Leonor Serrão – Neta de Joaquim Veríssimo Serrão

Querido Avô! Neste ano de 2020, em que completas noventa e cinco anos de idade, pediram-me que escrevesse umas palavras sobre ti! A melhor forma que encontrei para o fazer, foi direcionar-tas pessoalmente, e escolhi precisamente “a tua” Santarém para passar esta carta a escrito.

Tenho saudades, sabes? Muitas saudades do tempo em que podíamos comunicar de outra forma… mas uma coisa é certa, as boas memórias, as imagens e escritos teus, que perdurarão, ajudam certamente a reviver aqueles que chamo os “nossos” momentos:

Recordo, com saudade, os nossos encontros naquela a que te referias como a “Casa do Salmeirim” ou “Casa dos Pinheiros”, que foste construindo ao longo dos anos, com muito gosto, amor e carinho, fruto do trabalho a que sempre te dedicaste com gigantesca metodologia, coerência, seriedade e honestidade, enquanto a saúde to permitiu. Aquele local onde, escreveste-me tu numa carta, “me sinto bem – nesta paz de espírito, neste constante diálogo com a natureza” [carta de 06/05/1995].

É um orgulho para mim, na qualidade de neta, ter tido a possibilidade de presenciar a tua dedicação ao trabalho e aos prazeres da natureza durante aqueles períodos em que vinha passar umas temporadas contigo a Santarém, aproveitando para estudar para exames, fazendo por tentar acompanhar a tua metodologia, datilografando e tirando também apontamentos escritos, seguindo uma rotina que incluía sempre algumas pausas, que bem me ensinaste serem necessárias para o corpo poder recuperar energias.

Recordo, com saudade, as cartas que me escreveste, ora manuscritas, ora datilografadas, quase semanalmente, nos períodos em que vivi fora de Portugal, contando-me momentos dos teus dias, reportando notícias da nossa família, relatando-me factos históricos importantes e reflexões filosóficas e, principalmente, dando-me conselhos tão sábios. Guardo-as religiosamente, devidamente acondicionadas, e sei que me perdoas por partilhar desta forma algumas das palavras que escreveste para mim pois, como bons conselhos que são, e que ajudaram a formar a pessoa que sou hoje, certamente ficarás contente por poderes, ainda assim, continuar a partilhá-los com quem ler este testemunho:

“Lê o mais que possas, ouve e fala com as pessoas para conhecer a sua postura na sociedade e face ao Mundo.” [Carta de 04/09/1994]
“Só há liberdade quando as pessoas sentem que a democracia não é cada um fazer o que quer, mas respeitar os outros.” [Carta de 01/11/1994]

“Vive intensamente o dia-a-dia como um tesouro que te há-de enriquecer profissionalmente e marcar no ponto de vista humano, social e político. Mas guarda o melhor de ti própria para que possas fazer as tuas opções de vida enquanto estiveres na Universidade”. (…) “Segue a tua vocação autêntica, mas nunca deixes de pedir conselhos aos teus Pais (…).” [Carta de 01/12/1994]

“(…) podes ser uma pragmática na vida corrente, sem jamais perderes a noção dos valores essenciais: basta seres fiel aos princípios básicos da tua formação.” [Carta de 19/03/1995]

“Guarda todas as imagens colhidas e faz por as transformar em vivências.” [Carta de 06/05/1995]

“Muita gente anda equivocada pensando que acumula riquezas e que as leva para o outro Mundo! Trata-se de uma ilusão, pois aquilo que juntamos não constitui matéria transportável, serve apenas para a nossa fruição enquanto vivemos. (…) Connosco levamos apenas uma grande fé em Deus e a consciência de que cumprimos na terra as nossas obrigações: sendo honestos e cumpridores, amando os nossos entes queridos, deixando um nome limpo e tendo contribuído para o bem da sociedade na profissão que escolhemos.” (…) “Só com trabalho se vence a batalha da vida: estudando, lendo muito, sempre a par dos problemas do nosso tempo (…).” [Carta de 01/11/1999]

“Os contactos com o estrangeiro tornam-se essenciais num tempo em que nenhum país vive isolado dos restantes e as culturas tendem a globalizar-se numa cultura cada vez mais universal. Ler, estudar, dialogar fazem parte dum processo de aproximação mental de vivência obrigatória no século XXI.” [Carta de 14/12/1999]

Dos desentendimentos políticos que, por vezes, tu e o Pai tinham durante alguns dos convívios familiares… desses, confesso, não há grande saudade… mas uma coisa é certa, aprendi que não é necessário concordar totalmente com o outro para, ainda assim, o poder admirar profundamente e até amar incondicionalmente!

Gosto muito de ti e, “Avô, admiro-te muito, sabes?” – tal como tive a oportunidade de to escrever, e que recordaste na carta que me escreveste a 18/11/1999 – e acredito que ainda nos escutas quando falamos contigo. O poder da oratória, que sempre te caracterizou, esse, deixou de se manifestar através da fala, é um facto. Agora, Querido Avô, tens o poder da oratória através do olhar… sim… que esse ainda comunica!

Da tua querida Nô

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