma satisfação muito grande relativamente à oferta formativa clássica. Já há muito tempo que não tínhamos três cursos do concurso nacional de acesso completamente preenchidos, e o quarto curso, que não está preenchido, Agronomia, tem 185 vagas.
Não fomos à segunda fase porque já tínhamos preenchido o concurso e, para mais, tínhamos um curso novo de Biologia e Biotecnologia alimentar. Estávamos expectantes porque esta oferta formativa veio substituir o curso de Gestão e Tecnologia Agro-industrial, extraordinariamente adaptado às necessidades da região, mas em que a oferta formativa não despertou grande interesse. Isto porque há uma falta de apetência muito grande dos alunos para esta área, mas também porque o curso era um erro de casting, na minha modesta opinião. Este curso devia ter sido lançado na Escola Superior de Gestão. Substituímos, por isso, o curso, que já foi candidatado numa altura muito próxima do concurso nacional de acesso, mas, mesmo assim, logo na primeira fase, preencheu o que para nós, olhando para o panorama das escolas Agrárias foi extraordinário.
Uma circunstância que nos faz agora levar o foco, não para este tipo de formação clássica, mas para outro tipo de formação com as empresas e para outro tipo de formação em regime de co-criação.
Esta primeira parte, de consolidar a oferta formativa durante estes quatro anos, acho que se conseguiu. Iniciamos o novo Curso de Zootecnia, substituímos produção Animal, que tinha 10, 12 candidatos e este ano conta com 36 pelo concurso nacional de acesso. Já começamos a ter imensa dificuldade em conseguir integrar os alunos do TESP que vão fazer continuação de estudos nas licenciaturas. Biologia e Biotecnologia foi um sucesso, Qualidade Alimentar e Nutrição Humana foi outro e Agronomia tem sido sempre o nosso curso com maior representatividade. Posso dizer que a fase da consolidação terminou, agora temos outros desafios.
Quais são, então, os principais desafios que a escola enfrenta na actualidade?
Há uma resistência interna grande… é difícil, mas temos andado a pensar nestes quatro anos como trabalhar da melhor forma. O primeiro desafio passa, desde logo pelas novas metodologias de ensino, falta ter a coragem, não a nível da escola, mas a nível do instituto de dizer: ‘agora vamos estabelecer metas para que essas novas metodologias sejam efectivamente introduzidas no ensino’.
Falo de metas métricas, para ver se, começando uns, os outros vão atrás: enquanto não for assim, corremos o risco de, daqui a uns anos, perder oportunidades e tudo na mesma.
Estamos a aproveitar o ensino à distância para trazer muitas outras pessoas a leccionar nos cursos da escola. Isto é de uma riqueza muito grande para os alunos porque não só temos de transmitir conhecimento aos nossos alunos, mas também temos que transmitir relações humanas. Se eu tenho dificuldade em dizer a um colega de Bragança que venha cá dar uma aula sobre erosão do solo, se a pessoa puder entrar online é fantástico para todos.
E, para ele, também é uma mais-valia porque conhece alunos que poderão trabalhar com ele. Os alunos têm ali, portanto, um recuso humano valioso que dificilmente conheceriam e podem, desta forma, estabelecer um laço de ligação.
Por outro lado, a co-criação é indispensável porque, se não, vamos perder competitividade rapidamente. São sistemas em que o aluno é convidado a adquirir o seu conhecimento trabalhando, com desafios, com as empresas, resolvendo problemas.
A outra questão é a redução de horas lectivas de contacto: temos, forçosamente, de reduzir de quatro para três horas. Existem também, e paralelamente, as componentes de prestação de serviços, investigação, financiamento científico, aspectos extraordinariamente importantes.
Agora, temos que sair desta esfera, que é o ensino tradicional e temos que ir para a empresa. Tem havido imensos desafios, empresas de referência, empresas tecnologicamente mais avançadas, falo na Irricampo, na JP Inácio, empresários dinâmicos e com visão de futuro que querem trabalhar connosco. Ainda há relativamente pouco tempo começamos a tentar burilar alguns processos de formação para técnicos que eles precisam. Hoje em dia, o tractor não pode avariar, temos sistemas de agricultura de precisão, isto é o papel do agrónomo, mas este profissional tem também que estar envolvido nos processos de elaboração de tecnologia. As próprias empresas têm contactado a escola para darmos formação nestes domínios, mas elas próprias disponibilizam técnicos para serem complementos de formação: é uma nova abordagem, a de podermos fazer esta viagem com as empresas da região.
Estamos a falar, de uma certa forma, de uma revolução muito grande no ensino agrário?
Temos que conseguir dar este passo. Isso obriga a que possamos contratar técnicos para leccionar na escola e isso obriga a ter uma organização totalmente diferente.
Para evoluir para as três horas, não é uma coisa que uma escola possa fazer independentemente das outras. O que é certo é que os cursos continuam a ser propostos e continuam a ser propostos para acreditação exactamente no mesmo formato.
Nunca mais saímos daqui… Falamos, mas depois não há a capacidade de executar. De criar um cronograma, e dizer: no primeiro ano vamos chegar aqui, no segundo ali… isto é um projecto a dez anos e não conseguimos fazer isto independentemente do Politécnico e da própria forma como estamos organizados cientificamente.
A agrária é também uma escola que produz, qual a filosofia subjacente a este posicionamento?
É precisamente ensinar fazendo. Temos aqui um campus com 230 hectares dos quais 30 estão na sede aqui, na Quinta do Galinheiro, que é uma autêntica Arca de Noé: temos várias espécies pecuárias, tanto que a nossa exploração agro-pecuária tem um sub-orçamento próprio. Ela existe porque é sustentável, gera receita. Temos uma componente de produção agrícola com a parte da viticultura, olivicultura, e a parte dos cereais que geram uma receita que nos consegue pagar algum défice que existe na componente animal.
Temos outra vertente: ainda nos dedicamos à preservação das espécies em risco de extinção, como o Cavalo do Sorraia.
Para além disso, e o desafio que lançamos sempre aos alunos no primeiro dia, é que este espaço é um espaço para eles se instalarem, se tiverem asas e quiserem voar, eles podem instalar a sua empresa, a sua ideia de negócio e temos todo o gosto nisso. Somos uma escola que produz, mas estas cedências não são graciosas, são onerosas: somos uma escola que, depois, dá formação com os antigos alunos. Vamos ver se conseguimos agora sediar aqui uma empresa de multiplicação de plantas. O nosso processo produtivo é fundamental como modo de produção, como imagem para o exterior, como fonte de receita para o Instituto.
O papel da Escola Superior Agrária de Santarém deveria ser potenciado?
Chegamos aos 750 alunos: começámos com 680. Aqui, neste momento, temos que nos virar para o futuro e, neste caso, tenho que fazer aqui uma homenagem ao Município porque está a trabalhar intimamente connosco e a investir porque reconhece a grande mais-valia de ter uma Escola e um Politécnico no concelho.
Precisamos de convencer a sociedade civil de que o Politécnico é um sítio em que os filhos podem fazer formação, porque é uma formação, pelo menos, ao mesmo nível da que se faz nas Universidades. Esta é a primeira grande barreira. A segunda questão é ao nível da investigação e do financiamento científico: acho que, neste momento, já toda a gente conseguiu perceber que nós não conseguimos, a nível regional, ganhar projecção se não tivermos centros próprios. Temos de ter um Centro de Investigação, laboratórios colaborativos, e há uma sensibilidade muito grande da Câmara para isso. E este trabalho tem que ser feito em conjunto, a autarquia é um parceiro fundamental neste desígnio.
Portanto, estamos juntamente com uma fileira de produção animal, na área da suinicultura, a fazer um investimento avultado na Quinta do Bonito: são sensivelmente 4 a 5 ME. Vamos ter uma escola profissional virada para aquela fileira, mas vamos, em princípio, ter também um laboratório colaborativo que nos vai permitir arranjar um financiamento próprio e fixar pessoas que têm como único foco a investigação.
Nós não temos esta estrutura e a Escola não aparece, ao contrário das outras. Fala-se agora em Universidades Politécnicas, Universidades Internacionais, mas para isso temos que ter dote. Não podemos querer outorgar um doutoramento se não tivermos financiamento científico. Reitero: precisamos de centros de investigação.
Temos um Centro de Investigação de qualidade no Politécnico, mas não é nas áreas agrícolas, é nas áreas das ciências sociais. Precisamos, para ganhar visibilidade, da escola enquanto parceiro forte das empresas. O Município é um parceiro valioso na mobilização de recursos e é fundamental, trilhar outro caminho e que se faça um investimento muito considerável na escola.
São coisas que ainda estão em projecto, mas vejo, pela primeira vez, uma inversão e vontade de meter a Escola no sitio onde ela deve estar.
A ESA foi anfitriã, na passada semana, do Congresso Nacional das Escolas Agrárias. Qual a importância para a escola deste encontro?
Recebemos o IV Congresso Nacional das Escolas Agrárias, que reuniu investigadores, professores, técnicos e alunos de todo o país. Este é o momento em que as Escolas Agrárias dão a conhecer os avanços na investigação que realizaram, com a apresentação oral e em posters de trabalhos científicos. A nível científico e académico é um dos momentos mais importantes do ano e é um momento de reflexão ao nível de escolas Agrárias e nós aproveitamos para reforçar os nossos laços e estabelecer sinergias para futuro porque o caminho faz- se sempre melhor acompanhado.
Fazem-se coisas fantásticas nestas escolas, que nós podemos utilizar e vice-versa. Esta é uma aposta ganha e daqui a dois anos será em Coimbra, e cá estaremos todos para lutar e consolidar toda esta estratégia de investigação.
Numa altura de aniversário perspectiva-se o futuro, como será o futuro na escola? Onde é que gostava de ver a ESA daqui a 10 anos?
Não podemos pensar a quatro anos, que é o tempo de um mandato. O Instituto está a fazer um plano estratégico, mas. Infelizmente, pouco fala com directores… Os directores cada vez têm menos importância nesta estratégia global do Instituto. O que temos de trabalhar, na minha óptica, é a restruturação do ensino, tornando-o mais apelativo, quer na metodologia quer na carga horária. Ligarmo-nos às empresas, dando formação específica em áreas que são fundamentais para o desenvolvimento da empresa. Ter um centro próprio de investigação ou em associação com outro centro.
É também fundamental estreitar a ligação à Camara, implementar o laboratório colaborativo, com a possibilidade de fazermos uma contratação própria de recursos humanos dirigidos, que serão pagos com financiamentos próprios, ora através da CCDR ora através do próprio financiamento científico, isto seria a cereja em cima do bolo. Se não formos por aqui, isto anda mais meia dúzia de anos e vamos subalternizar o ensino e passando-o como ensino técnico. No Instituto temos que fazer um caminho, a Escola Agrária tem que fazer um caminho, e julgo que temos o caminho aberto.