Já tinha planeado, há uns dias, apresentar — finalmente — a meio do próximo mês de novembro, a versão física do meu primeiro livro, “Sentidos de Pertença”. A páginas tantas, escrevi:
“Comecei a participar de forma regular em corridas de estrada (logo depois da vitória de Carlos Lopes na maratona dos Jogos Olímpicos de Los Angeles) juntamente com muitos outros escalabitanos, destacando aqui apenas o saudoso José Júlio Batalha, companheiro de tantas corridas a quem presto a minha homenagem e, já agora, o seu irmão e meu grande amigo António Batalha, com o qual continuo em saudável disputa de veteranos.”
Mas como poderia eu imaginar que o nosso “Batalhão” se iria juntar ao irmão no passado dia 23 de outubro, deixando de ser meu rival nas corridas e meu companheiro de tantas jornadas?
A vida, por vezes, é madrasta. Leva-nos os melhores. Neste mês de outubro, primeiro foi o meu querido amigo e companheiro do Grupo Académico de Danças Ribatejanas, João Cotrim. Agora, o meu eterno comparsa das corridas, António Batalha. Homens bons. Ambos discretos, generosos, voluntariosos. Honestos. Homens que faziam jus ao lado luminoso dos sentidos de pertença — esse vínculo profundo às pessoas, aos grupos, à cidade.
Com o António partilhei décadas de amizade verdadeira, nas pistas e nas ruas, nas madrugadas frias e nas noites de celebração. Fomos colegas de equipa na União de Santarém, depois nos Santarenos, e mais tarde nos Scalabis Night Runners, de que foi alma, dirigente e símbolo. Foi campeão nacional de maratona no seu escalão, mas nunca precisou de medalhas para ser reconhecido. O António era daqueles que estavam sempre lá — primeiro a ajudar, último a reclamar.
Tantas vezes brindámos à vida, em momentos simples e felizes, rodeados de amigos que hoje partilham comigo o choque e a tristeza. Nunca esquecerei quando o António decidiu voltar a correr e me perguntou como podia integrar aquele grupo das quartas à noite — que viria a tornar-se nos Scalabis Night Runners. Desde então, foram mais de quinze anos de amizade e cumplicidade neste clube, que se tornou uma família.
Hoje, custa aceitar o silêncio onde antes havia a gargalhada. Custa imaginar as próximas corridas sem o seu passo sereno, o seu humor discreto, a sua palavra certa. Os Scalabis Night Runners estão feridos. Eu estou ferido.
Mas guardo — guardamos todos — os momentos incríveis que vivemos com ele. As chegadas em conjunto, os abraços depois de cada meta, os brindes, as conversas, a lealdade sem falhas.
O António Batalha foi, e continuará a ser, um dos bons. Um desses raros amigos que deixam marca sem precisar de a reclamar.
E por isso, meu amigo, mesmo que o corpo te tenha deixado descansar, o teu espírito continuará a correr connosco — pelas ruas de Santarém, nas memórias de cada um, na pertença que nunca morre.
