Vivemos com atenção e interesse as iniciativas e as propostas dos putativos candidatos à presidência da Câmara Municipal de Santarém, que neste ano assumem um especial aliciante pelo facto de se perfilarem como cabeças de lista pelos principais partidos políticos em termos concelhios dois experientes autarcas, um dos quais é o actual presidente da autarquia, Dr. João Teixeira Leite, e o outro o actual presidente da Câmara Municipal de Almeirim, Dr. Pedro Ribeiro, a concluir ali o seu terceiro e último mandato.
Mas, para apimentar um pouco mais o natural debate político entre estes dois autarcas e os respectivos partidos políticos pelos quais se candidatam, regista-se a incidência pouco comum de um acordo de governação entre estes partidos no Município de Santarém, com dois Vereadores socialistas a ocuparem pelouros no Executivo escalabitano.
Em alguns casos da gestão municipal que o candidato socialista venha a criticar o partido pelo qual se candidata votou favoravelmente, o que obsta a uma crítica isenta de alguns constrangimentos, pois poderá denunciar uma certa falta de articulação nas hostes socialistas. Certamente que os próximos tempos serão pródigos em informação e contra-informação política sobre a Câmara Municipal de Santarém, o que se revestirá de subtilezas muito aliciantes para quem está de fora, como é o meu caso.
Nas tão utilizadas redes sociais são passados em revista por ambos os temas mais diversos, o que exige dos eleitores escalabitanos uma actualização diária sobre as ideias e os projectos de cada um. Dificilmente teremos outras eleições tão prolixas em ideias e projectos. E ainda não chegámos à fase dos debates directos e presenciais, que se adivinham especialmente interessantes.
Seja como for aguardemos pela formalização das candidaturas, até para conhecermos a composição das respectivas listas, e a apresentação das principais medidas que ambos irão propor para o futuro próximo do nosso Concelho e da nossa região, pois não poderemos olvidar a importância que o Município de Santarém deve assumir a nível de uma liderança regional, que, em bom rigor, não tem havido.
Um dos temas que parece concitar por agora mais atenção é o futuro do Campo Infante da Câmara onde, em 1954, nasceu a Feira do Ribatejo, transformando um ermo antigo numa autêntica urbe, com construções de alvenaria instaladas em espaços destinados aos respectivos sectores de exposição, numa área bem infraestruturada ao nível de saneamento básico, rede de águas e de electricidade, e dotada de arruamentos alcatroados. Obra notável do saudoso Celestino Graça à frente de uma plêiade de ribatejanos ilustres que tanto se devotaram a Santarém e ao Ribatejo.
Quando, em 1994, a Feira Nacional de Agricultura – Feira do Ribatejo foi transferida para a antiga Quinta das Cegonhas onde, entretanto, fora construído o moderno Centro Nacional de Exposições e Mercados Agrícolas, o Campo da Feira foi ficando deserto e progressivamente foi-se degradando, à excepção de alguns edifícios que através do uso continuado ainda actualmente se mantêm em boas condições.
Nos trinta anos que nos separam da transferência da Feira do Ribatejo para o CNEMA já foram apresentados diversos projectos, porém a capacidade empreendedora ainda não foi suficiente para passar do debate de ideias à concretização de alguma obra. Compreende-se que o dossiê seja melindroso, por se tratar de uma área considerável em termos urbanísticos no planalto escalabitano, mas é perante os grandes desafios que se devem perfilar os maiores empreendedores, sem medo de assumir a responsabilidade inerente a um projecto desta grandeza. Pior que errar é não fazer!
Sobre uma questão tão candente abundam as opiniões de muito boa gente, alguns que, contudo, na minha modesta apreciação, se limitam a propalar ideias vagas e muito voluntaristas, não se dando ao cuidado de integrar o futuro desta área no futuro desejado para a própria cidade. Santarém, ainda que mal pareça muitas vezes, é uma capital de distrito à qual fazem falta diversos equipamentos potenciadores de um augurado desenvolvimento social, cultural, turístico e económico, e está bem de ver que o único espaço disponível para o concretizar é o Campo Infante da Câmara.
Para além de tudo, este é um espaço com memória – e “nós somos a memória que temos e a responsabilidade que assumimos”, como eloquentemente escreveu o Nobel José Saramago! – cumprindo-nos resgatar a memória deste Campo como um centro cívico e de desenvolvimento onde Santarém encontrou algumas das suas principais referências, entre as quais devemos considerar a Feira do Ribatejo – Feira Nacional de Agricultura, o Festival Internacional de Folclore de Santarém (actualmente designado por Festival Celestino Graça – A Festa das Artes e das Tradições Populares do Mundo), o Festival Nacional de Gastronomia, a Monumental Praça de Toiros “Celestino Graça” e, mais recentemente, as Festas de S. José.
Neste chão sagrado se valorizaram os sectores agrícola e pecuário, projectando a economia regional para patamares de excelência, do mesmo modo que aqui se viveram inolvidáveis jornadas de cultura e de arte, através das centenas de realizações que integraram os programas dos certames que ali aconteceram, reforçando a um só tempo a dimensão rural do Ribatejo e a vertente sócio-cultural que tem tradições tão fundas na história do associativismo regional.
Santarém é capital de uma das mais ricas regiões agrícolas do nosso país, é sede do mais importante certame agro-pecuário, porém pouco ou nada hoje reflecte esse passado de modo a projectá-lo no futuro colectivo da região.
Como é que se compreende que em Santarém ainda não tenha sido criado um bom Museu Etnográfico do Ribatejo? O Grupo Académico de Danças Ribatejanas, de Santarém, fundado em 1956 por Celestino Graça, e cuja sede é o antigo Pavilhão de Almeirim, tão profundamente arreigado na história da Feira do Ribatejo, não poderia acolher, beneficiando de algumas obras de adaptação, esse Museu Etnográfico que preservasse para todo o sempre a memória da Feira e da principal actividade económica da região até meados do século passado?
Concordamos que Santarém necessita de mais área arborizada, até para mitigar os efeitos das alterações climáticas, mas deveremos sacrificar um espaço nobre que poderá acolher uma moderna biblioteca, uma confortável sala de espectáculos, um importante museu etnográfico e, eventualmente, um novo edifício dos Paços do Concelho?
Obviamente, o espaço remanescente deverá ser ajardinado de modo a oferecer condições de uso por parte de população, mas não nos deveremos esquecer que também as colinas de Santarém deverão ser mais bem aproveitadas com a plantação de árvores autóctones – os tão afamados olivais de Santarém.