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Olhamos o futuro com os olhos do passado. O passado é fonte de conhecimento, mas o posicionamento tem de ir mais longe, sob pena de estarmos cada vez mais desajustados da realidade. Estamos numa guerra de surdos, onde uma das partes nunca se cala e a outra age como se os primeiros não existissem. Construir muros ou pontes. Esse é o dilema. Acordos de paz fazem-se com inimigos, não com amigos. Escrevi esta frase há dias num grupo whatsapp no qual participo, relacionado com defesa, segurança e geoestratégia. Representa o meu sentimento profundo sobre o mundo em que hoje vivemos.
Ucrânia, Palestina e, pontualmente, Caxemira, são os conflitos que enchem noticiários, comentários, opiniões, lutas e preocupações. Os atores aqui são Trump e Putin, Nethanyau e o Hamas, o heroico Zelensky e o sinistro Xi, a NATO e a resistente União Europeia. Starmer, Macron e Merz formam o triunvirato europeu que sustenta a pasionária Von Der Leyen.
Tudo gira em torno destes atores, uma espécie de pantomina em formato dramático, com laivos de Bandarra e de Apocalipse segundo São João. Vamos todos morrer? Sim, mas não todos ao mesmo tempo. Irá a China dominar o mundo? Pelo menos uma parte dele talvez, se os governantes desses países “dominados” encontrarem vantagens nisso. Continuaremos a ter liberdade e democracia? Claro que sim, sujeita à evolução que o tempo e as gerações vão provocando, podendo mesmo no futuro as votações ser por via remota, como forma de reduzir a abstenção.
Enquanto focamos nos conflitos que aumentam o share da comunicação social (pois é disso que se trata), olvidamos conflitos bem mais sangrentos, como o Congo, o Sudão, a Síria, o Yemen, o Haiti ou a República Centro Africana. Países pobres, povos martirizados, pobres tão pobres que para eles a pobreza é um luxo. Para muitos de nós, são seres transparentes, que pouco importa estarem lá ou não, vivos, mortos ou estropiados. Como me disse uma vez uma amiga uruguaia, “vocês vivem no lado feliz do mundo”.
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Tem algum filho ou filha que tenha nascido entre 1997 e 2012? Para lhe facilitar as contas, têm entre 13 e 28 anos. Se sim, tem em casa um (ou vários) membros da Geração Z. Mas, afinal, que geração é esta de que tanto se fala, que inclui pessoas como o futebolista Erling Haaland, o piloto de fórmula 1 Max Verstappen, a poetisa e ativista Amanda Gorman, a cantora Camila Cabello ou a polémica ativista Greta Thunberg?
A Geração Z é antes de mais digital. Os seus filhos, ainda bebés, já lhe pediam o telemóvel para jogar? Pois é isso mesmo. Dos jogos para bebés, ao Minecraft para crianças, à televisão interativa, ao domínio intuitivo da tecnologia digital, até ao desenvolvimento de sistemas complexos em tecnologia de informação, à informação diversificada e validada via plataformas na internet, até ao lançamento e manutenção de plataformas e ações políticas concretas usando a internet como meio de união, discussão e ação, tudo isto é Geração Z.
Os sistemas políticos atuais respondem a tudo isto de forma perplexa, atabalhoada e perfeitamente desajustada. A política atual serve sobretudo o culto da personalidade. Por isso destaca os atos públicos, não as pessoas e muito menos as ações, consideradas estas como uma forma continuada de servir as populações. Por isso, louvamos pessoas, inaugurações, sessões solenes, prémios e condecorações. As pessoas? Bom, dizemos que elas são o mais importantes, pelo menos em tempo de eleições. Depois, ou estas aceitam o que queremos fazer ou vão para a lista negra do ostracismo. E as políticas de faz de conta (muito cimento, pouco tento) continuam.
Como um nível de consciência sociopolítica muito mais acurado que as gerações anteriores (baby boomers e geração X), a Geração Z não pactua nem se compadece com esta forma de fazer política, rejeitando o sistema assim instalado e exigindo ações políticas focadas nos problemas reais das pessoas. Isto é inovador? Acredito que não, pois o movimento do Maio de 1968 não andou muito longe destes objetivos, embora com uma orientação e um léxico político substancialmente diferente.
Com base nestes pressupostos e, sobretudo, num ambiente sociopolítico insuportável, que lhes amputa qualquer possibilidade de um futuro feliz, os jovens da Geração Z partiram para a ação em muitos países, derrubando governos corruptos e coligações de interesses, com o objetivo de repor a justiça social, a equidade entre cidadãos e a igualdade de oportunidades.
O movimento começou no sudoeste asiático e espalhou-se rapidamente a África e mais recentemente à América do Sul, com algumas caraterísticas interessantes, que prejudicam os meios de controlo destes fenómenos: convocação das ações via redes sociais, ausência de líderes reconhecidos ou de ligação a quaisquer forças políticas ou sociais, ausência de localizações específicas para as ações, podendo incidir em qualquer ponto do território.
Para termos uma ideia, o movimento que começou em 2022 no Sri Lanka e que continuou em 2024 no Bangladesh, eclodiu já em 2025 com grande vigor no Nepal, estendendo-se depois do sucesso nepali a países como Madagáscar, Marrocos, Perú, Indonésia, Filipinas e Quénia. Tudo tem ocorrido a uma velocidade bastante elevada, só possível pelo contágio digital e pelos exemplos de sucesso de países como o Bangladesh e o Nepal.
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Os romanos fizeram talvez as melhores estradas da história da circulação viária. Estabilidade, segurança, resistência, tudo se conjugava para otimizar as deslocações dentro do Império. Em diversos locais portugueses, perto de rios com leitos próximos da foz e depósitos de seixos, as lajes romanas foram substituídas por estes seixos, material disponível em quantidade e bastante barato. No século XIX, artesãos portugueses criaram a famosa calçada portuguesa e as ruas de seixos começaram a desaparecer.
Serve o parágrafo anterior para referir que moro em Almeirim, numa rua pavimentada com seixos do rio. Na minha terra existem bastantes, que são consideradas património municipal. Desde senhoras idosas a cair quando começa a chover, até ao desgaste contínuo das suspensões automóveis, passando pela desvalorização imobiliária dos imóveis situados nestas ruas, tudo clama para que esta absurda classificação seja retirada.
Alternativas? Pavimentar as ruas como todas as outras da Cidade/Concelho e utilizar o espaço do Museu Municipal para construir uma instalação multimédia, que revele e documente o passado das ruas pavimentadas com seixos do rio em Almeirim. Será assim tão despropositado, ou será melhor continuar a insistir numa prerrogativa histórica de fundamentação discutível que se demonstra penosa para os cidadãos que residem nestas artérias? Aqui fica a sugestão para o meu Amigo Joaquim Catalão, o Presidente da Câmara Municipal de Almeirim recentemente eleito.
