Catarina Araújo Ribeiro é fotógrafa e formada em sociologia, com mestrado em sociologia do crime e violência e com uma pós-graduação em ciências criminais.
No passado sábado, inaugurou, em Santarém, no Fórum Mário Viegas, a exposição “Punctum”, que apresenta a realidade das crianças que vivem com as mães no Estabelecimento Prisional de Tires.
Em que altura da sua vida nasceu para a fotografia?
Aos 10 anos, de forma mais autónoma e consciente, mas “brinco” com as máquinas fotográficas profissionais do meu pai e do meu avô materno desde sempre. A minha avó, hoje com 94 anos, guarda uma fotografia minha com 3 anos de máquina fotográfica ao pescoço.
Qual é a inspiração por detrás da sua exposição no Fórum Mário Viegas e como escolheu o tema ou conceito para este evento?
Na prisão não há fotografias! Este foi o mote. Sabendo que a nossa memória de nós próprios, até aos 3 anos, é um conjunto entre aquilo que nos contam sobre como éramos, e o que mostram as fotografias, pareceu-me importante que estes meninos não estivessem privados de terem fotografias suas.
Propus à direção geral dos serviços prisionais oferecê-las às crianças e eles aceitaram e com bastante entusiasmo, abriram-me as portas mais secretas e blindadas para que, durante quatro meses, pudesse criar relações de empatia e fotografasse mães e filhos nos espaços onde ninguém vai: as celas e o recreio.
Quais são os principais temas ou elementos que os visitantes podem esperar encontrar nas suas fotografias expostas?
Podem perceber um pouco do dia a dia destas crianças que, por falta de suporte familiar alternativo ou para manterem o colo das mães, vivem com elas na cadeia até aos 3 anos de idade.
Os muros que lhes limitam a liberdade são os mesmo que os acolhem, protegem e garantem comida, médicos, abrigo e o vínculo com a mãe, determinante nestas idades. A questão é complexa e não existem respostas simples.
Que tipo de abordagens fotográficas utilizou para expressar a sua visão artística nesta exposição?
Em algumas fotografias o desfoque de fundo foi intencional, porque quis mostrar que estes meninos e estas mães estão, agora, naquele contexto, mas as suas histórias de vida são e serão muito mais do que este momento. Estão ali, agora, mas não são aquilo.
Existe alguma história particular por detrás de uma das suas fotografias que gostaria de partilhar com o público durante a exposição?
Estive presente na apresentação da exposição, no dia 20, disponível para responder a todas as perguntas dos visitantes e contar as histórias por trás de cada uma delas. A fotografia de contraluz, que mostra um menino de mão dada à sua mãe, que caminha no corredor das celas, foi um trabalho cúmplice de equipa. Num dos dias que visitei a prisão as reclusas sugeriram-me fotografar ali, naquele corredor, aproveitando a luz que vem de uma janela grande de vidro fosco.
Eu aceitei a sugestão e depois disso fotografei cada miúdo com a sua mãe, nesse mesmo efeito. O mestre Cartier Bresson fala no instante decisivo onde tudo se alinha numa fotografia, e aqui o momento em que o menino olha para a mãe, com esse olhar cúmplice e confiante, conta-nos uma história de esperança dentro de muros.
Como descreveria a evolução do seu trabalho fotográfico desde o início até esta exposição no Fórum Mário Viegas?
Fotografo desde os 10 anos, e o caminho fez-se caminhando, sempre de máquina fotográfica na mão. Praticando muito, aperfeiçoando com formações, acompanhando atentamente tudo o que se faz pelo mundo na área da fotografia, e estudando muito. Acho que as minhas fotografias de hoje falam de sentimentos e mantenho-me empática e permeável áquilo que me quiserem entregar quando estão à frente da minha lente. mas sobretudo usando esta arte para enaltecer os retratados, respeitando-os, passando a sua verdade e a sua mensagem. Fotografo aquilo que sinto, mais do que aquilo que vejo.
Expor é mostrar, mostrar é submeter a elogios e a críticas aquilo que resultou da nossa paixão. Mas a temática é desafiante, forte e complexa e pareceu-me que valia a pena partilhar.
Que mensagem ou emoção espera transmitir aos espectadores através das suas fotografias nesta exposição?
Todas as emoções e nenhuma em particular. Chamei à exposição PUNCTUM, um conceito do sociólogo Roland Barthes, que define os detalhes que, numa imagem, são capazes de nos arrepiar, de nos prender, de nos impactar. Quando isso acontece, essa imagem passa a viver dentro de nós.
Se isso acontecer a algum visitante com alguma das fotografias terá valido a pena expor, independentemente do tipo de emoção que cada um recebe.
Ter-se-á cumprido o papel da arte: agitar, alertar, emocionar, fazer reflectir, olhar de um novo prisma…
Que impacto espera ter com esta exposição na comunidade local ou no público que visitar o Fórum Mário Viegas?
Espero que as pessoas gostem das fotografias e, sobretudo, que se sintam impactadas pelas imagens, pelas histórias que se adivinham nelas e pelas reflexões sugeridas pelos textos da exposição. Que através das fotografias percebam “o afecto além do contexto” de que fala o curador César Rodrigues, que foi o que encontrei entre estas mães e os seus filhos.
São mães que cumprem pena pelos seus delitos, mas, para além disso, são mães atentas e cuidadoras, que decoram as suas celas como quartinhos de bebé, e os enchem de cores, de mimos e de sorrisos. E que se deixem envolver ao som das músicas compostas especialmente para estas fotografias por Nicholas Ratcliffe, Filipe Melo, entre outros.