António Ventura é um enólogo natural de Cadaval e descendente de uma família com várias gerações de vitivinicultores. Possui formação em Industrias Agro-Alimentares na E.S.A.S-IPS e licenciatura em Agronomia na Universidade de Évora, concluiu em 1983 no Instituto de Viticultura e Horticultura de Geisenheim (Alemanha) uma especialização em Viticultura e Enologia. É actualmente enólogo e consultor em várias Adegas Cooperativas e Casas Agrícolas.

Como se sente ao ser distinguido com um prémio carreira?
Sinto-me honrado e sobretudo grato por ver reconhecido um trabalho desenvolvido ao longo de mais de três décadas em várias regiões vitivinícolas, nomeadamente na região do Tejo onde me sinto sempre em casa e que agora me distinguiu com este prémio.

Alguma vez nos últimos anos foi capaz de beber um vinho sem vestir o  
papel de técnico, de enólogo?

É uma questão deveras difícil de responder e honestamente acho que por muito que tente abstrair-me da apreciação enquanto enólogo, não consigo fazê-lo apenas como um consumidor comum e mais tarde ou mais cedo lá estou a provar mais que a beber e a pensar como enólogo…

Onde está então para si o prazer de beber vinho?
O prazer de beber vinho reflecte-se mediante a qualidade intrínseca do vinho que temos oportunidade de beber e se é apenas um vinho bem elaborado não dará o mesmo prazer a beber que quando temos à nossa disposição uma “obra de arte” que desafia os sentidos e nos convida a imaginar todas as etapas da vida daquele vinho que levaram a que atingisse tão elevado nível…

Num branco, por exemplo, quais são os aromas que fazem um vinho bom?
De uma forma muito simplista direi que num vinho jovem para beber na piscina ou na praia serão os aromas frutados intensos de perfil tropical e exótico, mas num vinho mais sério serão aromas bem mais complexos e menos exuberantes com um perfil muito mais mineral e fresco , por vezes com algumas notas de madeira de fermentação e estágio quando é o caso…

Consegue definir um perfil de vinhos que seja mais ao seu gosto?
Decisivamente do ponto de vista pessoal prefiro vinhos com perfil mais mineral e menos exuberante e sobretudo com boa acidez e frescura, no entanto no verão não deixo de achar piada a um bom branco frisante a acompanhar umas entradas ou mesmo um peixinho grelhado.

Quais são as suas castas de eleição e porquê?
No caso dos brancos a Fernão Pires, o Arinto e a Antão Vaz. No caso do Fernão Pires acho uma das mais fantásticas castas portuguesas pela sua enorme capacidade de fazer vinhos diferentes em cada “terroir” tanto tem um enorme potencial tanto para a elaboração de vinhos jovens e frutados, como pode fazer um grande branco de enorme complexidade e até mineralidade ou mesmo uma base de espumante, como acontece algumas vezes. No caso do Arinto porque é a casta branca portuguesa que melhor preserva a acidez de norte a sul e é quase sempre uma “casta melhoradora” nos lotes e no caso do Antão Vaz porque é outra grande casta branca do sul capaz de dar origem a vinhos de enorme qualidade e com volume de boca e longevidade notáveis.
No caso dos tintos a inevitável Touriga Nacional, o Alicante Bouschet e o Syrah. A Touriga porque é uma “casta de bandeira” capaz de produzir vinhos surpreendentes desde o Douro até ao Alentejo, em cada região com diferentes perfis, mas quase sempre com muita qualidade associada, difícil de trabalhar na vinha, quase sempre com produções baixas mas compensa largamente pela qualidade que apresenta. O Alicante Bouschet porque é uma fantástica casta de lote em quase todo o país e por vezes mesmo vinificada como “varietal” produz alguns dos melhores vinhos, nomeadamente no sul do país, onde está muito bem adaptada há muitos anos e o Syrah pela singular elegância que empresta aos “blends”, pela sua frescura e enorme capacidade de adaptação nas mais diversas “latitudes” sendo sem duvida uma das grandes castas do mundo.

Consegue fazer um vinho que não goste?
Consigo e já aconteceu algumas vezes e isto porque alguns mercados externos por vezes solicitam vinhos com estilos de que eu pessoalmente não gosto, no entanto se o cliente nos pede especificamente aquele vinho, nós como profissionais só temos que o elaborar tornando-o o melhor possível para o cliente. Chamo a atenção por exemplo para alguns países que apreciam vinhos tintos completamente doces, normalmente o que fazemos é tentar que progressivamente seja possível habituá-los a vinhos menos doces, o que nem sempre conseguimos porque são países que estão a iniciar-se no consumo de vinho e habituados a bebidas com muito açúcar.

O que é um vinho fácil?
Um vinho fácil é um vinho que se bebe agradavelmente mas sem qualquer história nem desafios e do qual no dia seguinte normalmente já não guardamos memória…

A região do Ribatejo tem vinho de qualidade ou é mais uma região da  
quantidade?

A região do Tejo como actualmente se denomina pouco tem a ver com a região produtora de grandes quantidades de vinho com pouca qualidade que acontecia há umas décadas. Um enorme trabalho de reconversão de vinhas e implantação de novas castas de vertente qualitativa teve lugar nos últimos 20 anos e o Tejo é hoje uma região moderna e das mais competitivas, que agrega produtores de grande tradição a outros mais recentes e com vinhos de excelente qualidade a preços surpreendentes, na minha opinião é uma das regiões com maior margem de progressão nos tempos mais próximos.

Uma boa combinação vinho/música?
Numa noite fria e chuvosa de inverno à lareira, um grande tinto de Syrah com uma musica de Mariza seria uma combinação perfeita…

Uma boa combinação vinho/prato?
Num almoço Primaveril um grande branco de Fernão Pires e Arinto com um bacalhau assado com batata a murro seria uma “maridagem” fantástica…

Qual é o seu lema de vida?
Os milagres acontecem quando se trabalha muito para isso.

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