Fotos: Gonçalo Villaverde
A pandemia não parou os Vinhos do Tejo: o número de vinhos certificados pela Comissão Vitivinícola Regional do Tejo (CVR Tejo) subiu 47,3% face ao período homólogo (Janeiro a Junho) do ano passado. Actualmente, mais 15,21 milhões de litros podem apresentar o selo de garantia de qualidade e origem, assegurando aos consumidores que se trata de um produto da região. Luís de Castro, presidente da CVR Tejo, realça, nesta entrevista ao Correio do Ribatejo, o “forte investimento” que tem sido feito na região, ao nível tecnológico e na plantação de castas mais adaptadas, sublinhando que passou a época em que a única preocupação era produzir em quantidade. No seu entender, a região tem vindo a produzir vinhos de qualidade “ímpar” e com equilíbrio no preço, uma relação que, afirmou, tem sido apreciada pelos consumidores. Para o futuro, Luís de Castro não tem dúvidas que a região vai crescer e conquistar, cada vez mais, cota de mercado nacional e internacional.
Qual o panorama actual desta região vitivinícola? Como se perspectiva a campanha deste ano?
Relativamente à região em si, felizmente, temos a assinalar um crescimento bastante elevado em termos de vinhos certificados: somos, inclusive, a região do país que está a crescer mais.
Por outro lado, estamos bem posicionados na grande distribuição. Como é sabido, o canal Horeca – que abrange os estabelecimentos de hotelaria, restauração e cafetaria – está no meio de uma crise terrível devido ao Covid-19, mas a nossa região está bem posicionada na grande distribuição e, portanto, tem vindo a crescer sem sentir esse impacto. No entanto os produtores que estavam mais vocacionados a vender no canal Horeca são os mais afectados.
No que diz respeito à vindima, o que se perspectiva é uma manutenção do que sucedeu o ano passado, ou até um aumento. A previsão realizada em parceria com o Instituto da Vinha e do Vinho (IVV) aponta para vindimas sem quebras. Embora o total da produção de vinho em Portugal apresente uma possibilidade de recuo de 3% em relação à campanha anterior, os Vinhos do Tejo não deverão contribuir para essa descida. A CVR Tejo antecipa uma manutenção dos valores de 2019, ou seja, cerca de 61,6 milhões de litros.
O número de vinhos certificados pela Comissão Vitivinícola Regional do Tejo subiu 47,3% face ao ano passado. Qual é a importância desta certificação e como se conseguem estes números?
A região sofria, e sofre ainda, de um ‘mal’ que é o seguinte: dos cerca de 60 milhões de litros de vinho que produz, só certificava, ainda há dois anos, 13 milhões. Portanto, havia aqui um défice de mais de 40 milhões de litros de vinho que não era declarado nem certificado. Era vinho de mesa, muitas vezes vendido a granel, o que acabava por desvalorizar o vinho da região. Estamos a assistir agora a uma adesão maciça dos nossos agentes económicos, inclusivamente das cooperativas, que são os maiores produtores da região, à certificação. Isso faz com que, já no ano passado, tivéssemos certificado acima dos 20 milhões. E este ano, mesmo sendo atípico, perspectivamos que, no mínimo, devemos certificar 26 milhões, ou seja, o dobro do que era certificado há dois ou três anos.
Na realidade, o número de vinhos certificados pela CVR Tejo subiu 47,3% face ao período homólogo (Janeiro a Junho) do ano passado. Actualmente, mais 15,21 milhões de litros podem apresentar o selo de garantia de qualidade e origem, assegurando aos consumidores que se trata de um produto de qualidade da região do Tejo.
Este selo é um factor de grande relevo, na medida em que atesta que são vinhos de qualidade comprovada feitos com uvas produzidas na região, sob a Denominação de Origem Tejo (DO Tejo) ou a Indicação Geográfica do Tejo (IG do Tejo ou Vinho Regional do Tejo).
E o caminho é continuar a aumentar os níveis de certificação que é a forma da região se continuar a valorizar.
Outro factor importante tem sido a obtenção de inúmeros prémios. A que se deve este sucesso?
Aí, o mérito é também dos nossos produtores e do trabalho por eles desenvolvido nos últimos 30 anos. Um percurso que já envolve mais do que uma geração. O que a região tinha de bom, já cá estava. Há agora uma nova geração, e foram renovadas e melhoradas as técnicas de produção. Há novos processos introduzidos, quer na vindima, quer na vinificação, e tudo isso, em conjunto, veio proporcionar vinhos de melhor qualidade e que conseguem atingir classificações e prémios que, se calhar, eram impensáveis há 20 anos.
Temos muito boas classificações nas revistas da especialidade estrangeiras e temos obtido diversos prémios, precisamente devido a este trabalho em conjunto que vem sendo feito.
Na sua opinião o que distingue esta região em relação às outras produtoras de vinho? Quais são os grandes trunfos?
As condições edafoclimaticas [características relativas aos solos e ao clima] da região são excepcionais. Isto é: a associação da terra, do clima, e a presença do rio. O rio marca a região e os seus vinhos porque cria um clima muito especial, diferente dos climas mais áridos de outras regiões. Ainda nos últimos dois dias estava muito sol, mas, de noite, a região estava coberta por uma bruma que, de facto, arrefece bastante a temperatura nocturna e isso vai-se reflectir, depois, nos vinhos.
Acho que os nossos vinhos são leves, frescos, quer os brancos quer os tintos. O que diferencia um pouco dos das outras regiões. E, hoje em dia, o consumidor procura mais esse tipo de vinhos.
Considera que a região pode tornar-se ainda mais competitiva?
Disso, não tenho dúvidas. Há margem para crescer. Em termos de certificação, ainda temos 50% para crescer. No nosso mercado interno – e cerca de 60% do que produzimos é consumido no mercado interno – há muita margem de manobra, mas temos, igualmente, um mundo inteiro para crescer.
A CVR Tejo tem sido uma das regiões vitivinícolas com maior crescimento nos últimos anos, não só a nível nacional, mas sobretudo nos mercados internacionais. Quais são os principais mercados consumidores dos vinhos do Tejo e quais são aqueles onde está a tentar impor-se?
Temos um estudo estratégico que fizemos já há cinco anos para a exportação, que vai sendo actualizado, ano a ano, e que indica quais os novos mercados estratégicos. Alguns vão-se mantendo e outros não. Por exemplo, o mercado do Brasil é o primeiro que temos em termos de exportação e, num ano tão difícil como este, continuamos com um crescimento muito grande. Quer na grande distribuição quer no e-commerce. Temos, também a Suécia, a França, Polónia, China e os EUA como ‘targets’ principais, entre outros mercados que estão em crescimento.
Para o ano, vamos inovar e vamos estar presentes num mercado que tem crescido bastante, que é o mercado Russo. Esse mercado já foi uma aposta da região – talvez antes de tempo. Na altura, não havia tanta apetência pelo vinho. Mas, agora, a nova geração de consumidores está a passar das bebidas mais fortes para bebidas mais ‘light’, digamos.
E relativamente à qualidade dos vinhos produzidos? Como é que a região Tejo se tem adaptado às exigências de um público cada vez mais globalizado e com perfis tão distintos entre si? Qualidade em vez de quantidade?
A questão da quantidade, e do facto de esta região ser olhada mais por esse prisma, relacionava-se mais com o mercado interno. Teve, talvez, a ver com os tempos da guerra em África, em que era preciso muito vinho para as tropas, e que não era necessário ter os cuidados que têm que existir hoje em dia.
Mas, volto a afirmar, a qualidade sempre existiu. E esse factor emergiu agora: os métodos mudaram, os enólogos são mais novos, mas a tradição sempre foi boa. Só havia que melhorar as técnicas, e isso foi feito. Não tenho dúvidas que a qualidade vai melhorar cada vez mais.
Como tem sido a introdução de novas tecnologias nas vinhas? A maior parte das explorações já estão adaptadas?
Sim, completamente. A maquinaria, a vindima mecânica, não existia há 20 anos. Hoje em dia é uma prática corrente. Permite fazer a vindima de noite, as uvas entrarem em condições logo de manhã na adega em vez de ser feita durante o dia, debaixo do calor e as uvas perderem alguma qualidade por esse motivo.
Há milhares de factores, que devido a essas novas tecnologias, e devido sobretudo, às novas ‘cabeças’ que, na enologia e viticultura, estão à frente da produção nesta região têm sido introduzidas e renovadas e melhoradas.
A alteração da designação Ribatejo para Tejo, foi concretizada em Março de 2010. Uma década volvida, é possível avaliar a reacção do mercado a esta alteração? Existiram benefícios nesta alteração da marca?
Eu, na altura, era membro do Conselho Geral que discutiu muito isso. Houve apaixonadas discussões. Mas, quando pensamos que os vinhos têm que ser vendidos e comunicados, não só cá dentro como lá fora, o designativo Tejo é muito mais fácil de explicar a um estrangeiro. Fazia todo o sentido que a região tivesse o nome do rio, que tanta influência tem no vinho, e não uma designação que era um pouco difícil de explicar, porque há o Alentejo e o Ribatejo… era mais difícil diferenciar, especialmente lá fora.
A CVR Tejo teve aqui um papel importante na aposta e divulgação desta marca com um grande investimento na promoção dos vinhos. Essa aposta vai continuar a existir? Quais são as acções promocionais de maior relevo previstas no futuro?
Essa aposta será, sem dúvida, para manter. Ao nível interno, temos dois tipos de promoção: uma junto da grande distribuição para aumentar a presença de referências de marcas diferentes nas prateleiras dos supermercados e, outra, mais dirigida ao canal Horeca – que agora está um pouco na prateleira porque, de facto, infelizmente, está na situação que todos sabemos. Para além disso, temos programadas acções de formação aos profissionais de hotelaria: tivemos já duas acções, uma em Santarém outra em Tomar. Temos mais programadas e que pensamos ser possível concretizar antes do final do ano. Temos, por outro lado, acções dirigidas aos críticos e jornalistas do sector, uma das quais vai decorrer esta sexta-feira, dia 28, na Quinta da Lapa, onde vamos promover a casta mais conhecida da região, a ‘Fernão Pires’. Temos programadas, ainda, uma outra série de acções que se realizarão, naturalmente, mediante a evolução da pandemia.
No estrangeiro, temos o plano estratégico que referi. Havia a Prowein que foi adiada para Março do ano que vem. Fomos à Vinexpo, em Paris, antes da pandemia, e agora, durante este período, não pudemos estar presentes em mais acções.
Vamos retomar acções em Setembro na Polónia, outro mercado estratégico para nós. Devemos ir, em Outubro, a uma prova inicialmente pensada para Abril na Holanda. Pensamos, também, ir à Bélgica, mas isso agora tudo depende da conjuntura. Tivemos que anular uma ida ao Brasil em Outubro. Também há algo programado para a China, mas pensamos que dificilmente se vai poder realizar. Para o ano, pensamos poder retomar normalmente as nossas acções.
Essa promoção tem ajudado os agricultores?
Sim, claramente. Temos alargado consideravelmente o leque dos importadores, e cada vez temos mais presença dos nossos produtores nos mercados estratégicos e isso reflecte-se, depois, nos números das exportações.
Durante o confinamento, a CVR não parou e lançou um conjunto de programas para apoiar os produtores. Foi importante manter esta relação?
Numa altura em que estava iminente a instalação do desânimo, onde a perspectiva não era boa, e os produtores viam os seus projectos ameaçados, foi importante haver algum apoio, incentivo, um alento. Daí uma série de acções que lançámos – que não foram, obviamente aquilo que queríamos fazer porque estávamos impedidos de as fazer – mas tentámos incentivar ao máximo, dentro do possível, o e-comerce. Trabalhámos muito à distância, mas as nossas instalações nunca fecharam: tivemos sempre metade da equipa em casa e a outra metade em regime presencial. Fizemos directos no Instagram, usámos as plataformas online para colmatar esta situação toda.
Sob o mote ‘Vinhos do Tejo – ESTAMOS ON’ – estruturámos uma campanha de comunicação focada nas redes sociais. Os protagonistas foram os produtores de vinhos da região, para que pudessem continuar a apresentar os seus vinhos e a lançá-los no mercado, um mercado que tem que se manter activo, principalmente através de vendas on-line.
E foi a pensar nessa realidade, a das vendas on-line, que os Vinhos do Tejo estão a estudar uma plataforma de promoção e comercialização conjunta. Não obstante o facto de alguns produtores terem as suas próprias lojas on-line; fazerem vendas directas, promovendo-as nas suas páginas de redes sociais; ou fazerem-no através das plataformas on-line dos seus distribuidores, das lojas off-trade com venda on-line (super e hipermercados) ou das garrafeiras. A Comissão Vitivinícola Regional do Tejo vai ajudar também nesta divulgação.
A aposta nos meios digitais é para ficar?
Sim, sem dúvida. No Brasil, o crescimento é exponencial: nesse país, as vendas e-comerce, este ano, representam já mais de 30% do total de vinho exportado.
De que forma é que a pandemia veio afectar o sector, não só na região mas no país?
Quem estava vocacionado para vinhos com um preço com uma margem superior e dedicados ao canal Horeca, com o encerramento dos restaurantes, hotéis e das próprias garrafeiras, foi muito afectado. E estamos a pensar numa forma de apoio porque sabemos que a questão da crise no canal Horeca não é algo que acabe agora. Vai manter-se, infelizmente… vai haver muita restauração que, se calhar, não vai aguentar este impacto e estamos a imaginar agora saídas para apoiar estes produtores mais condicionados a este canal Horeca para poderem vir a ter outras hipóteses de escoar os seus produtos.
Com o canal Horeca parado, com é que os produtores conseguem escoar o seu produto?
Houve um apoio do Governo à queima e/ou armazenagem, mas há uma boa noticia: a nossa região foi das que menos aderiu a esses apoios estatais. O que significa que as pessoas estão a conseguir escoar os produtos. Há regiões onde a adesão foi muito maior.
Olhando para lá da pandemia, será que conseguimos apontar as principais tendências da região nos próximos anos?
Nós chegámos a um ponto em que, depois de termos feito o nosso plano estratégico, podemos ambicionar que os nossos vinhos, pelas suas classificações, já atingiram um patamar que nos permite, eventualmente, fazer uma prova internacional com a presença de vinhos de outros países e com a presença de críticos internacionais de renome.
Este projecto está em curso e conta com o apoio da Wine inteligence, e já temos seleccionados, em grande parte, os vinhos e o grupo de críticos para estar presentes nesta acção de benchmarketing e estamos a aguardar que a pandemia nos permita realiza-la.
Temos outro projecto em curso para os nossos vinhos brancos. Dado que no Tejo se produz mais vinho branco que tinto. Felizmente, o consumidor também está a consumir mais vinho branco do que antigamente e por outro lado vamos continuar, internacionalmente, com a promoção em pelo menos cinco mercados. Internamente, vamos aumentar o investimento de apoio, quer na grande distribuição, quer no canal Horeca.
Temos, portanto, uma região com um crescimento sustentado e que já atinge patamares de excelência que, no futuro, serão para incrementar.
O Ribatejo é forte em agricultura, enoturismo, gastronomia. Na sua opinião, tem faltado uma estratégia de promoção do território que englobe todos estes aspectos?
O que acontece é que o Ribatejo sofre do facto de, turisticamente, estar dividido em duas regiões. A parte sul do Ribatejo está junta com o Alentejo e, depois, a parte norte está na região centro.
Isto causa algumas dificuldades promocionais. De qualquer forma, o enoturismo não está tão evoluído como poderia estar. Infelizmente, aqui é um dos aspectos menos bons que temos. Precisamos de mais unidades de enoturismo e melhores casas com enoturismo. Precisávamos de ter uma Santarém que fosse um polo de atracção de turistas, à semelhança de Évora, que não fosse só uma cidade de chegar e partir.
O enoturismo só por si não chega, mas o que acontece no Alentejo é que as pessoas vão a Évora dois ou três dias e, depois, aproveitam para visitar a cidade e a região e a descobrir as quintas e aqui temos de seguir também esse caminho.
Nós estamos a uma hora de Lisboa de comboio, com linha directa. E, de carro, é igual. É muito fácil vir a Santarém. E temos um património que hoje não é visitado. Mesmo o turismo religioso vai à capela dos Milagres e não pára, segue para Fátima. São aspectos que, claramente, poderiam ser melhorados para benefício de todos.
Uma mensagem final para os produtores?
Nós somos uma região que vai crescer. Vamos ultrapassar esta crise como ultrapassámos anteriormente outras. Claro que ninguém podia prever a situação actual, mas espero que, daqui a um ano, estejamos já numa rota completamente diferente. Vamos Conseguir continuar a projectar esta região em Portugal e no Mundo e escoar cada vez mais e melhor os vinhos que os nossos produtores tão bem produzem. O mérito do crescimento da região deve-se a eles e não propriamente à CVR. A CVR é um instrumento que a eles pertence e a eles tem que servir.