Valter Ferreira, coordenador da União dos Sindicatos do Distrito de Santarém, a propósito do Dia do Trabalhador, que se celebra este sábado, dia 1 de Maio, faz ao ‘Correio do Ribatejo’ o retrato da situação sócio-laboral na região em pleno período de pandemia Covid-19. O dirigente sindical entende que houve um aproveitamento da crise de saúde pública por parte das grandes empresas destacando “os despedimentos ilícitos, a violação do direito a férias” e a “desregulação de horários de trabalho”.

Sábado assinala-se mais um 1º de Maio. A luta dos trabalhadores tem de continuar a sair à rua?
O lugar da luta dos trabalhadores é, em primeiro lugar, no local de trabalho, nas empresas e nos sectores onde se sentem as injustiças e se exigem melhores condições de vida e de trabalho. Mas a rua é também um espaço privilegiado para a luta dos trabalhadores e que tem de continuar a ser ocupado pela acção reivindicativa!
O 1º de Maio, para além de um momento de celebração e homenagem às conquistas históricas de direitos de quem trabalha em todo o mundo é, acima de tudo, uma jornada de luta, que traz à rua a vontade popular de um país mais justo e melhor para todos.

Considera que a pandemia Covid-19 trouxe consigo a perda de direitos dos trabalhadores?
Com certeza que sim. Mas não considero que tenha sido a pandemia Covid-19 a trazer directamente a perda de direitos. As empresas é que se serviram da situação de saúde pública para retirar e atacar direitos dos trabalhadores.
Por toda a região assistimos a despedimentos ilícitos, violação do direito a férias, desregulação de horários de trabalho, ataques e limitações ilegais no direito à parentalidade, situações de assédio moral, cortes ilegais nos salários e pagamento de trabalho extraordinário e em dia feriado… Enfim, se é verdade que muitas empresas estiveram, estão e estarão a passar por muitas dificuldades, é também verdade que houve um aproveitamento generalizado da pandemia, principalmente por parte das grandes empresas, para atacar e limitar os direitos dos trabalhadores, concretizando alguns “sonhos antigos” à boleia da saúde pública.
O exemplo da Sumol+Compal, que apesar de receber benefícios do estado, não deixou de fazer um despedimento colectivo, e das empresas e instituições como a Sohi Meat Solutions, o Pingo Doce e o CRIT, em Torres Novas, que aproveitaram o momento de incerteza para aprovar bancos de horas e despedir trabalhadores precários, é bem demonstrativo do ataque aos direitos dos trabalhadores por parte de algum patronato “à boleia da crise” pandémica.

Na sua opinião, o governo fez tudo o que estava ao seu alcance para minimizar este flagelo?
O Governo PS, pelo contrário, é um dos maiores responsáveis pelo aumento do desemprego durante a pandemia. Em primeiro lugar, por se recusar a revogar as normas gravosas do código do trabalho, instituídas pelo Governo PSD/CDS no período da Troika, nomeadamente em matérias de contratação colectiva e precariedade. Em segundo, por se recusar a aplicar medidas de protecção do emprego e dos trabalhadores, como a proibição dos despedimentos. O país, através das políticas deste Governo, investiu mais na protecção do lucro das empresas, do que na protecção social dos trabalhadores. O direito aos benefícios fiscais, isenções de taxas e apoios financeiros devia trazer, pelo menos, o dever de manter os postos de trabalho.

É também preocupante a situação crescente de trabalhadores extra-comunitários sem contratos de trabalho?
Sim, preocupa-nos muito a situação desses trabalhadores, até pela dificuldade que temos de chegar ao contacto com eles. É um problema humanitário, com estes trabalhadores a viverem muitas vezes em condições altamente precárias. É um problema social porque sem contrato de trabalho, correm o risco da sua permanência no nosso país ser ilegal. E é também um problema económico porque são neste momento uma grande e indispensável parte da mão-de-obra em sectores estratégicos, como a agricultura, do nosso país.
Sem contratos de trabalho estes trabalhadores ficam desprotegidos, muitas vezes forçados a condições de trabalho sub-humanas, sujeitando-se a trabalhar em circunstâncias inferiores a outros, a nível de direitos e deveres, desregulando o mercado de trabalho nos sectores, de forma negativa.

Que balanço faz do movimento sindical no distrito de Santarém?
O movimento sindical no distrito está, como sempre esteve, ao lado dos trabalhadores, de forma transversal a todos os sectores, no público e no privado. Apesar das dificuldades, o balanço é francamente positivo. Não sendo possível especificar todos os locais de trabalho onde vamos desenvolvendo a nossa actividade, penso que poderemos considerar positivo o facto de continuarmos a esclarecer e a acompanhar os trabalhadores nos seus problemas individuais e colectivos, ao mesmo tempo que temos conseguido desenvolver a acção reivindicativa e a contratação colectiva no distrito.
Os dados de sindicalização são também positivos, o que representa bem o prestígio que este movimento sindical tem junto dos trabalhadores no distrito de Santarém.

Continuam a considerar-se fundamentais para a sociedade civil?
Claro que sim! Os sindicatos da CGTP-In continuam a ser o principal reduto da defesa dos interesses dos trabalhadores no nosso país. Somos fundamentais no papel que temos no esclarecimento e organização nos locais de trabalho. Somos fundamentais na intervenção institucional que fazemos, onde o nosso único objectivo é sempre garantir e salvaguardar os direitos de quem trabalha. Somos fundamentais na negociação colectiva, porque garantimos a força e resistência que precisamos para representar as partes mais fracas das relações de trabalho, através da unidade e da discussão colectiva democrática que define as nossas orientações. Um sindicato activo e representativo em cada local de trabalho é a garantia do cumprimento da lei, assim como da legítima aspiração em garantir mais e melhores condições de vida.

A falta de capacidade de intervenção e de meios da ACT ainda é uma preocupação para União dos Sindicatos de Santarém (USS/CGTP-IN)?
É e continuará a ser. Apesar de sabermos que a mais forte componente de transformação das relações de trabalho é a organização e reivindicação dos trabalhadores, a Autoridade para as Condições de Trabalho tem um papel inspectivo muito importante na garantia do cumprimento da lei.

Que pode ser melhorado no aparelho do Estado neste aspecto?
A ACT precisa de mais meios humanos e técnicos para desenvolver o seu trabalho com a celeridade exigida, precisa de verdadeira autoridade para que quem não cumpre a lei seja efectivamente punido, e precisa, acima de tudo, de saber que existe para defender a parte mais fraca nas relações de trabalho: os trabalhadores.

Quais são as principais reivindicações dos trabalhadores hoje em dia?
É incontornável a questão dos salários e outras matérias de expressão pecuniária. Os baixos salários generalizados são um flagelo da nossa sociedade, ao ponto de, como sempre dissemos e que um estudo recente veio confirmar, haver pessoas a empobrecer a trabalhar.
Esta política de salários de miséria imposta pela grande parte das empresas, expõe claramente a feroz exploração a que os trabalhadores estão sujeitos em Portugal, acentua desigualdades e empurra os trabalhadores para o limiar da pobreza. A exigência de mais e melhores serviços públicos, que como está à vista de todos são o caminho e a solução para o combate às crises, sejam elas epidémicas ou económicas.
A desvalorização das carreiras é outra matéria que está na ordem do dia. São muitos os exemplos de trabalhadores com carreiras de 20 anos a receberem o mesmo salário de quem entra no dia anterior.
O direito à conciliação entre a vida profissional e a vida familiar. Cada vez mais se quer fazer passar esta ideia de que os trabalhadores devem estar 24 horas por dia disponíveis para o patrão, independentemente do direito à vida familiar, tentando que o trabalhador condicione a sua vida pessoal em torno da vida profissional, quando devia ser o contrário.
E, considerando que esta é uma reivindicação que engloba tantas outras, o direito à contratação colectiva. Um contrato colectivo de trabalho é a garantia de direitos e deveres adquiridos, e adequa a legislação laboral da melhor forma aos diferentes sectores de trabalho. É aqui que vemos consagrado o direito ao subsídio de refeição, ao pagamento do trabalho extraordinário, o direito a uma carreira e a um nível salarial adequado às nossas tarefas e experiência profissional.

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