Não há região portuguesa mais devota ao espírito das romarias do que o Minho, porém, sempre houve romarias em todo o território nacional, até porque estas encerravam em si mesmas uma dimensão religiosa, daí o facto de ocorrerem na proximidade de algum santuário ou na data comemorativa de algum santo, contudo, a dimensão lúdica, mais ou menos pagã, era um dos seus atractivos populares.
Muitos dias santificados foram apropriados pelo povo como dias de guarda, aos quais se associaram algumas manifestações lúdicas, as quais, com o correr dos tempos, se foram tornando tradicionais em muitas localidades portuguesas. Um desses dias é exactamente aquele que se assinala em Santarém como o feriado municipal – o Dia de S. José.
S. José é o santo padroeiro dos operários e artífices, essencialmente, pelo facto de, segundo a tradição cristã, ter sido carpinteiro, o que levou muitos a considerá-lO, apenas, como o padroeiro dos carpinteiros. Mas, S. José é também tido como o santo padroeiro das Famílias, na medida em que a sua intervenção no nascimento de Jesus Cristo se consagrou pelos princípios essenciais na educação de um Filho, através da partilha e do exemplo da sabedoria, da idade e da graça.
José de Nazaré foi um humilde carpinteiro escolhido para desposar Maria, que seria a Mãe de Jesus, concebendo por graça do Espírito Santo. Sendo já idoso quando nasceu Jesus, José preparou-O para a vida, começando por lhe transmitir os ensinamentos sobre a sua humilde profissão, partilhando consigo a sabedoria adquirida ao longo da sua existência, vindo a falecer, segundo é tradição, aos 111 anos de idade, em data anterior à morte de Jesus Cristo, daí que aquando da crucificação não haja nenhuma referência a S. José.
Para muitos a figura do S. José, dada a sua modesta origem familiar e a sua humilde profissão de carpinteiro, tornou-se quase como uma bandeira de afirmação da classe operária, extravasando, assim, das acepções míticas ou religiosas mais comuns. Em Santarém os operários escalabitanos que não trabalhavam neste dia e iam em romaria até à Quinta das Ómnias, situada nos arrabaldes do centro urbano, a caminho da aldeia piscatória das Caneiras, onde ainda hoje existe uma venerada imagem deste Santo, e aí celebravam esta figura carismática da humildade dos operários.
Nesta romaria tão popular integravam-se informalmente alguns músicos da Banda dos Bombeiros de Santarém, de tão grata lembrança, os quais desfilavam pelas ruas da cidade em direcção às Ómnias, efectuando algumas paragens à porta das tabernas, para beber uns copitos que os revigorassem para a longa e cansativa caminhada. Chegados à presença da imagem de S. José tocavam alguns números do seu reportório, após o que almoçavam, juntando-se às centenas de romeiros que por essa altura também já se deliciavam com os farnéis que previamente haviam preparado para o piquenique.
Após o repasto, bem regado, como cumpria a tradição, os romeiros disputavam alguns jogos tradicionais, nomeadamente a subida ao pau de cebo e o chinquilho, e, depois, claro, tinha lugar o bailarico, que era, como se compreenderá, um dos momentos mais esperados pela maioria dos romeiros, pois, muitos namoricos eram abençoados pelo Santo padroeiro. Quando o dia declinava, e o ocaso ocorria cedo nestes tempos de despedida do Inverno, iniciava-se a penosa jornada de regresso a casa, com muitos dos romeiros, cansados mas felizes, a sonharem com o futuro, mas sem esquecer que no dia seguinte o trabalho não dava folga.
Outra romaria tão participada na região de Santarém era a romaria à Senhora da Saúde, que ocorria anualmente no primeiro domingo de Agosto, data em que se juntava gente vinda de todo o concelho e de outras localidades vizinhas, posto que, neste caso, predominava a dimensão religiosa, embora a componente lúdica não deixasse de constituir um atractivo, especialmente para a população mais jovem.
Durante o dia de sábado começavam a chegar ao adro da capela de Nossa Senhora da Saúde ranchos de pessoas um pouco de toda a região e por ali pernoitavam em alegres bailaricos e agradável convivência. Na manhã de domingo, todos se deslocavam até à Igreja Paroquial de Santa Iria de onde seguiam em direcção à Quinta da Saúde, onde se encontra a imagem de Nossa Senhora da Saúde, sendo o círio acompanhado de um cortejo em que pontuavam querubins em cavalos, entoando loas alusivas, carroças e carruagens enfeitadas com verduras e flores, burros, romeiros a pé, com bandeiras de imagens de santos e símbolos sagrados, e os músicos.
Na Quinta, após o cumprimento da devoção de cada um e da participação nos actos litúrgicos – pedindo-se protecção para os trabalhos agrícolas, para os gados e para os que trabalham no Tejo – a romaria prosseguia com o repasto em toalhas estendidas nos mais diversos recantos de sombras, partilhado por uns e por outros, interrompido pela animação dos grupos de músicos que criavam o ambiente propício para a contagiante festa e alegria das danças dos romeiros e aqui e além se iam cantarolando umas loas, de que faziam parte os seguintes versos:
Virgem, Virgem, Avé Maria
À vossa capela vem
O povo de Santa Iria,
O povo de Santarém.
Ó Senhora da Saúde
Vosso nome é imortal
Imortal é a sua Virtude
Livrai-nos da guerra
Livrai-nos de todo o mal.
Tarde fora vivia-se intensamente esta festividade até que chegasse a hora da partida, pois, no dia seguinte o trabalho chamava e às vezes as distâncias a percorrer, a pé ou em veículos de tracção animal, eram longas e penosas.
Qualquer uma destas tradições caiu em desuso, o que é pena, posto que muito da nossa identidade e tradição se estribava também nestes momentos de intensa espiritualidade. Mais recentemente se criou a romaria fluvial de Nossa Senhora dos Avieiros, sobre a qual me debruçarei em próxima oportunidade.
Ludgero Mendes