Decorre até ao próximo domingo, dia 28 de Abril, na tão típica aldeia de Azinhaga do Ribatejo, o I Festival do Campino, evento que tem plena justificação numa terra onde nasceram, viveram e trabalharam tão ilustres campinos, que nas casas agrícolas do concelho da Golegã e noutras do nosso Ribatejo, serviram com trabalho, esforço e talento algumas das mais relevantes ganadarias nacionais, brilhando em cima do cavalo no pastoreio do gado bravo e na condução de toiros de lide a caminho das praças.

A vivência do Campino de antigamente era muito difícil, penosa e arriscada, algo que nem sempre transparece na sua presença galharda e varonil nas festas e feiras onde participa em representação da Casa Agrícola que serve com o maior empenho e dedicação. Ali, em tempo de festa, o Campino, envergando a sua tão bela indumentária, irradia alegria por todos os poros, mas, na solidão da lezíria para onde ia de farnel aviado por uma semana ou mais, nas noites gélidas e chuvosas do inverno o Campino era uma figura recatada, calma e tranquila.

Ao longo do ano o “moiral” dos toiros tinha sempre trabalho para fazer, desde a desmama dos bezerros, apartando-os das mães, à ferra, à tenta, às mudanças de pastagens, à condução para as praças “à unha de cavalo”, sobretudo quando ainda não havia facilidade de os transportar em camiões, e depois o regresso à Casa, onde alguns dos mais possantes eram aproveitados para a canga, após um arriscado trabalho de amansia. Outros tempos, quando a campinagem envolvia tanta labuta…

Mas, na impossibilidade de agora abordar toda a faina do Campino, falemos um pouco da sua maneira de vestir tão própria e singular.

Não há dúvidas de que o trajo de gala do campino ribatejano faz jus à adjectivação do “mais elegante trajo masculino da indumentária popular portuguesa”. Se os trajos das mordomas vianesas se impõem ao nível do trajo feminino, o do campino pontifica ao nível do trajar do homem português.

Porém, este trajo encerra em si mesmo um conjunto de singularidades e de equívocos, que bem justificam uma abordagem sobre a sua história e o seu uso.

Os proprietários das grandes casas agrícolas ribatejanas eram em muitos casos membros de algumas das famílias da aristocracia nacional, gente que passava longas temporadas na capital do reino, conquistada pelos encantos de uma vida mundana, que não lograva viver com a mesma intensidade e com o mesmo brilhantismo nas suas terras da Borda-d’água.

Das úberes planícies ribatejanas, confiadas à gestão de algum feitor ou arrendadas a diversos foreiros, lhes advinha a subsistência para uma vivência rica e faustosa, a que se impunha engrandecer algum prestígio decorrente dos pergaminhos da ascendência familiar ou da fama da sua produção.

A existência de uma ganadaria brava era uma das formas de alcançar maior notoriedade, pois, sempre se referia a origem do gado lidado na toirada, e, claro, quando os toiros investiam a contento dos toureiros e para gáudio da populaça, o lavrador não cabia em si mesmo de tão feliz.

Quando a ilustre família vinha passar alguma temporada ao campo, a criadagem que servia em casa acompanhava-a, como quando a família real vinha tomar ares à província, acompanhada do seu séquito. No caso dos lavradores detentores de ganadaria brava, era importante fardar os campinos, como se se tratasse de criados do campo, por analogia com os serviçais domésticos.

E terá sido a partir desta altura que os campinos passaram a usar um fato de gala constituído por um calção de fazenda afivelado, alva camisa bordada, colete encarnado trespassado com duas ordens de botões de metal, meia branca de algodão e jaqueta da mesma cor dos calções. Para manter a relação com o trajo rural, lá estavam o barrete verde com carapinha encarnada, a cinta vermelha e os sapatos de prateleira, onde aplicavam as esporas quando as tarefas o impunham.

Ora, este trajo era muito diferente da indumentária usada no dia-a-dia, e que constava apenas de umas calças de cotim, direitas e de cós alto, camisa de riscado em tecido escuro, um colete do mesmo tecido com uma única ordem de botões, uma jaleca, mais grossa, para fazer frente ao frio, no tempo dele, e umas botas de atanado.

Ao contrário do que muito boa gente pensa, o fato de gala do campino só era usado em circunstâncias muito especiais para a vida da família do lavrador, e, naturalmente, sob as suas ordens, transmitidas ao feitor ou ao abegão.

Quando se marcava o dia da tenta ou da ferra, no dia da toirada em que eram lidados toiros da sua divisa, em festas ou feiras onde a Casa Agrícola se fazia representar, ou em festas de casamento ou baptizado de algum membro da família, lá ordenava o Patrão “que queria os criados fardados”.

Assim mesmo, sem tirar nem pôr, uma vez que aquela indumentária era mesmo uma farda, propriedade do Lavrador, que a confiava ao campino em dia de S. Miguel, quando se ajustava pelo prazo de um ano àquela Casa Agrícola.

Segundo a tradição, os campinos estavam justos do S. Miguel de um ano ao S. Miguel do ano seguinte, mas o que é verdade é que se não ocorressem situações de gravidade no cumprimento das suas obrigações, o vínculo se mantinha pela vida inteira, passando de geração em geração. Filho de abegão, sendo campino valente e respeitado pelos seus pares, teria todas as probabilidades de substituir seu pai, quando a velhice ou a doença o impedissem de dar conta do recado.

Este trajo, que em bom rigor é o único que na indumentária popular portuguesa pode ser classificado de farda, é belo, elegante, vistoso, pelo que muitos ranchos folclóricos ribatejanos o integram no seu quadro etnográfico, o que estará correcto se se respeitarem as circunstâncias em que era usado, e não, como tantas vezes temos visto, em quantidade verdadeiramente desajustada da realidade representada.

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